Jacqueline Muniz: Medo causado pela pandemia favorece projeto autoritário

Tempo de leitura: 2 min
Foto Lula Marques, no Pantanal

‘Somos uma sociedade cansada de levar eletrochoques permanentes’, diz Jacqueline Muniz

Para antropóloga, pandemia generalizou sentimento de incerteza vivido tradicionalmente pelos mais pobres. “O medo generalizado, quando instrumentalizado, nos destitui da capacidade de coesão, de encontrar o outro”

Por Redação RBA

São Paulo – Para a antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz, a pandemia levou o conjunto da sociedade a experimentar sensações de medo, incerteza e insegurança.

E a “instrumentalização” do ódio reforça a ideia de que os indivíduos estão sozinhos. Mas esses sentimentos fazem parte, há muito tempo, do cotidiano das populações que vivem nas periferias.

É o terreno fértil para o crescimento de discursos autoritários e intolerantes, com a falsa promessa de libertação do indivíduo das forças sociais que o oprimem.

“Somos uma sociedade cansada de levar eletrochoques permanentes. De constantes ameaças. Estão nos empurrando para uma espécie de incerteza. Quando falo da insegurança e do medo generalizado, é porque ele, quando instrumentalizado, nos destitui da capacidade de coesão, de encontrar o outro”, afirmou Jacqueline, em entrevista a Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual desta sexta-feira (18).

Ela é professora do departamento de Segurança Pública e do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Trabalhou como diretora geral de pesquisa da secretaria de Segurança Pública, auxiliando na criação de órgãos como o Instituto de Segurança Pública e Corregedoria-Geral Unificada. Também atuou na Secretaria Nacional de Segurança Pública, auxiliando na criação de um sistema unificado de dados e estatísticas.

Para ela, segurança é ter expectativa e previsibilidade. “Falar de segurança é ter o amanhã. É sair daqui de casa para comprar uma comida e poder voltar. Segurança é mobilidade socio-espacial. É poder circular pela cidade, e ter ela para si.” Mas tudo isso é tirado da maior parte da população que vive nas periferias.

Língua do medo

Por outro lado, as inúmeras opressões a que estão submetidas essas populações transformam os moradores da periferia em verdadeiros “poliglotas”, segundo a especialista.

“Poliglota é o cara da periferia, que tem que falar todas as línguas. A língua do patrão, da madame, do polícia. Está o tempo todo tendo que apresentar o passaporte, a ‘cidadania de carnê’ que tem que ser comprada a cada esquina. Tem que falar a língua do racista, do homofóbico, se o homofóbico for o patrão dele, por exemplo. Sempre de baixo para cima.”

Para a antropóloga, essa necessidade de se submeter às regras de socialização, somada à precariedade dos serviços públicos essenciais, leva ao aumento da incerteza e da sensação de cansaço emocional e existencial.

A pandemia escancara o medo de morrer, segundo ela. Mas também há o medo de “sobrar”, por não ter abaixado a cabeça o suficiente para se adequar as normais sociais impostas.

“O medo de ter feito tudo certo, abaixado a cabeça, engolido sapo e, no final, ficar no desemprego, na pior, caído. O medo de sobrar e o medo de morrer, que antes parecia uma coisa exclusiva da pobreza, da periferia – daqueles aos quais a gente excluiu do cercado VIP – todo mundo está experimentando”, afirmou.

Sociedade do “deslike”

Sem coesão, a sociedade brasileira abandona o diálogo, a construção de vínculos e a pactuação.

O “unitário”, de acordo com a especialista, toma o lugar do “comum”.

“E, então, fazemos a política do quem ama bloqueia. É uma sociedade do deslike e do cancelamento. Para saciar o apetite autoritário do eu cancelo, eu posso. Essa política aprendida em emoticons e emojis, e também no Big Brother. É uma política que não dialoga, que tem dificuldade em lidar com a diferença e com a diversidade.”


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Comentários

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Zé Maria

https://http2.mlstatic.com/D_NQ_NP_662405-MLB20869516451_092016-O.webp

STF amplia Esperança d@ Brasileir@
de ganhar ‘sozinh@’ na Loteria, que
é a Bolsa de Valores dos Pobres …

Agora, Pedro Pedreiro, além de esperar o sol, o trem,
aumento desde o ano passado para o mês que vem
e o carnaval; espera a sorte grande no bilhete pela federal
[e também pela estadual e pela municipal]* todo mês …

[*] (https://www.migalhas.com.br/quentes/334173/stf-decide-que-uniao-nao-tem-exclusividade-na-exploracao-de-loterias)

Pedro Pedreiro
De e por Chico Buarque de Holanda

Compacto Simples (1965):
https://youtu.be/nHw3Ozd4LMM

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã, parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem
De quem não tem vintém

Pedro pedreiro fica assim pensando
Assim pensando o tempo passa
E a gente vai ficando pra trás
Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol
Esperando o trem
Esperando o aumento
Desde o ano passado
Para o mês que vem

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã, parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem
De quem não tem vintém

Pedro pedreiro espera o carnaval
E a sorte grande do bilhete pela federal
Todo mês
Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol
Esperando o trem
Esperando o aumento
Para o mês que vem
Esperando a festa
Esperando a sorte
E a mulher de Pedro
Está esperando um filho
Pra esperar também
Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã, parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem
De quem não tem vintém
Pedro pedreiro esta esperando a morte
Ou esperando o dia de voltar pro norte
Pedro nã sabe mas talvez no fundo
Espera alguma coisa coisa mais linda que o mundo
Maior do que o mar
Mas pra que sonhar
Se dá o desespero de esperar demais
Pedro pedreiro quer voltar atrás
Quer ser pedreiro pobre e nada mais
Sem ficar esperando, esperando, esperando
Esperando o sol
Esperando o trem
Esperando o aumento para o mês que vem
Esperando um filho pra esperar também,
Esperando a festa
Esperando a sorte
Esperando a morte
Esperando o norte
Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando enfim nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita
Do apito do trem
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem
Que já vem, que já vem, que já vem,
que já vem, que já vem …

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