Dirceu Greco: Toda a comunidade médica mundial precisa apoiar os profissionais de saúde e a população de Gaza

Tempo de leitura: 5 min
17/10/2023: Israel bombardeia o Hospital Al Ahli Arab (Gaza Baptist Hospital), na Faixa de Gaza, matando mais de 500 pessoas, entre médicos, enfermeiros, administrativos, pacientes e familiares. À esquerda, médicos do hospital durante entrevista coletiva em meio aos mortos do ataque israelense. Uma cena que entrará para história do massacre dos palestinos. Fotos: @GeopolPt e reprodução de vídeo

Redação

SAMJ é o periódico médico oficial da Associação Médica Sul-Africana (South African Medical Association).

Revisado por pares e indexado internacionalmente, publica pesquisas com impacto na assistência clínica na África do Sul. 

Na edição online de novembro, o SAMJ publicou um artigo do médico brasileiro Dirceu Greco, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

Segue a íntegra, em tradução livre para o português. 

A terrível crise de saúde em Gaza – a Associação Médica Mundial e toda a comunidade médica devem apoiar inequivocamente os profissionais de saúde e defender o fim das atrocidades perpetradas pelo governo israelense

Dirceu Greco*, MD, PhD, em SAMJ

O meu foco aqui são os nossos corajosos colegas, médicos e outros profissionais de saúde que continuam a trabalhar em situações terríveis em Gaza, sem equipamento, medicamentos e anestésicos necessários, sujeitos a longas jornadas de trabalho e correndo o risco de serem mortos e/ou presos pelas forças de ocupação israelenses.

Para que conste, os ataques israelenses mataram quase 1 000 pacientes, tanto por meio da violência quanto pela interrupção dos cuidados de saúde.

A Physicians for Human Rights, organização não governamental de Israel, relata que pelo menos 1580 profissionais de saúde (8,2% da força de trabalho) foram mortos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que 94% dos hospitais de Gaza foram severamente danificados ou destruídos e, no início de 2025, apenas 17 dos 36 hospitais estavam parcialmente funcionais, os demais fechados ou fora de serviço. [2]

É inconcebível que as organizações profissionais médicas tenham permanecido em silêncio durante a maior parte dos últimos dois anos, ou tenham assumido posições insuficientes ou superficiais em apoio a estes indivíduos altruístas, e não tenham defendido claramente a população palestina. Permanecer em silêncio ou não assumir uma posição inequívoca numa situação como esta equivale a apoiar o agressor — é cumplicidade.

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Apenas recentemente (setembro de 2025), 11 associações médicas nacionais de um total de 115, ou <10% dos membros da Associação Médica Mundial (WMA), tomaram uma posição e publicaram a «Declaração conjunta das associações médicas nacionais sobre a crise dos cuidados de saúde em Gaza».[3] Esta declaração começa assim: «Assistimos, com crescente consternação, à destruição infligida ao sistema de saúde de Gaza pelas forças israelenses desde outubro de 2023. Estamos chocados com o que os nossos colegas em Gaza têm sofrido, em violação do direito internacional humanitário, e exigimos que sejam tomadas medidas para os proteger, a eles e aos seus pacientes.»

Embora o documento contenha sete pontos importantes, não inclui uma única palavra sobre os civis palestinos mortos por Israel, incluindo mulheres e crianças.

 Além disso, não há qualquer menção ao bombardeamento inadmissível de civis palestinos pelo exército israelense, nem à restrição do acesso a alimentos e ajuda humanitária, responsáveis pela situação sanitária terrível em Gaza.

Do lado positivo, as associações apresentaram esta declaração à WMA na sua 76.ª Assembleia Geral, o que levou à emissão, em 11 de outubro de 2025, de uma resolução apelando ao governo israelense para «cumprir as convenções de Genebra e outros instrumentos aplicáveis do direito humanitário».

[4] Na recomendação 1, exorta Israel a «cessar imediatamente todas as formas de ataques contra profissionais de saúde, pacientes, instalações de saúde e logística de ajuda alimentar e médica, em conformidade com a Convenção de Genebra».[4]

A recomendação 2 exorta «os seus membros constituintes a condenarem inequivocamente os ataques contra profissionais e instalações de saúde durante o conflito em curso, em conformidade com as Convenções de Genebra e o direito internacional humanitário».

Tal como na declaração acima referida, não há uma única palavra sobre a população de Gaza afetada pelos ataques inaceitáveis e covardes das forças armadas israelenses, que são os únicos responsáveis pela «miséria e mortes evitáveis de mais de meio milhão de pessoas em Gaza». [4]

É importante notar que, de acordo com o site da WMA, o seu objetivo «é servir a humanidade, esforçando-se por alcançar os mais elevados padrões internacionais em Educação Médica, Ciência Médica, Arte Médica e Ética Médica e Cuidados de Saúde para todas as pessoas no mundo» (ênfase acrescentada). [5]

Dado que várias publicações revisadas por pares, escritas por médicos que descrevem o horror e a carnificina que enfrentaram em Gaza, foram amplamente divulgadas, a superficialidade e a hipocrisia do documento inadequado da WMA são evidentes.

Alguns artigos publicados recentemente [6-8] por médicos de Gaza são exemplares no seu apelo ao reconhecimento e proteção dos pacientes e profissionais de saúde, e afirmam que o apoio aos médicos em Gaza deve ressoar e expandir-se por toda a comunidade médica global, que deve desempenhar o seu papel no fim das atrocidades.

Mais importante ainda, eles também recomendam parcerias médico-legais com o objetivo de influenciar os líderes globais a intervir e, por meio de tribunais internacionais, garantir que a responsabilização e a justiça sejam alcançadas.

Além disso, Sidwa et al.[7] observam como os seus colegas nos EUA frequentemente rejeitam as suas descrições do horror, ou as consideram exageradas e motivadas politicamente.

Enquanto preparava este artigo, assisti à transmissão ao vivo de 13 de outubro de 2025, que mostrou a cerimônia mais cínica e hipócrita do Parlamento israelense e o discurso chocante do presidente dos EUA.

Para começar, enquanto elogiava a invasão inadmissível e a destruição horrível de Gaza e da sua população civil, ele chamou isso de guerra.

Não é uma guerra; é um exército poderoso, apoiado por muitas das chamadas democracias ocidentais, com um número incrível de armas apontadas a civis indefesos, na sua maioria mulheres e crianças, numa limpeza étnica planejada.

E vale a pena notar que o que foi alcançado foi um cessar-fogo, não um tratado de paz – e, claro, o povo palestino vitimado nem sequer foi mencionado, muito menos a tão necessária criação de um Estado palestino.

Em conclusão, é urgente que instituições médicas representativas, tais como a WMA, tomem uma posição genuína não apenas para apoiar os profissionais de saúde, mas, mais importante e inequivocamente, para declarar a necessidade de promover e proteger os direitos humanos dos civis palestinos do massacre e da destruição de suas casas e infraestruturas em Gaza, lembrando-nos que este acordo de cessar-fogo pode ser quebrado a qualquer momento.

Mais importante ainda, os profissionais de saúde em Gaza devem ser elogiados por todos pela sua dedicação inequívoca a esta população sofredora sob os invasores israelenses.

E também por terem a coragem de publicar as suas experiências e posições, mesmo enfrentando críticas de colegas que minimizam os seus relatos. Se algum grupo de indivíduos merece o Prêmio Nobel da Paz, são eles.

*Dirceu Greco, MD, PhD. Professor Emérito Doenças Infecciosas e Bioética da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

REFERÊNCIAS

[1] Mann I, Aburass A, Leibowitz T, Shalev G. Destruction of conditions of life: A health analysis of the Gaza genocide. Physicians for Human Rights, July 2025. https://www.phr.org.il/wp­content/ uploads/2025/07/ (accessed 24 October 2025).

[2] World Health Organization. Health system at breaking point as hostilities further intensify in Gaza, WHO warns. Geneva: WHO, 2025. https://www.who.int/news/item/22­05­2025­health­system­at­ breaking­point­as­hostilities­further­intensify­­who­warns (accessed 20 November 2025).

[3] British Medical Association, Turkish Medical Association, South African Medical Association, et al. Joint national medical associations statement on the healthcare crisis in Gaza. 8 October 2025. https://www.ttb.org.tr/userfiles/files/tma_bma_gaza_statement_september2025.pdf (accessed 20
November 2025).

[4] World Medical Association. WMA resolution calling on the Israeli government to comply with the Geneva conventions and other applicable instruments of humanitarian law. Porto: WMA,
11 October 2025. https://www.wma.net/policies­post/wma­resolution­calling­on­the­israeli­ government­to­comply­with­the­geneva­conventions­and­other­applicable­instruments­of­ humanitarian­law/ (accessed 20 November 2025).

[5] World Medical Association. About us. WMA, 2025. https://www.wma.net/who­we­are/about­us/ (accessed 20 November 2025). (accessed 20 November 2025).

[6] Niu H, Bedggood M, Jenkins M, Pathan S, Saeed D, Jureidini J. Genocide in Gaza: Moral and ethical failures of medical institutions. Lancet 2025;405(10497):2271­2272. https://doi.org/10.1016/S0140­ 6736(25)01173­0

[7] Sidhwa F, Fraiha YA, Leibowitz A, Kaminski N. Standing by our colleagues in Gaza  a plea to the US medical community. N Engl J Med 2025;393:1664­1667. https://doi.org/10.1056/NEJMp2511588

[8] Amon JJ, Elnakib S. Testimony, advocacy, and the public health effect of genocide. BMJ 2025;391:r2101. https://doi.org/10.1136/bmj.r2101

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Comentários

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Zé Maria

.

“Mais notícias sombrias de Gaza, o
cenário de crime que nunca se fecha.

Nenhum cessar-fogo — declarado, imaginado ou almejado — pode proteger jornalistas palestinos
da violência israelense.

Descanse em paz, Mahmoud Wadi.

Solidariedade à sua família, ou ao que restou dela.

Entre 225 e 250 jornalistas mortos em Gaza em 750 dias.”

FRANCESCA ALBANESE
Relatora Especial da ONU
https://x.com/FranceskAlbs/status/1995899080434712794
.

Zé Maria

https://x.com/ofercass/status/1994094542078005755

“Israel está cometendo genocídio contra
os palestinos, só por serem palestinos,
não apenas em Gaza:
observe a totalidade das condutas criminosas
contra todos os palestinos em toda a terra
destinada à limpeza étnica.
Israel precisa ser detido, e nós o faremos.”

FRANCESCA ALBANESE
Relatora Especial da ONU
https://x.com/FranceskAlbs/status/1994488282676343023
.

Zé Maria

.

Itália vai deportar Imã Egípcio de Mesquita de Turim
por Comentários Feitos em Manifestação Pró-Palestina

Mohammed Shahin declarou a um tribunal de Turim
que sua expulsão para o Egito o colocaria em risco
de prisão, tortura e até mesmo morte.

Shahin é um conhecido dissidente do regime autocrático do presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi.

Mohamed Shahin teria descrito o ataque liderado
pelo Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro como um ato de “resistência após anos de ocupação”.

O islamita de 46 anos, residente na Itália há 21 anos,
foi preso em uma operação realizada pela ‘polícia
antiterrorista’ ao amanhecer do dia 24 de novembro,
após o Ministério do Interior emitir uma ordem de
expulsão e revogar sua autorização de residência.

Atualmente, ele está detido em um centro de repatriação
em Caltanissetta, na Sicília, aguardando uma decisão
sobre seu pedido de asilo.

Shahin declarou a um juiz do Tribunal de Apelações
de Turim que sua expulsão para o Egito o colocaria
em risco de tortura e até mesmo de morte, por ser
um crítico conhecido do presidente egípcio Abdel
Fattah el-Sisi.

Por Catarina Hearst, no Middle East Eye

Íntegra em:
https://www.middleeasteye.net/news/italy-deport-egyptian-imam-over-comments-pro-palestine-rally

.

Zé Maria

Excerto

“É inconcebível que as organizações profissionais
médicas tenham permanecido em silêncio durante
a maior parte dos últimos dois anos, ou tenham
assumido posições insuficientes ou superficiais
em apoio a estes indivíduos altruístas, e não tenham
defendido claramente a população palestina.

Permanecer em silêncio ou não assumir uma posição
inequívoca numa situação como esta equivale
a apoiar o agressor — é cumplicidade.”

https://t.co/I7lIxdRC5T
Dr. DIRCEU GRECO, MD, PhD.
Professor Emérito de Doenças Infecciosas
e Bioética da Universidade Federal de
Minas Gerais [UFMG], Brasil.
https://x.com/VIOMUNDO/status/1995499122061910512

.

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