Juíza federal proíbe governo Bolsonaro de comemorar golpe de 64: Fere o princípio da legalidade

Tempo de leitura: 3 min

Juíza: recomendação de Bolsonaro para comemorar golpe fere princípio da legalidade

Magistrada atendeu pedido da DPU e proíbe atos pelos 55 anos do início do regime. Militares celebraram de manhã

 Márcio Falcão, no JOTA

A Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu nesta sexta-feira (29/3) atos em comemoração ao golpe de 64.

A decisão é da juíza federal Ivani da Luz, da 6ª Vara Federal do Distrito Federal, e foi tomada após o presidente Jair Bolsonaro recomendar ao Ministério da Defesa que promova as devidas festividades para celebrar os 55 anos do ato que marco o início da ditadura militar no país. (leia a íntegra da decisão)

Luz concedeu liminar requerida pela Defensoria Pública da União.

Segundo a magistrada, a Administração Pública, jungida ao princípio da legalidade, não deve estabelecer celebração de data sem a previsão expressa em Lei, previamente debatida e aprovada pelo Congresso Nacional.

Na prática, várias unidades militares anteciparam as celebrações ao movimento para hoje, sendo  que a data é celebrada no domingo.

“O ato impugnado contraria, ainda, o princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, eis que a Lei nº 12.345/2010 estabelece que a proposição de data comemorativa será objeto de projeto de lei (art. 4º), acompanhado de comprovação da realização de consultas ou audiências públicas (art. 2º), segundo critério de alta significação para os diferentes segmentos que compõem a sociedade brasileira (art. 1º)”, escreveu a magistrada.

Em 31 de março de 1964, o golpe militar depôs o então presidente João Goulart, iniciando-se uma ditadura que durou 21 anos, sem eleição direta para presidente.

Na segunda, o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, anunciou que o presidente determinou ao Ministério da Defesa que faça as “comemorações devidas” pelos golpe.

“O nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964, incluindo uma ordem do dia, patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente”, afirmou Rêgo Barros.

Após reações em diversas frentes, Bolsonaro mudou o tom.

“Não foi comemorar, foi rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro”, disse o presidente nessa quinta.

Na avaliação da magistrada, o ato administrativo impugnado, não é compatível com o processo de reconstrução democrática promovida pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e pela Constituição Federal de 1988.

Luz afirma que a medida afasta-se do ideário de reconciliação da sociedade, da qual é expressão a concessão de anistia e o julgamento de improcedência da ADPF 153, quando o Supremo Tribunal Federal recusou pedido de revisão da Lei nº 6.683/1979, mantendo ampla e irrestrita anistia aos crimes comuns, de qualquer natureza, quando conexos com crimes políticos ou praticados por motivação política.

“De embates políticos-ideológicos de resistência democrática e reconquista do Estado de direito, culminados na promulgação da Constituição Federal de 1998, espera-se concórdia, serenidade e equilíbrio das instituições, cujos esforços devem estar inclinados à superação dos grandes desafios da nação, para realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, da CF/88)”, diz a magistrada.

“Nesse ponto, ressalte-se que a alusão comemorativa ao 31 de março de 1964 contraria, também, a ordem de manter a educação contínua em direitos humanos, como instrumento de garantia de não repetição, estabelecida em sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no “Caso Gomes Lund e Outros”, completou.

Para Luz, afirma que sobressai o direito fundamental à memória e à verdade, na sua acepção difusa, com vistas a não repetição de violações contra a integridade da humanidade, preservando a geração presente e as futuras do retrocesso a Estados de exceção.

“O reconhecimento do caráter autoritário do regime sucedido pela Constituição Federal de 1988 pode ser observado, inclusive, no art. 8º dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias, o qual concedeu anistia aos que “foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares”.

Segundo a Defensoria Pública da União, “a postura do Presidente da República viola sua atribuição como Chefe de Governo – uma vez que atenta contra a moralidade administrativa – mas, também, viola sua atribuição como Chefe de Estado, já que o Brasil se comprometeu com o sistema regional interamericano, desrespeitando o princípio da prevalência dos direitos humanos”.

De acordo com a ação, “permitir que as comemorações anunciadas pelo Poder Executivo ocorram fere, frontalmente, o direito à memória e à verdade, especialmente em sua função de prevenção. Isto é: permitir que condutas exaltem tal período negro de nossa história nacional violam nossa memória
coletiva e estimulam que novos golpes e rupturas democráticas ocorram, o atenta contra a Democracia e contra o Estado Democrático de Direito”.

Para os defensores, eventual comemoração fere o princípio da legalidade previsto no artigo 37 da Constituição.

“Diante do alarmante quadro de violação de direitos humanos, em especial, violação aos princípios constitucionais e outros aos quais o Brasil aderiu no cenário internacional, não resta outra medida senão solicitar ao Poder Judiciário que interfira, exercendo sua função constitucional e seu papel maior no Estado Democrático de Direito”.


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Comentários

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Cláudio

Parabéns à juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília, por tão simplesmente cumprir bem sua função nesses tempos de judiciário periclitante.

Zé Maria

“Comemorar assassinato, tortura e violência é coisa de um povo
q já perdeu a alma e a consciência num grau muito perigoso.
Não podemos ser coniventes com essa desgraça.”

Zélia Duncan

https://twitter.com/zdoficial/status/1110635601240473601

Zé Maria

Instituto Vladimir Herzog e OAB
denunciam Bolsonaro na ONU
por comemorações do golpe de 64

Documento enviado aos relatores das Nações Unidas alerta que a medida do presidente coloca sob risco as instituições democráticas do país.

Do sítio do IVH

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
e o Instituto Vladimir Herzog (IVH) entraram nesta sexta-feira, 29,
com um petição junto à Organização das Nações Unidas (ONU)
para denunciar a decisão do presidente Jair Bolsonaro
de comemorar o aniversário do golpe militar de 1964.

O documento denuncia a tentativa do presidente e de outros membros do governo – como o chanceler Ernesto Araújo – de modificar a narrativa histórica do golpe que instaurou uma ditadura militar que, durante 21 anos, aterrorizou o país com uma séria de gravíssimas violações de direitos humanos, como perseguições, prisões arbitrárias, torturas, desaparecimentos e assassinatos.

A petição assinada pelo IVH e pela OAB também cita as recentes entrevistas do presidente, em que ele nega o caráter ditatorial do regime e os crimes contra a humanidade cometidos por agentes do Estado.

O documento afirma que o presidente e outros membros do governo tentam “modificar a narrativa histórica do golpe que instaurou uma ditadura militar”.

A queixa também cita as recentes entrevistas de Bolsonaro, em que o presidente “nega o caráter ditatorial do regime e os crimes contra a humanidade cometidos por agentes do Estado”.

Para o IVH e a OAB, esses atos cometidos no mais alto nível do Estado representam violações dos direitos humanos, do direito humanitário e colocam sob ameaça a democracia. Como se não bastasse, a comemoração de um período tão difícil na história do país constitui uma violação dos tratados aos quais o Brasil passou a fazer parte depois de retornar à democracia.

Diante disso, o IVH e a OAB pedem para os relatores que a ONU cobre explicações do presidente Jair Bolsonaro sobre as recomendações em relação ao golpe de 1964.

Além disso, é esperado que as Nações Unidas se manifestem publicamente sobre a importância do direito à memória e à verdade e, mais especificamente, sobre a necessidade de se manter viva a lembrança das atrocidades cometidas durante o regime militar, a fim de evitar qualquer tentativa de revisionismo histórico.

https://vladimirherzog.org/instituto-vladimir-herzog-e-oab-denunciam-bolsonaro-na-onu-por-comemoracoes-do-golpe-de-64/

Zé Maria

A Decisão da Juíza Federal de Brasília
foi um “Cala a Boca, BolsoAsno!”,
inclusive nos Milicos de Pijama.

Justiça Federal proíbe comemorações
dos 55 anos do golpe de 1964

A Juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal
do Distrito Federal, proibiu nesta sexta-feira (29/3) que
as Forças Armadas comemorem o aniversário de 55 anos
do golpe de 1964 no próximo domingo (31/3).

A magistrada atendeu a um pedido de liminar apresentado
pela Defensoria Pública da União, que alegou risco de afronta
à memória e à verdade, além do emprego irregular de recursos públicos nos eventos. [CONJUR]

A juíza ordenou que o Ministério da Defesa fosse notificado
e destacou que “o reconhecimento do caráter autoritário
do regime sucedido pela Constituição Federal de 1988
pode ser observado, inclusive, no art. 8º dos Atos
de Disposições Constitucionais Transitórias, o qual
concedeu anistia aos que ‘foram atingidos,
em decorrência de motivação exclusivamente política,
por atos de exceção, institucionais ou complementares’”,
e complementou citando trecho de Acórdão
da Primeira Turma do STF proferido no RE 160.486/SP,
sob Relatoria do Ministro Celso de Mello:
“O Ato das Disposições Transitórias, promulgado em 1988
pelo legislador constituinte, qualifica-se, juridicamente,
como um estatuto de índole constitucional.
A estrutura normativa que nele se acha consubstanciada
ostenta, em conseqüência, a rigidez peculiar às regras inscritas
no texto básico da Lei Fundamental da República.
Disso decorre o reconhecimento de que inexistem,
entre as normas inscritas no ADCT e os preceitos constantes
da Carta Política, quaisquer desníveis ou desigualdades quanto
à intensidade de sua eficácia ou à prevalência de sua autoridade”…

A Juíza Federal prossegue afirmando que “o ato administrativo impugnado, não é compatível com o processo de reconstrução democrática
promovida pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e pela Constituição Federal de 1988; afasta-se do
ideário de reconciliação da sociedade, da qual é expressão a concessão de anistia e o julgamento de
improcedência da ADPF 153”…
[…]
“Nesse contexto, sobressai o direito fundamental à memória e à verdade, na sua acepção difusa, com vistas a não repetição de violações contra a integridade da humanidade, preservando a geração presente e as futuras do retrocesso a Estados de exceção.
Esse é o mote, inclusive, de sentença deflagrada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no ‘Caso Herzog e outros’,
reproduzida ao Id Num. 43099478.
Registre-se que o Brasil acatou a sentença da referida
Corte Internacional, instituindo grupo de trabalho
para seu devido atendimento, por meio da Portaria
nº 281, de 30/07/2018, do Ministério dos Direitos Humanos.
Nesse ponto, ressalte-se que a alusão comemorativa
ao 31 de março de 1964 contraria, também,
a ordem de manter a educação contínua em direitos humanos,
como instrumento de garantia de não repetição,
estabelecida em sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O ato impugnado contraria, ainda, o princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, eis que a Lei
nº 12.345/2010 estabelece que a proposição de data comemorativa será objeto de projeto de lei (art. 4º),
acompanhado de comprovação da realização de consultas
ou audiências públicas (art. 2º), segundo critério de alta significação
para os diferentes segmentos que compõem a sociedade brasileira (art. 1º).
Desse modo, a Administração Pública, jungida ao princípio da legalidade,
não deve estabelecer celebração de data sem a previsão expressa
em Lei, previamente debatida e aprovada pelo Congresso Nacional”.

E a Magistrada do Distrito Federal assim conclui a magnanimamente a decisão:

“Por fim, após anos de embates políticos-ideológicos
de resistência democrática e reconquista do Estado de direito,
culminados na promulgação da Constituição Federal de 1998,
espera-se concórdia, serenidade e equilíbrio das instituições,
cujos esforços devem estar inclinados à superação dos grandes desafios
da nação, para realização dos objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (art. 3º, da CF/88).”

“Defiro o pedido de tutela de urgência para determinar à União
que se abstenha da ordem do dia alusiva ao 31 de março de 1964,
prevista pelo ministro da Defesa e comandantes
do Exército, Marinha e Aeronáutica.”

íntegra da decisão: https://www.conjur.com.br/dl/justica-proibe-comemoracoes-55-anos.pdf

Zé Maria

Os Bolsonazis têm mais um nome
a acrescentar ao Rol de Comunistas:

“Ivani Silva da Luz”

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