Eleonora de Lucena: Não vai ser um passeio a retirada de direitos; a elite brasileira está dando um tiro no pé

Tempo de leitura: 3 min

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por Eleonora de Lucena, na Folha de S. Paulo, 26/07/2016

A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país.

Não é a primeira vez. No século 19, ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas.

Derrotada, percebeu mais tarde que havia ganho com as políticas nacionais que impulsionaram a industrialização.

Mesmo assim, articulou golpes. Embalada pela Guerra Fria, aliou-se a estrangeiros, parcelas de militares e a uma classe média mergulhada no obscurantismo. Curtiu o desenvolvimentismo dos militares. Depois, quando o modelo ruiu, entendeu que democracia e inclusão social geram lucros.

Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso. Roberto Simonsen foi o expoente de uma era em que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não se apequenava.

Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo.

Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria. O grupo dos beneficiários da bolsa juros partiu para o ataque. O Planalto recuou e se rendeu à lógica do mercado financeiro.

Foi a senha para os defensores do neoliberalismo, aqui e lá fora, reorganizarem forças para preparar a reocupação do território. Encontraram a esquerda dividida, acomodada e na defensiva por causa dos escândalos. Apesar disso, a direita perdeu de novo no voto.

Conseguiu, todavia, atrair o centro, catalisando o medo que a recessão espalhou pela sociedade. Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.

O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições.

Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.

O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.

Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia.

Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.

A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de “Fora, Temer!”. Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a “teologia da prosperidade” talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.

ELEONORA DE LUCENA, 58, jornalista, é repórter especial da Folha. Editora-executiva do jornal de 2000 a 2010, escreve livro sobre Carlos Lamarca.

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Comentários

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Eduardo Guimarães

Particularmente, julgo que a ascensão do fascismo e a governança ultra liberal de PMDB e PSDB serão úteis para colocar juízo na juventude (de todas as idades) esquerdista que esqueceu do que era a direita no poder. Quantas vezes artigos de esquerdistas diziam que PT e PSDB eram “a mesma coisa”? Como estamos vendo, a direita no poder faz Lula e Dilma parecerem revolucionários marxistas. A esquerda (inclusive do PT) foi incapaz de valorizar o crescimento do emprego formal e dos salários e a forte distribuição de renda da era petista. Agora vai dar valor. Eleonora tocou no xis da questão: “Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento”. Qualquer novo projeto de esquerda que pretenda se estabelecer no Brasil passa pela chegada de certa esquerda à vida adulta. Ninguém vota em uma esquerda que propõe estatizar o sistema bancário. Ninguém de um pais em que 90% do povo são religiosos vota em uma esquerda que faz discurso antirreligioso em debates eleitorais. A esquerda é humanista, mas é vaidosa e arrogante. Vive se digladiando internamente. Enquanto não estabelecer um consenso mínimo, a direita irá pisoteá-lá e ferrar cada vez mais o povo. O pragmatismo de Lula fez mil vezes mais pelo povo que os discursos da esquerda radical. Mas isso ainda não está suficientemente claro. As viúvas das burradas de junho de 2013 ainda entoam seu canto da sereia, cada vez mais desafinado. Quando reconhecerem o erro, estaremos prontos para um novo projeto de esquerda no Brasil. Até lá, tudo será aprendizado. Duro, impiedoso, mas necessário.

    Nelson

    Meu caro Guimarães.

    Aqui na minha cidade, há, a princípio, apenas dois candidatos a prefeito com chances reais de ganharem a eleição. Ambos, se não são de direita, tocam a política neoliberal preconizada pela mesma. Então, a esquerda não tem chance alguma de vencer.

    Pois a turma do PSOL e a turma do PSTU andaram se reunindo e fazendo longas discussões com o fim de discutir uma chapa única para, pelo menos, colocar outra visão e outras propostas no debate político. Resultado: não houve acordo. Cada qual queria indicar o cabeça de chapa.

    Não sou petista, nunca fui filiado a qualquer partido, mas, para mim, o que o PSOL e o PSTU estão vislumbrando, que impediu a coligação, é apenas algo que tanto criticam no PT, o eleitoralismo. Ou seja, cada qual quer aparecer mais que o outro para extrair dividendos nas urnas.

    Profundamente lamentável. Estamos no fundo do poço e parece que alguns, que se dizem de esquerda, socialistas, estão fazendo questão de cavocá-lo para afundar mais ainda.

wendel

“Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.”
São os parasitas de sempre que sempre seguem o dito – ” capitalizar os lucros e distribuir os prejuízos”
A Banca como sempre, diz – ” não importa de que cor sejam os governos, nem as ideologias, desde que me deem a chave do cofre”!!!!
Então……….

FrancoAtirador

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Instituto Ipsos mostra que aprovação de Temer é de Apenas 6%

https://pbs.twimg.com/media/CoSzjhPWEAAzCfF.jpg
https://twitter.com/tijolaco/status/757928062780575749
https://twitter.com/avdosertao/status/758064811573907456
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FrancoAtirador

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Retorno à Idade Média.

“Entre a Cruz e a Espada”:

Uma Escolha Bem Difícil.

Na Idade Média ocorreu o período da “Santa Inquisição”,
que foi um Tribunal Religioso Comandado pela Igreja Oficial
que prendia, julgava e executava os Hereges e os Não Cristãos.

Esse Fanatismo percorreu quase toda a Europa e o Oriente Médio,
“convertendo”, à força, os Não Cristãos e Queimando @s “brux@s”:
quem Não se Convertesse à Cruz, tinha que encarar o Fio da Espada.

Uma Difícil Escolha, principalmente para os Judeus e os Muçulmanos.

https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20081126125054AAGyMrt
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/cruz-espada-479745.shtml
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maria nadiê rodrigues

É difícil conversar com quem está ao lado de Temer. E nem acho que somente uma elite, mas também muitos outros menos afortunados.
A confusão nas mentes desses seres é visível quando a gente ouve um dizer que “esse negócio de terrorismo no RJ é coisa de petistas para derrotar o governo”. Imagine! Tem quem diga estamos nessa situação porque a imprensa favorece Lula e Dilma.
Pior é que essa gente não fala por falar. Ela crê, firmemente, no fala.
Ando comparando essas pessoas às mesmas que são diuturnamente manipulados por bispos e pastores de igrejas neo-pentecostais. É o sim ou o não. É o maniqueísmo. É o fanatismo político enraizado e propagado sem base. Aí é que mora o tal do tiro no pé. Esse tiro virá a qualquer momento, mas teremos que ver o estrago quando o governo interino sair do seu plano A, que começou a demissão do garçom do Planalto, para o plano B, que será recheado de privatizações, de entrega do patrimônio público; e, culminará com o aumento de juros, incluindo aquele que todos os parlamentares da oposição a Dilma espernearam pra não votar.
Infelizmente essas coisas vão acontecendo, acontecendo, até que um dia, de repente, pessoas vão acordar e verem que não estavam sonhando. Já terá sido tarde demais, em especial se Michel já tiver, por emenda constitucional, decidido dilatar seu mandato, virando o novo ditador.

Nelson

A crise econômica é mundial; há uma retração geral da demanda. Portanto, de nada adianta arrochar salários e caçar direitos dos trabalhadores brasileiros para aumentar a competitividade da economia brasileira, como quer a CNI e, possivelmente, quer também o restante do empresariado.

A quanto teriam que descer os salários no Brasil para nivelarem-se aos pagos na China, no sudeste asiático ou em outros países em que a mão de obra é ainda mais aviltada que a nossa?

Ou seja, se a economia do país já está refluída, cortando salários o consumo cairá ainda mais, puxando para baixo o crescimento econômico.

Diante disso, é difícil de acreditar que empresários que se dizem entendidos em tudo e que sempre querem ditar regras de como devem as coisas funcionar e, por isso, se consideram superiores, venham com propostas desse tipo.

Olhando a coisa sob um viés estritamente capitalista, o Brasil está precisando é de um mercado interno forte, para que não fique na dependência das exportações.

Esse mercado interno se cria através de uma política de geração de postos de trabalho e de valorização dos salários, que darão origem a uma massa salarial mais robusta.

Com salários melhores, o povo não vai se restringir apenas ao básico e, ao incrementar o consumo, vai disparar um ciclo de dinamização da economia, fazendo-a girar e desenvolvendo-a.

Isto tudo me parece evidente por demais. Contudo, a arrogância dos empresários, mesclada com sua cegueira advinda do egoísmo e da ganância em ganhar e ganhar e ganhar sempre mais, não os deixa ver coisa tão básica.

Assim, as soluções que preconizam, se implementadas, só jogarão nosso país em crise maior ainda e, muito provavelmente, numa convulsão social nunca dantes vista.

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