Jean Marc von der Weid: Síndrome de avestruz em relação à ameaça militar?

Tempo de leitura: 5 min

desconhecer os perigos e negá-los.

A síndrome da avestruz?

Se o isolamento dos golpistas foi o principal resultado da intentona, não podemos esquecer as cenas de impotência explícita do governo federal

Por Jean Marc von der Weid*, em A Terra é Redonda

Há várias leituras dos episódios de domingo passado. A primeira é a constatação de que a tentativa de golpe foi um fiasco total, apesar do tremendo impacto visual da depredação dos palácios do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

O propósito dos manifestantes, escancarado em inúmeras mensagens nas redes sociais, era ocupar estes espaços com dois a três milhões de pessoas e lá ficar até que as Forças Armadas assumissem o poder.

Apareceram menos de 20 mil fanáticos que, apesar dos estragos, estavam fora da Esplanada antes do anoitecer, sendo que 1.500 deles na cadeia.

A tese dos terroristas era bem conhecida: provocar o caos na capital e em todo o país e com isso criar as condições para uma intervenção militar.

Os terroristas deram orientações para atos em toda parte, com ênfase nas interrupções das rodovias, fechamento das empresas de produção de combustíveis e assédio às sedes dos legislativos e executivos estaduais e municipais.

Esta parte também foi um fiasco. Contaram-se nove interrupções nas rodovias federais e elas foram rapidamente dissolvidas.

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Manifestações em outras cidades foram poucas, a maior em São Paulo, e muito longe dos atos maciços de outros momentos.

Outro dado interessante foi a prudente recusa dos manifestantes de portarem armas, conforme também constou das convocações que apelaram especificamente para os CACs.

Foram poucas as armas notadas entre os depredadores de Brasília, o que mostra que os manifestantes são enlouquecidos, mas “não correm na frente do trem fazendo piuí”.

As convocações para os manifestantes virem para o “tudo ou nada”, “para matar ou morrer”, “com o sangue nos olhos”, esbarraram no sentido de sobrevivência.

É interessante notar que não houve propriamente um enfrentamento entre a gentil PM de Brasília e os manifestantes.

Os valentes insurrectos só entraram em choque com indivíduos isolados e, a partir do momento em que começou uma ação para limpar a Esplanada, eles foram tirando o time sem lutar.

O que aconteceu em Brasília foi apenas a fixação em um momento preciso de um conjunto de fatores que já estavam inscritos na realidade, desde a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas. Era algo previsível e anunciado abertamente.

Também era previsível a postura da PM de Brasília, que já tinha mostrado as suas inclinações em vários episódios, o último apenas três semanas atrás, no badernaço da titulação de Lula.

O que não era previsível era a posição do novo governo, que se mostrou totalmente refém de outras forças no episódio.

A manifestação desmanchou-se pelo mero fato de não ter tido nem um por cento do que prediziam os convocadores.

E na amplitude da Esplanada, os baderneiros se diluíram. Apesar da atitude de contemplação divertida e solidária dos PMs, quando a Força Nacional mostrou, tardiamente, a cara, a maré começou a refluir.

Mais para o final da tarde, o governador Ibaneis Rocha deu ordens para os batalhões de choque se mexerem e eles o fizeram, preguiçosamente e sempre à boa distância, usando mais gás do que outra coisa.

Diria que a manifestação refluiu mais por esgotamento e sensação de fracasso e risco crescente do que por qualquer ação intimidatória.

Não é possível que o governo, Flávio Dino à frente, não fosse capaz de prever o que aconteceu. Ele declara ter confiado nos acordos com o governador do DF, mas isto é uma tamanha ingenuidade que não pode ser crível.

E onde estavam os responsáveis por guardar os edifícios, os próprios federais, os militares das FFAA? Onde estava a Guarda Presidencial?

Por outro lado, onde estava a inteligência militar que não percebeu o que se passava em frente aos seus narizes na porta dos quartéis?

A mais que ambígua atitude dos comandantes destes quartéis, abrigando e protegendo ostensivamente os manifestantes era um indicativo de que o governo não podia confiar nos militares.

E este é o drama do governo atualmente: ele não tem controle sobre qualquer força armada para garantir a democracia. As polícias são fortemente bolsonaristas ou simplesmente de extrema direita e as FFAA idem.

Lula pode levantar as mãos para o céu e agradecer esta tentativa golpista de araque.

Se, por um lado, ela põe a nu a impotência do governo federal, por outro ela aponta para a impotência do golpismo.E ela isolou politicamente a extrema direita, o mais importante resultado dos atos de domingo.

Se a justiça fizer o que está prometendo e punir com rigor os golpistas e, sobretudo, suas lideranças políticas, os seus financiadores e seus colaboradores na PM e nas FFAA, o freio a novas ameaças vai ser importante.

Se o isolamento dos golpistas foi o principal resultado da intentona, não podemos esquecer as cenas de impotência explícita do governo federal.

O ministro da Justiça vinha clamando pela dissolução dos acampamentos na porta dos quartéis desde a posse, mas Lula preferiu dar corda para José Múcio Monteiro convencer as FFAA a fazer o trabalho. A verdade é que o imbróglio não era pequeno.

A PM de Brasília é quem tinha o mandato para tirar as barracas e barraqueiros, mas pedia licença para os comandantes dos quartéis. Estes não davam licença nem tomavam a iniciativa de limpar o perímetro de segurança.

Segundo vários articulistas entre os acampados havia militares da reserva e até parentes de militares da ativa. A cumplicidade era total, mas há uma diferença entre apoio e solidariedade e um engajamento armado do lado dos golpistas.

Não se trata de apreço pela democracia por parte da oficialidade, mas de insegurança em relação ao momento e a falta de uma liderança ou um comando centralizado.

O desastre da manifestação golpista deve esfriar os ânimos dos oficiais mais belicosos no seu antipetismo ou antilulismo, mas não foram eles os derrotados nestes acontecimentos recentes e, se não mudar a relação com o governo, a ameaça vai ficar pesando o tempo todo.

O que Lula poderia ter feito?

Não existem muitas alternativas: há o princípio da obediência devida ao presidente, enquanto comandante em chefe das FFAA, e ele terá que ser posto à prova.

Isto não se faz com ministros da Defesa do tipo José Múcio, mais moço de recados dos generais do que membro do governo.

Neste momento em que a direita golpista sofreu um baque com sua intentona fracassada, talvez seja a hora de impor a disciplina nas FFAA.

Se o governo tremer agora, ele vai tremer até o fim e ficar refém dos militares que poderão tranquilamente escolher o momento e a forma do seu golpe.

O governo vai ter que cobrar as responsabilidades das FFAA no quebra-quebra de domingo.

O comando da Guarda Presidencial tem que ser investigado, assim como o comandante do quartel general que colocou blindados na proteção dos manifestantes que se refugiaram no acampamento depois dos atos.

O próximo desafio vai ser o processo contra Eduardo Pazuello e sobre a produção de cloroquina pelo Exército.

E não nos esqueçamos que o general Augusto Heleno foi um aberto articulador das jornadas golpistas em todo o governo Bolsonaro. Os inquéritos vão chegar até ele? Ou o governo vai segurar a Polícia Federal?

Minha sensação em relação à ameaça militar é que estamos fingindo de surdos e cegos para poder desconhecer os perigos e negá-los. É como a avestruz, que mete a cabeça na areia para “fugir” de uma ameaça. Mas o rabo fica de fora.

*Jean Marc von der Weid é ex-presidente da UNE (1969-71). Fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia (ASTA).

Leia também:

Roberto Amaral: O governo do presidente Lula enfrenta seu Rubicão

Jeferson Miola: Embaixador que analisou na OEA os atos terroristas e foi vice chanceler de Bolsonaro!

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Comentários

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Zinda Vasconcellos

Concordo plenamente. Se a puniçao nao chegar ao alto oficialato — pelo menos o comandante do batalhao que devia proteger o palácio e nao protegeu e o que ordenou o uso de blindados contra a remoçao do acampamento golpista, mas isso ainda é pouco, porque seguramente os ministros militares sabiam do que se estava armando, sem falar em instigadores, como o General Heleno e Braga Neto — a ameaça de golpe vai continuar. Lula tem que agir agora, quando recebeu muito apoio, porque depois pode se ver impotente para a luta contra as FFAA.

Zé Maria

.

Quando a Revista Fórum soltou matéria no dia 13/12 (*)
em que uma fonte nossa na PF atribuía ao GSI as
ações golpistas do dia 12[de Dezembro de 2022],
a imprensa, incluindo veículos progressistas,
ignorou pra não dar crédito à Fórum.
Agora tá todo mundo surpreso que o GSI tenha
participado inclusive da invasão [em Brasília].

Jornalista RENATO ROVAI

*(https://revistaforum.com.br/politica/2022/12/13/exclusivo-servidor-da-pf-lotado-na-presidncia-acusa-gsi-por-terror-em-brasilia-128629.html)
(https://revistaforum.com.br/politica/2022/12/14/chega-de-anistia-para-golpistas-diz-boulos-apos-denuncia-de-ligao-do-gsi-com-atos-terroristas-128681.html)
(https://revistaforum.com.br/politica/2022/12/16/exclusivo-frequentador-de-acampamento-golpista-nomeado-na-presidncia-128806.html)

A Imprensa-Empresa Tradicional preteriu
a Informação exclusiva da Revista Fórum
para privilegiar o “Mercado da Notícia”:

https://youtu.be/njS_Ucde9_M
https://youtu.be/Ec2XLdQCub8
https://youtu.be/6F7xclURVHk
https://youtu.be/zNHLSgEkSyk
https://youtu.be/Qy5ek6Z9Q2I

https://portalimprensa.com.br/noticias/brasil/66639/documentario+o+mercado+de+noticias+levanta+questionamentos+sobre+atuacao+da+imprensa

Conhecendo a História dos Golpes no Brasil,
ouvir e ler os Jornalistas da Globo falarem
“Golpistas”, “Terroristas”, “Financiadores e
Incitadores do Golpe” da “Extrema-Direita”
soa assim tão incrível e inverossímil…

.

    Zé Maria

    Adendo

    Ainda que neste Momento Histórico
    o Brasil esteja atravessando por mais
    uma Tentativa de Golpe de Estado.

    As Provas Documentais apareceram.
    Portanto, há Materialidade do Crime
    Tipificado na Legislação Penal do País.

    .

    Zé Maria

    https://pbs.twimg.com/media/FmXhohsWYAAdObC?format=jpg

    Algum Jurista Constitucionalista poderia explicar o que significa uma tal

    “Comissão de Regularidade Eleitoral”, constituída após a “Decretação de

    Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral” pelo Presidente da

    República, conforme consta de Documento (Decreto) apreendido pela

    Polícia Federal na Residência do ex-Ministro da Justiça de Jair Bolsonaro.

    https://pbs.twimg.com/media/FmUgD-uX0AE8kdy?format=jpg
    https://pbs.twimg.com/media/FmUgD-wXoAAzr7A?format=jpg
    https://pbs.twimg.com/media/FmUgD-xXgAEd99K?format=jpg

    .

    Zé Maria

    “Os jornalistas de mercado -na mídia brasileira não há mais jornalistas de economia-
    passaram 4 anos elogiando o Guedes.
    Todos ouvem diariamente corretores e divulgam a ‘verdade’ dos corretores.
    Nenhum deles tem visão ampla e social da economia.
    De onde saem essas pessoas?”
    https://twitter.com/Viramanchete1/status/1613669393644257283

    Zé Maria

    .
    .

    Lemann produz o maior rombo da história

    As Lojas Americanas esconderam passivos
    equivalentes à metade do seu patrimônio.
    É o maior escândalo do mercado de capitais

    “Jorge Paulo Lemann primou sempre pelas
    práticas mais nocivas do capitalismo financeiro.
    Ele não é um ‘semeador de empresas’,
    não é o ‘investidor que desbrava novos mercados’.”

    Acionista da Brahma adquiriu a Antárctica em
    uma das operações mais escandalosas do CADE

    Dono do Banco Garantia, na época do Governo FHC,
    obteve informações privilegiadas do Banco Central,
    sendo informado antecipadamente de Operações.

    A forma como se apropriou da Eletrobras é indecente,
    fruto de lobby direto na veia do poder público.

    Por Luis Nassif, no Jornal GGN: https://t.co/sQgN7sjnuL
    […]
    Das empresas, queria apenas dividendos elevados.
    Escolheu setores tradicionais para não ter que investir em pesquisa,
    inovação e crescimento.

    Sua estratégia consistia em atuar em mercados cartelizados,
    valer-se do poder do cartel, cortar custos, não investir em inovação.

    Só interessava dividendos generosos.

    Como no caso na privatização da Telemar, em que seu grupo, mais outros três,
    adquiriram a Telemar e a depenaram.

    Seu estilo começou a ser questionado quando adquiriu uma rede de alimentos
    e, por falta de pesquisas, não percebeu as mudanças trazidas pelo onda da
    comida natural.

    No Brasil, sua atuação sempre foi deletéria.

    A forma como se apropriou da Eletrobras é indecente,
    fruto de lobby direto na veia do poder público.
    Entrou como minoritário; no golpe do impeachment
    passou a ter poder de indicação dos gestores.
    Estes reduziram investimentos – que eram relevantes
    para o país – para garantir dividendos polpudos.

    A 3G, controlada por ele, produziu uma avaliação
    do preço da Eletrobras indecente, tomando como base
    o valor contábil da empresa.

    O golpe da privatização ocorreu com a empresa emitindo
    ações que diluíram a participação estatal, e impuseram
    um acordo de acionistas pelo qual a União só tem direito
    a 10% dos votos, independentemente de sua participação
    acionária.

    Depois, com o dinheiro em caixa, proveniente do aumento
    de capital, a Eletrobrás recomprou suas ações.

    A mídia comprou totalmente a tese de que a gestão privada
    seria mais eficiente.

    Agora se tem o maior escândalo financeiro do mercado
    de capitais brasileiro, com a descoberta de que as Lojas
    Americanas esconderam passivos equivalentes a metade
    do seu patrimônio.

    Não se trata de um rombo recente, mas construído ano a ano
    há mais de década.
    E por que isso? Porque o 3G só se interessava em conferir o
    balanço trimestral e pressionar a diretoria para melhorar os
    dividendos.

    São eles que passam a controlar a Eletrobras, e certamente
    irão impor o poder de cartel da geração de energia, na
    primeira crise hídrica.

    Ontem (12), o mercado fechou com a AMER3, o papel das
    Lojas Americanas, quase virando pó: R$ 2,72, 97% a menos
    do que o pico de R$ 75,19 de 4 de janeiro de 2021
    (https://bit.ly/3IOBkru).

    Íntegra:
    https://twitter.com/LuisNassif/status/1613849324630278144
    https://jornalggn.com.br/coluna-economica/lemann-produz-o-maior-rombo-da-historia-por-luis-nassif/

    E a Bolsa caiu,
    porque o Lula
    do petê peidou.
    Óbvio Ululante!

    .

Nelson

Infelizmente, temos que concordar. O governo Lula está numa situação bem definida por aquele dito popular: “num mato sem cachorro”. Ou naquela outra situação: “uma ovelha cercada de cachorros por todos os lados”.

Do outro lado, a crucial, imprescindível, consciência popular acerca do que se passa com o país é muito baixa. E, decorrência dessa baixa consciência, o convencimento do povo quanto à necessidade de organização e mobilização para que as mudanças almejadas sejam efetivadas também é baixo.

Então, o que podemos vislumbrar é um governo Lula sendo emparedado durante todos os dias de seus quatro anos de mandato, sem um minuto de folga, sem descanso, para que nada ou quase nada consiga implementar dessas mudanças.

Assim, em 2026, ano de nova eleição, os órgãos da mídia hegemônica apertarão o torniquete e passarão a mostrar o “insucesso” ou “fracasso” do governo Lula, de forma que o candidato da direita – tenho fortes suspeitas de que será Eduardo Leite – possa ganhar levar “de lavada” e seja retomado o projeto de desmantelamento definitivo das estruturas do nosso país.

E a esquerda, devido a esse “insucesso” ou “fracasso”, ficará, possivelmente, umas quatro ou mais eleições, alijadas de qualquer possibilidade de disputar a eleição presidencial com alguma chance de vitória.

Me parece que, neoliberal fanatizado, ainda “jovem”, cara bonita, gay, disposto a conversar sobre tudo, fala mansa, serena, que a ninguém agride, mas sempre apresenta soluções de acordo exclusivamente com os interesses do topo da pirâmide, Eduardo Leite seja o candidato perfeito para a direita retomar completamente o controle do país.

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