Janio de Freitas: A rigor, não se sabe o que será esse mandato. Sabe-se o que não será

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Reforma ministerial - Antonio Cruz/Agência Brasil

Quanto pior

O que existe no Brasil sob o nome de política é outra coisa. Mas o governante é forçado a aceitar o jogo

por Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo

Decorridos nove meses do ato de sua criação –qualquer semelhança com outro período assim é mera coincidência–, dizem na Presidência que começa o segundo mandato de Dilma Rousseff. Embora não seja a Dilma Rousseff eleita para um segundo mandato. Nem o mandato, no melhor sentido de incumbência e representação, seja o entregue a Dilma Rousseff pela maioria dos eleitores.

A rigor, não se sabe o que será esse mandato. Sabe-se o que não será. Os retalhos que vêm formar um pretenso ministério não têm o mínimo de ideia e de substância. Condicionados, além do mais, ao único objetivo verdadeiro do governo: empobrecer-se e empobrecer a atividade econômica da qual depende a grande maioria da população.

Que conceitos regeram a (de)formação desse governo hipotético? Dilma Rousseff explicou: “O governo de coalizão, como é o caso do meu [sic] e de todos os governos depois da democratização, precisam de apoio no Congresso. Nós vivemos em uma democracia e temos que dialogar com o Congresso eleito pelo povo, em favor da população”.

Sem dúvida. Mas não há como ver no recém-chegado Celso Pansera mais do que um representante de Eduardo Cunha e do clã Picciani, e, ainda bem, não do Congresso. Todos os novos ministros representam apenas os grupos do mercantilismo toma-lá/dá-cá, que enoja o país. E por tal condição é que foram adotados, para aplacar as voracidades ainda não atendidas. Foi aceito como bom para o ministério, portanto, o que devia ser recusado a priori.

O oposto, a negação a associar-se aos grupos da política degenerada, é visto como alternativa irreal. Mas o repudiado pelo país quase todo não é a irrealidade, é a realidade. Contra essa opressão da realidade maldita é que vale a pena batalhar. E é preciso batalhar. Se é para sujeitar-se à realidade por ser realidade, por que, por exemplo, combater a corrupção espraiada pelo país todo, tão fácil e tão rentável? Adotemos o lucrativo tráfico de drogas que é uma realidade de todas as classes.

O que existe no Brasil sob o nome de política é outra coisa. Mas o governante, por melhores que sejam seus propósitos, é forçado a aceitar o jogo, ou não governará. Substituída a política pela grande teia de interesses, ao governante não restam meios operacionais fora dessa cadeia –é a convicção estabelecida.

Mas o que falta aos governantes é, sobretudo, determinação para exigir outras relações com políticos e partidos. Importa-lhes preservar suas perspectivas e as conveniências partidárias, os apoios e os arranjos grupais. A obviedade, porém, é outra: no país em que mesmo um guri oportunista e ignorante convoca massas e é atendido, só por fazê-lo para protestos contra os métodos e consequências da falsa política e do desgoverno, são desnecessárias outras evidências do poder oferecido pela saturação da tolerância pública. Tão disponível, da mesma ou de outras formas, para o guri quanto para o governante que repudiasse “a realidade”.

A solução aceita por Dilma como ruptura do cerco peemedebista faz o seu reencontro com Lula. Dele partiu não só o apoio para os maus enlaces já encaminhados. Mais do que isso, Lula incentivou-a a sujeições ainda mais extremadas. Como a incorporação ao ministério de um representante de Eduardo Cunha. E o atendimento ao velho desejo do PMDB de tirar Aloizio Mercadante da Casa Civil, o que os peemedebistas nem cobravam mais.

Aliás, Dilma já desejava ter Jaques Wagner nas proximidades há muito tempo, pensou até em dar-lhe uma sala na Presidência como ministro da Defesa. Não colou. Agora Jaques Wagner é o novo ministro da Casa Civil, que tem muito trabalho. Mas quem vai trabalhar?

O que importa é estar tudo pronto, enfim: quanto pior, pior.

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Comentários

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anac

Façamos nós, também, uma mea culpa, nós elegemos esse Congresso fisiologista temos grande parcela de culpa de tudo que está a ocorrer, incluindo nossas vicissitudes.

Morvan

Boa tarde.

Mestre Jânio faz, como lhe é corriqueiro, uma análise sóbria do “modus politicandi” do Brasil e da inércia em não aceitar e não coonestar estas práticas deletérias, as quais se perdem no tempo e se “renovam” a cada período de [relativa] normalidade institucional, idem. Por fim, o governante não é senão o condutor, o gestor da política da Elite. Ou implementa como eles o querem ou leva um sacode, com o pomposo nome de Impeachment; ou sem.
A reeleição, corpo estranho ao Direito Eleitoral brasileiro, vem ainda tornar a política mais ininteligível ao cidadão, pois aprofunda o personalismo em detrimento da legítima e saudável representatividade e da alternância, esta que, mudando as peças partidárias, mas mantendo a matiz ideológica, seria de grandes valia e aprendizado para a população. Infelizmente, tal instituto já se incorporou ao hábito e ao Direito, sendo a sua revogação sequer aventada pela esquerda.
Mas, reitere-se: Jânio é um grande articulista.

Saudações “Os reajudiciários dizem sempre, a cada esbulho legal, ser apenas ‘um ponto fora da curva’, mas o Direito, no Brasil, é o Ponto Fora da Curva“,
Morvan, Usuário GNU-Linux #433640. Seja Legal; seja Livre. Use GNU-Linux.

FrancoAtirador

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Em episódio relatado em seu novo livro o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB)
.
conta que recusou um pedido do deputado Francisco Dornelles (PPB-RJ, hoje PP) para nomear
.
o Deputado Eduardo Cunha [então, também filiado ao PPB-RJ] para a diretoria comercial da Petrobras.
.
Segundo FHC, ele apontou “problemas com esse nome”,
relembrando o período em que Cunha foi presidente da Telerj.
.
“Nós os tiramos de lá no tempo de Itamar Franco porque ele tinha trapalhadas”.
.
Em outro trecho publicado pela piauí, Fernando Henrique relata com detalhes as negociações
para incluir o extinto PPB [antigo PDS, hoje PP] de Dornelles, Paulo Maluf (SP) e Esperidião Amin (SC)
no governo e, assim, viabilizar uma maioria no Congresso que garantisse
a aprovação das reformas cobradas pela sociedade [SIC! Leia-se: FMI].
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“Parece que o PPB não aceita o Ministério da Reforma Agrária sem o Incra.
.
Luiz Carlos (Santos, PMDB, líder do governo na Câmara)
.
sugeriu que ampliássemos a oferta
.
e incluíssemos o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT).
.
Isso para mim é dolorido, por causa da Dorothea (Werneck, titular da pasta),
que é uma ministra de quem eu gosto, e ela tinha que ser avisada dessa manobra”,
registra o ex-presidente em 25 de abril de 1996.
.
O relato continua no mesmo dia.
.
“O (Pedro) Malan (ministro da Fazenda) veio com aquela
de que não quer saber do Dornelles (no MICT),
eu expliquei as circunstâncias e tal,
e ele disse que a Dorothea estava magoada.
Claro, eu sei que ela está magoada (…)
Fui à casa da Dorothea. Eu tinha que ir (…)
Dorothea é uma pessoa admirável
e fui ficando com raiva de mim mesmo.
.
Porque na verdade eu fiz a escolha de Sofia,
não tinha jeito, eu sei que não tem jeito,
porque ou tem o PPB [de José Janene],
ou não passam as reformas,
mas justamente em cima da Dorothea
é uma coisa muito pesada para ela e para mim (…)
.
Enfim, começo a sentir o travo amargo do poder,
no seu aspecto mais podre de toma lá, dá cá,
porque é isto: se eu não der algum ministério,
o PPB [de Eduardo Cunha] não vota;
.
se eu não puser o Luiz Carlos Santos, o PMDB não cimenta,
.
e muitas vezes – o que Dorothea diz tem razão –
.
fazemos tudo isso e eles não entregam o que prometeram”.
.
(http://jornalggn.com.br/noticia/em-livro-fhc-diz-que-se-recusou-a-nomear-cunha-para-petrobras)
.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Cunha#Filia.C3.A7.C3.A3o_ao_PPB_e_aproxima.C3.A7.C3.A3o_com_Francisco_Silva)
((https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Progressista_(Brasil)#Partido_Progressista_Brasileiro_.28PPB.29))
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Cunha#Amizade_com_Garotinho_e_presid.C3.AAncia_da_Cehab)
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Cunha#Deputado_estadual_.282001-2002.29)
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Cunha#Deputado_federal_.282003-presente.29)
.
.

Urbano

Fazer tentem não é andar….

Zilda

Por mais boa vontade que tenhamos com Dilma não dá para não saber que ela é responsável por boa parte do que estamos vendo agora. Negou-se a governar, a fazer política como se fosse possível. Escondeu-se, não deu nenhuma satisfação à população por ter dado esse cavalo de pau no programa de governo. Quantas vezes era necessária a Rede nacional para explicar o que estava acontecendo, pedir o apoio da população. Nada disso foi feito. Pior: aceitou todo tipo de achincalhe, de desrespeito como se fizesse parte do processo democrático. E não faz. Só nessa republiqueta de bananas a autoridade máxima é desrespeitada como tem sido e não há consequências. O pior: está sobrando para o PT, para Lula, para o projeto que estava em andamento.

Julio Silveira

A questão das justificativas sobre as opções que este governo vem fazendo não me convencem. Todos sabemos que o PMDB é um saco de gatos, e em muitos casos de gatunos, convivendo em harmonia para proveito geral. Mas mesma lá tem alguns que querem por suas ambições, mantem um discurso mais afinado com aquilo que busca-se para evoluir o Brasil.
Deveria convir ao governo a companhia desses, até para que pudessem ser desmascarados ante a opinião publica se fosse apenas blefes oportunistas, como provam que são na maioria do casos, inclusive no partido da governante.
Mas ainda assim por desmascará-los a utilidade cultural já seria enorme.
Mas não, o governo prefere não correr o risco de apresentar alguém com possibilidade de vir a ser o que promete, e acabar criando uma concorrência real. Por isso tem preferido os parceiros mais abjetos de dentro do PMDB, que são os mais passiveis de serem comprados. Aliás, para sermos completamente sinceros, essa tem sido uma estratégia de todos os governos, que só prejudicam a cultura politica e o próprio país, por que tem criado e dado poder a gente da pior espécie, na politica desestimulando o surgimento de boas opções para o Brasil. A luta pelo poder tem favorecido os mais inescrupulosos ao invés dos mais virtuosos.

Sidnei Brito

José Serra certa feita disse algo mais ou menos assim: “no Congresso você tem todo tipo de congressista; só tem um tipo de congressista que eu não vi lá: o congressista que não foi eleito”.
Eu acrescentaria, todos os congressistas foram eleitos dentro da regra do jogo, que é a do voto proporcional.
Não é de hoje que vemos excrescências. O cara é eleito presidente – ou governador, prefeito – e o mesmo eleitor lhe oferece um parlamento hostil.
Ou durante a campanha se fazem acordos de todo tipo, para ter tempo de propaganda, e terminada a eleição, aqueles acordos se esvaem – ou se mostram frágeis – antes mesmo de iniciado o governo.
Aí quando vem a “realpolitik” velha de guerra, a gente finge estar abismado com as esquisitices que rolam.
E alguém aí se lembra que no começo de seu primeiro mandato, Lula quis esnobar o PMDB? Parece que não deu – e não daria – muito certo, não?

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