Jeferson Miola: Sigilo de 100 anos do general Pazuello encobria farsa vergonhosa do Exército

Tempo de leitura: 3 min
Em 23 de maio de 2021, o então general da ativa Eduardo Pazuello participou, em cima de um caminhão de trio elétrico, de motociata com presidente Jair Bolsonaro, sem máscara, no Rio de Janeiro. Foto:: Fernando Frazão/Agência Brasil

Sigilo do general Pazuello encobria farsa vergonhosa do Exército

Por Jeferson Miola, em seu blog

“E aí, galera […] eu não podia perder este passeio de moto de jeito nenhum. Tamo junto, hein. […]Parabéns pra galera que está aí, prestigiando o Presidente”. General da ativa Eduardo Pazuello em discurso aos “moto-fascistas” no Rio de Janeiro em 23/5/2021.

O levantamento do sigilo de 100 anos mostra que o procedimento instaurado pelo Exército para simular a apuração da transgressão disciplinar cometida pelo general e ex-ministro da Morte Eduardo Pazuello é uma farsa do início ao fim.

A farsa começa logo na inicial do processo, na descrição capciosa do “relato do fato” a ser apurado pelo então Comandante do Exército.

O Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar assinado pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ao invés de descrever com objetividade o enquadramento do caso dentre as 113 transgressões definidas no Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército [RDE, Decreto 4346/2002], assim justifica o motivo da apuração: “Por ter o Gen Div EDUARDO PAZUELLO, militar da ativa, participado de manifestação popular, no Aterro do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro-RJ, no dia 23 de maio de 2021” [grifo meu].

A escolha da expressão “participado de manifestação popular” na inicial do simulacro de apuração do Exército foi cirúrgica, feita à feição para a estratégia de defesa do general Pazuello.

E por quê? Porque em nenhuma norma legal se encontra a expressão “manifestação popular”. E por isso, portanto, o general da Morte não poderia ser investigado e julgado por cometer transgressão ou crime não tipificado na legislação.

O Regulamento Disciplinar do Exército relaciona como transgressão “tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico …” [item 103 do Anexo I do Decreto 4346].

Este jogo providencial de palavras – manifestação popular em lugar de manifestação coletiva – foi uma das chaves usadas pelo general Pazuello na sua defesa, com o seguinte argumento: “Assim, na minha avaliação a conduta descrita não se enquadra em nenhuma das transgressões disciplinares previstas no Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército, ou tampouco no Estatuto dos Militares e demais leis que nos norteiam e regulamento”.

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Pazuello também evocou “os laços de respeito e camaradagem” entre ele e Bolsonaro para aceitar o convite e participar da motociata fascista e do comício político-partidário com ativistas de extrema-direita.

Quanto à transgressão definida no item 57 do Anexo I do RDE, que proíbe militar da ativa de se manifestar publicamente “a respeito de assuntos de natureza político-partidária”, Pazuello não economizou nos sofismas.

Ele argumentou que “um passeio de moto organizado e patrocinado por associações e clubes de motociclistas para demonstrar apoio ao Presidente da República, ao meu ver não possui natureza político-partidária”.

Pazuello foi ainda mais longe na arte diversionista e sustentou que “sequer estamos no período eleitoral e o Excelentíssimo Sr Presidente da República não é filiado a nenhum partido político, o que evidencia ainda mais que o passeio não possuía natureza político-partidária”. E arrematou: “Ressalte-se que no passeio não havia qualquer bandeira ou panfleto de partidos políticos”.

O general Paulo Sérgio, que na véspera foi informado pelo próprio Pazuello da participação nos atos políticos de Bolsonaro, acatou os argumentos falaciosos do seu correligionário do partido dos generais e entendeu “que a conduta em comento não se amolda à definição de crime, contravenção ou transgressão disciplinar”. E mandou arquivar a “apuração”.

O levantamento do sigilo de 100 anos da não-apuração das transgressões e crimes cometidos pelo general e ex-ministro da Morte Eduardo Pazuello revela a tremenda farsa que o Exército encobria.

E indica, também, que os militares aspiravam um projeto longevo – para não dizer eterno – de poder.

Este caso, infelizmente, não é isolado, mas a expressão da mais profunda e generalizada deterioração institucional das Forças Armadas, que pagam o preço da queda livre da credibilidade e confiança que a sociedade tinha na instituição.

O artigo 42 da Lei 6880, que dispões sobre o Estatuto dos Militares, define que “a violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas”.

O Decreto 4346, que instituiu o RDE, vai na mesma linha, e define que “transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe” [artigo 14].

E, por outro lado, o item 5 do Anexo I do RDE considera transgressão o superior hierárquico [no caso, o general Paulo Sérgio] que “deixar de punir o subordinado que cometer transgressão, salvo na ocorrência das circunstâncias de justificação previstas neste Regulamento”.

A publicidade da farsa do Exército cobra das instituições civis e do Congresso Nacional a apuração e punição dos envolvidos nela.

Pazuello e outros generais que tanto mal causaram ao país e ao povo brasileiro desonram o Exército, e deveriam ser expulsos da Força Terrestre.

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Comentários

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Dario Roque Thomaz

Seria então o caso de investigar também esse Paulo Nogueira de Oliveira.

Igor Trabuco Grosso

Prevendo certas coisas o meliante se elegeu Dep.
Aí fudeu. Quem pega ele.

Igor Trabuco Grosso

Um general vai punir o outro general ?
Num vai nem a pau.
E se caísse caia para cima. Seria pra inglês ver.

Brasil para o Brasil !
Aqui é assim em tudo que é lugar. É só reparar.
O que acho estarrecedor é matarem gente tão humilde e ficar tudo por isso mesmo. Muita gente. Talvez milhões. Ou mais de 1 milhão.
Mataram um monte de gente e não vai acontecer nada para nenhum deles. Mas nem na esfera municipal.
Se fosse só o exército a cometer crimes no Brazil, aqui seria o paraíso na terra.
O exército é um problema, mas tem outros por aí camuflados.
Os generais não conseguiriam meter a espada no povo sem a ajuda de muitas outras classes sociais ou não.

abelardo

Que papelão! Imagino o quanto as forças armadas de outros países devem estar horrorizadas com tamanha decadência do exército brasileiro.
Como se explica que a omissão, e/ou a submissão, do Alto Comando do exército fosse ser reveladas de um modo tão torpe, tão amador e tão pueril?
Que vergonha, que falta de compostura, de falta de comando, que falta de autoridade.
Uma minoria de péssimos militares e ex-militares deixou o mundo entender que eles possuem mais autoridade e mais força de comando, que o próprio Alto Comando.
É o tal corporativismo burro, estúpido e delinquente que, com uma simples caneta da, joga na lama a história e a tradição de um exército republicanos constituído.
Será que a impunidade militar ainda vai continuar maior que a própria instituição?
Vergonha na cara não faz mal a ninguém.

Zé Maria

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Esse General P.S. Nogueira de Oliveira deveria ser

Processado, Julgado e Preso – junto com o Pazuello –

por Acobertamento de Crime de Militar Subordinado.

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