Jeferson Miola: Forças Armadas ou milícias fardadas?

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Fotos: Marcello Casal/Agência Brasil e Pinterest

Forças Armadas ou milícias fardadas?

Por Jeferson Miola, em seu blog

Em 31 de março e 19 de abril, o Brasil foi assombrado por mais uma escalada de ameaças e ataques de Bolsonaro e generais à democracia e ao Estado de Direito.

Essas duas datas, comemoradas como efemérides pelas cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, representam, na realidade, mistificações ideológicas e celebrações farsescas.

O 31 de março, que marca o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart em 1964 e instalou a ditadura e o terror de Estado, jamais seria celebrado em qualquer democracia minimamente funcional. Afinal, é no mínimo paradoxal uma real democracia comemorar atentados que a debilitam e ameaçam sua própria existência.

No Brasil, entretanto, as cúpulas militares, protegidas pela impunidade imposta na transição tutelada e controlada, anualmente relembram a data em mentirosas e ultrajantes “Ordens do Dia” lidas nos quartéis, como aconteceu no último 31 de março.

Generais conspiradores que pisoteiam o direito à memória, à verdade e à justiça, como Mourão, Azevedo e Silva, Etchegoyen, Villas Bôas, Ramos, Braga Netto e demais, exaltam a ditadura como “revolução democrática” ou barbaridades do estilo. Vários deles, inclusive, elogiam facínoras como Brilhante Ustra e defendem a tortura e torturadores.

O 19 de abril, decretado em 1943 originalmente como “Dia do Índio”, a partir de 1994 passou a ser considerado, também, “Dia do Exército Brasileiro” [decreto presidencial].

A historiografia militar fixou esta data em alusão à “Batalha dos Guararapes”, de 1648 – evento que, na visão dos militares, seria “o ‘Berço da Nacionalidade’, cujos feitos marcaram a gênese do Exército Brasileiro” [sic] [Ordem do Dia de 19/4/2022 assinada pelo Comandante do Exército].

Ao atribuírem a esta batalha – travada em 19 de abril de 1648 e em 19 de fevereiro de 1649 pelas tropas portuguesas com apoio de indígenas e negros contra os invasores holandeses – o “mito fundacional” da nacionalidade e da identidade brasileira, os militares consideram a si próprios o “ente fundador” da Nação e da identidade nacional.

Isso não passa, porém, de tola mistificação para alimentar fantasias e delírios das cúpulas militares antiprofissionais e conspirativas que historicamente acalentam a ideia de um projeto próprio de poder militar para a condução permanente dos destinos do país.

Ora, em 1648 o território brasileiro era dominado pelos invasores portugueses que subjugaram os indígenas – os verdadeiros fundadores do Brasil – e traficaram negros à força da África para serem escravizados como mão de obra escrava.

Eles, os indígenas e o povo negro, e não as tropas portuguesas ou os militares brasileiros, foram os verdadeiros responsáveis pela construção da economia, da nacionalidade, da identidade, da sociabilidade e da cultura brasileira.

Em 1648 o território brasileiro sequer era um Estado nacional. Era uma colônia portuguesa sem status jurídico de Nação independente e soberana. Não possuía, portanto, um Exército nacional, mas sim tropas portuguesas subordinadas diretamente ao Reino de Portugal.

O Exército só foi oficialmente criado em 1822 – 174 anos depois da Batalha de Guararapes, portanto. A despeito desta realidade factual, contudo, a patética Ordem do Dia deste 19 de abril cita “374 anos de uma existência alicerçada em valores e tradições, e impregnado de um incansável comprometimento com a Nação Brasileira […]”.

Oliveiros Ferreira, que nos anos 1980 descreveu o Partido Militar, se vale da caracterização do escritor francês Alfred de Vigny, de que “o Exército é uma Nação dentro da Nação”, para concluir que o Exército se considera “um corpo distinto da sociedade política, único a cuidar da defesa do Estado, podendo por isso mesmo orientar-se por suas próprias leis”.

Esta ideia-chave é demonstrável na realidade insular, de isolamento e autonomia ilimitada de uma instituição que age como uma verdadeira “Nação [militar] dentro da Nação”, com uma legalidade própria, alheia à Constituição civil e a princípios republicanos e democráticos elementares.

As Forças Armadas possuem um regime exclusivo e privilegiado de pensões e aposentadorias e possui, também, um sistema próprio e ultra ideologizado de educação e formação. Manejam um orçamento anual de 110 bilhões de reais com pouco ou nenhum apreço pela austeridade, publicidade e legalidade.

Possuem, ainda, uma justiça própria e cujo presidente do Superior Tribunal Militar [STM] – general 4 estrelas da ativa do Exército – criminosamente debocha de torturas e assassinatos cometidos nas instalações da ditadura e acobertados por seus antecessores no STM.

Assim como os responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos ficaram impunes, os mandantes e executores de crimes de terrorismo como o atentado à bomba à sede da OAB [1980] e a explosão no Riocentro [1981] ou morreram impunes, como o general Newton Cruz, recentemente, ou seguem vivendo impunemente e gozando de polpudas aposentadorias.

Como escrito anteriormente [31/3, aqui], Forças Armadas comandadas por generais e oficiais sem compromisso com a legalidade, com o profissionalismo e com o dever de obediência à Constituição, não podem ser consideradas instituições de Estado. Porque, neste caso, se convertem em tropas armadas agindo como milícias fardadas que tratam o próprio povo brasileiro como o inimigo a ser combatido e dizimado.

O Brasil está confrontado com o desafio extraordinário de eleger o ex-presidente Lula em outubro próximo para deter e derrotar a escalada fascista-militar e retirar o país do precipício.

No contexto de recuperação e de reconstrução da democracia, a reestruturação profissional das Forças Armadas com foco exclusivo na defesa nacional será uma necessidade prioritária e incontornável.


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Zé Maria

STF condena [Cabo da PM-RJ, eleito Deputado Federal pelo Estado do Rio de Janeiro,] DANIEL SILVEIRA a 8 anos e 9 meses de prisão e perda do mandato

“A liberdade de expressão protege opiniões contrárias, jocosas, satíricas ou errôneas, mas não opiniões criminosas, discurso de ódio, atentados contra o Estado democrático de Direito e a democracia. E a imunidade parlamentar só é aplicável quando as manifestações têm conexão com a atividade legislativa ou são proferidas em razão desta, não podendo ser usada como escudo para atividades ilícitas.”

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por 9 votos a 2, condenou, nesta quarta-feira (20/4), o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, e multa de R$ 192,5 mil, corrigida monetariamente.

Com isso, o STF determinou a perda do mandato de deputado federal de Silveira e a suspensão de seus direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação. Dessa maneira, ele não poderá se candidatar nas eleições de outubro, com base na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010).

A corte entendeu que Silveira praticou os crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União (artigo 23 da Lei de Segurança Nacional — Lei 7.170/1973). Os ministros o absolveram da acusação de incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo (artigo 286, parágrafo único, do Código Penal).

Entre outras manifestações, o parlamentar defendeu o retorno do Ato Institucional nº 5, instrumento da ditadura militar, para promover a cassação de ministros do STF, com referências aos militares e aos ministros, visando a promover uma “ruptura institucional”. Ele também incitou a população, por meio de suas redes sociais, a invadir o Supremo.

Prevaleceu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, seguido integralmente pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.

Só não seguiram integralmente Alexandre os dois ministros indicados pelo presidente Jair Bolsonaro, André Mendonça e Nunes Marques.

Mendonça votou para condenar Silveira à pena de dois anos e quatro meses de reclusão, além de multa de R$ 91 mil.

Já Nunes Marques entendeu que as declarações estão protegidas pela imunidade parlamentar e votou pela absolvição do deputado.

Ação Penal (AP) 1044:
(https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6207102)

Íntegra da Reportagem:
https://www.conjur.com.br/2022-abr-20/stf-condena-silveira-anos-meses-prisao-perda-mandato

Henrique Martins

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/04/20/braga-netto-liderou-consulta-no-setor-ruralista-em-sondagem-para-vice-bolsonaro.htm

Essa turma inventou uma mamadeira de piroca para vencer as eleições passadas e agora nós temos próteses penianas verdadeiras e, ainda por cima, Viagra para detoná-los. Isso é o que eu chamo de justiça divina. O resto é bobagem…

Henrique martins

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/04/20/braga-netto-liderou-consulta-no-setor-ruralista-em-sondagem-para-vice-bolsonaro.htm

Observem que ironia: Eles inventaram uma mamadeira de piroca para vencerem as eleições passadas e agora nós teremos próteses penianas verdadeiras e ainda por cima Viagra para detona-los. Isso é o que eu chamo de justiça divina. O resto é bobagem.

Zé Maria

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Em uma Absurda Combinação com os Dominadores,
os Oficiais Militares converteram a Ficção em Realidade.
E agora acusam os Historiadores de mudar a História.
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Excerto

“Ora, em 1648 o território brasileiro era dominado pelos invasores portugueses que subjugaram os indígenas
– os verdadeiros fundadores do Brasil – e traficaram
negros à força da África para serem escravizados
como mão de obra escrava.

Eles, os indígenas e o povo negro, e não as tropas portuguesas ou os militares brasileiros, foram os verdadeiros responsáveis pela construção da economia,
da nacionalidade, da identidade, da sociabilidade e
da cultura brasileira.

Em 1648 o território brasileiro sequer era um Estado nacional.
Era uma colônia portuguesa sem status jurídico de Nação independente e soberana.
Não possuía, portanto, um Exército nacional, mas sim tropas portuguesas subordinadas diretamente ao Reino de Portugal.”

    Zé Maria

    “A divulgação de áudios com revelações sobre as torturas
    e outros crimes ocorridos durante a Ditadura Militar
    não visam atingir às Forças Armadas ou o próprio STM,
    como aponta o seu atual presidente, o ministro Luís Carlos
    Gomes Mattos.
    As instituições amadurecem quando reconhecem a história
    e caminham em passos seguros para a democracia.
    Além de simplesmente se desculpar pelos erros cometidos
    para o seu povo e principalmente aos familiares de presos
    políticos mortos e desaparecidos pelo Regime Militar”.
    Fernando Augusto Fernandes
    Advogado
    Pesquisador
    .
    O advogado Fernando Fernandes e o historiador Carlos Fico,
    titular de História do Brasil da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], tiveram acesso a 10 mil horas de gravações das sessões — inclusive as secretas — do Superior Tribunal Militar e identificaram áudios que comprovam a prática de tortura durante o período da ditadura militar.

    As gravações das sessões do STM abarcam o período entre 1975 e 1985.

    Em 2006, o advogado Fernando Augusto Fernandes pediu acesso ao material, mas o STM se recusou a fornecer.
    Ele então acionou o Supremo Tribunal Federal.

    Em 2011, a ministra Cármen Lúcia ordenou que o material fosse fornecido, mas a ordem só foi cumprida quando o Plenário do STF acompanhou o voto da ministra.
    O advogado obteve o acesso em 2015 e as centenas de fitas de rolo com as gravações passaram a ser digitalizadas.

    Fernando Fernandes explica que “a divulgação dos arquivos
    dos julgamentos de presos políticos é essencial para conectarmos
    as arbitrariedades e entendermos a tortura de 1964
    e a moderna de Guantánamo e de Curitiba.

    A luta pela abertura dos arquivos sonoros dos julgamentos
    de presos políticos de 64 durou 20 anos”.

    Ele explica que escreveu dois livros a partir da obtenção dos áudios:
    Um deles uma dissertação de mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF) intitulada “Poder e Saber: Campo Jurídico e Ideologia” (*) e o outro “Voz Humana –
    A Defesa Perante os Tribunais da República”.

    O advogado afirma que, com a digitalização completa dos áudios, pretende montar um site, que tornará o arquivo acessível em conjunto com vários outros trabalhos.

    Em outro áudio, o general Rodrigo Octávio, no mesmo dia, trata de outro caso de tortura contra uma mulher grávida. “Lícia Lúcia Duarte da Silveira desejava acrescentar que quando esteve presa na Oban (**) foi torturada, apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo que presenciar as torturas infligidas a seu marido”, leu durante a sessão.

    As gravações também demonstram o misto de espanto e naturalidade dos ministros diante dos casos.
    Alguns duvidam das denúncias, outros exigem apuração.

    O general Augusto Fragoso, em 9 de junho de 1978, afirma que “quando os primeiros advogados começaram a falar no DOI-Codi, DOI-Codi, DOI-Codi, eu, como único representante do Exército, na hora aqui presente, experimentei um grande constrangimento em ver essas organizações tão acusadas”.
    O ministro afirma que nunca “viu acusações desse jaez” e pede que o Exército se “recolha aos afazeres profissionais”.

    Outro que se manifestou foi o almirante Julio de Sá Bierrenbach.
    Durante sessão do dia 19 de outubro de 1976, o militar chega a elogiar a repressão, mas condena as práticas de tortura.
    “O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes”, afirma.
    Ele classifica os torturadores de “sádicos” e diz que “já é hora de acabar de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais”.

    No dia 13 de outubro de 1976, o juiz Waldemar Torres da Costa afirma que “começa a acreditar” na veracidade das denúncias.
    Na mesma sessão, o brigadeiro Deoclécio Lima de Siqueira se diz contrário ao recebimento de denúncias contra as “forças anti-subversivas” pela corte.

    As gravações registram também a atuação do notório advogado Sobral Pinto que atuou na defesa de perseguidos políticos durante a ditadura.
    “Os senhores ministros não acreditam na tortura.
    É pena que não possam acompanhar os processos como um advogado da minha categoria acompanha, para ver como essa tortura se realiza permanentemente”, afirmou em uma sessão.
    O áudio dessa sessão está registrado no filme “Sobral — o Homem que Não Tinha Preço”.

    *(https://ffernandes.adv.br/wp-content/uploads/2020/05/PODER-E-SABER-Fernando-Augusto-Fernandes-Edicao-2020-1.pdf)
    https://play.google.com/books/reader?id=x77hDwAAQBAJ&pg=GBS.PT3.w.1.0.7_101

    **(http://memorialdademocracia.com.br/card/nasce-a-oban-braco-da-tortura-em-sp)

    https://www.conjur.com.br/2022-abr-17/audios-superior-tribunal-militar-provam-tortura-ditadura

Francisco

A necessária reestruturação deve abranger também a polícia militar.

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