Hugo Souza: Os generais e as doninhas

Tempo de leitura: 4 min
Brasília, setembro de 2023: o general Gustavo Dutra depõe na CPMI do Golpe Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Os generais e as doninhas

Cara a cara com Moraes, general Dutra disse que apenas tomou um “cafezinho de cortesia” com Anderson Torres na antevéspera do 8/1 e que maioria dos acampados na frente do QG era de moradores de rua.

Por Hugo Souza, no Come Ananás

Há dois mil e seiscentos anos, um escravo contador de histórias tentou instruir os gregos sobre os riscos da vaidade, mas parecia falar ao Brasil moderno sobre o quanto seria difícil a luta contra os fatos para blindar oficiais generais que destacaram “técnicos” para lançar dúvidas sobre as urnas eletrônicas; agasalharam e acalentaram acampamentos golpistas – até com nota pública de apoio e proteção -; e até moveram tropas para o meio da rua a fim de impedir a prisão de terroristas em flagrante.

Durante a guerra patriótica movida pelos ratos contra as doninhas, os ratos estavam cansados de perder a maioria das batalhas. Reunindo-se em assembleia, chegaram à conclusão de que faltava era comando. Em votação, elegeram um punhado de generais.

Para se distinguirem dos oficiais intermediários, subalternos e dos reles patriotas, os generais implantaram chifres sob seus quepes decorados com quatro elipses concêntricas perfiladas, bordadas em fio Myller, tendo ao centro, em fundo azul-celeste, o Cruzeiro do Sul em estrelas prateadas.

Houve uma nova batalha, uma grande escaramuça. Mesmo causando grande destruição ao patrimônio público, os ratos, de novo, levaram a pior. Batendo em retirada, a maioria dos intermediários, subalternos, reles patriotas e esbirros de toda sorte conseguiu voltar para os esgotos.

Os generais, por seu turno e coturno, ficaram em dificuldades: os chifres, grandes demais, impediram que escorregassem por completo pelas frestas.

Quando bolou a fábula Os ratos e as doninhas, Esopo não poderia ter em mente, por exemplo, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-subchefe dos kids pretos e comandante militar do Planalto durante os meses de fermentação do golpe de Estado e no 8/1.

Na noite do 8/1, tropas do Comando Militar do Planalto fecharam a Avenida do Exército com blindados Guarani a fim de impedir a prisão de soldados civis do golpismo no acampamento golpista do Setor Militar Urbano.

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Naquela noite, militares sob o comando do general Dutra chegaram a apontar canhões para o interventor federal, Ricardo Cappelli, e para policiais militares do DF que, com a intervenção, estavam naquele momento sob as ordens do comandante supremo das Forças Armadas – o presidente Lula.

Em depoimento a Julia Duailib para o documentário “A Democracia resiste”, o ex-ministro da Justiça Flavio Dino relatou que naquele dia, ao se dirigir para o Setor Militar Urbano, deparou com “duas ou três linhas de formação da Polícia do Exército de frente não para o acampamento, mas para a PM”; “blindados do Exército se agrupando ali”; “soldados aparatados como se fosse para um combate”.

Esopo até que parecia mesmo falar do Brasil moderno, sobre os generais da ativa em altos postos de comando durante a conspiração golpista e no 8/1, com seus chifres grandes demais para conseguirem se safar. Parecia.

Apesar dos chifres enormes, o general de Divisão Combatente Gustavo Henrique Dutra escorregou pelas frestas de Brasília e hoje, em vez de réu por tentativa de golpe de Estado, é vice-chefe do Estado-Maior do Exército, nomeado pelo presidente Lula.

Ilustração de Jean-François Martin para a fábula de Esopo Os ratos e as doninhas

Nesta semana, o general Dutra não apareceu na data marcada para o seu depoimento no STF no âmbito da ação penal do golpe.

O vice-chefe do EME foi arrolado como testemunha de defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Intimado por Alexandre de Moraes a sair das frestas, Dutra depôs nesta sexta-feira, 30, finalmente.

Perguntado por Moraes sobre um encontro fora da agenda que teve com Torres na antevéspera do ataque à Praça dos Três Poderes, o general disse que foi apenas “um cafezinho de cortesia” com o então recém-empossado secretário de Segurança do DF. Um cafezinho com Torres horas antes de Torres, como Bolsonaro, embarcar para os EUA, para ver de longe o circo pegar fogo.

Nesta sexta, cara a cara com Moraes, Gustavo Dutra ainda reverberou em juízo um elemento caro à “narrativa” bolsonarista sobre o 8/1: às vésperas do ataque à Praça dos Três Poderes, o acampamento na frente do QG do Exército era formado, em sua maioria, segundo Dutra, por moradores de rua…

Dos generais da ativa em altos postos de comando durante a conspiração golpista de 2022 e no 8/1 de 2023, só Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, então chefe do Comando de Operações Terrestres, é réu no STF por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada.

Os que se safaram, agora, tentam embaralhar a ação penal, em depoimentos um mais disparatado que o outro.

*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Zé Maria

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A Foto do General Criminoso
Estampada pelo Viomundo
é do Tipo: ‘Deixa-me pensar,
que Mentira Deslavada
eu vou Pregar Desta Vez’…
.

Zé Maria

.

CÓDIGO PENAL BRASILEIRO (DeL2848)

TÍTULO XI
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CAPÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

Falso testemunho

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
(Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)

§ 1º As penas aumentam-se de um sexto [1/6]
a um terço [1/3], se o crime é praticado mediante
suborno ou se cometido com o fim de obter prova
destinada a produzir efeito em processo penal,
ou em processo civil em que for parte entidade
da administração pública direta ou indireta.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10268.htm#art342
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm#art25

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm

.

Zé Maria

Perjúrio é Crime passível de Aplicação de Pena de Prisão.

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/general-debocha-no-stf-e-diz-que-acampamento-no-qg-era-de-moradores-de-rua/

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