Delfim Netto: Similitudes

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SIMILITUDES

Antonio DELFIM NETTO, na CartaCapital, 20/10/2010, reproduzido na redecastorphoto

Qualquer semelhança entre a agressão da mídia no Brasil aos programas de Lula e as reações da mídia nos EUA ao New Deal, nos anos 30, não é só coincidência

Em abril de 2008, escrevi um comentário comparando o PAC e o Fome Zero do governo Lula aos programas de obras públicas e de combate ao desemprego sob o guarda-chuva do New Deal de FD Roosevelt, o presidente que conseguiu tirar a economia americana da Grande Depressão produzida a partir da quebra da Bolsa de NY, em outubro de 1929. Três quartos de século separam essas experiências: na primeira metade da década 1930-1940, os EUA e o mundo mergulharam numa crise sem precedentes.

Quando Roosevelt tomou posse, em 1933, para seu primeiro mandato, o PIB americano havia sido reduzido a praticamente a metade (56,4 bilhões de dólares) do que era em 1929 (103 bilhões de dólares).

Apesar da tragédia do desemprego, que chegava a 30% da força de trabalho, os EUA eram uma nação próspera. Havia muita riqueza e uma boa parte da sociedade afluente aceitava o desemprego como contingência natural numa economia de mercado. A melhor coisa que os governos deviam fazer era ficar fora disso.

Roosevelt surpreendeu, já no discurso de posse, anunciando o fim da era da indiferença: “Temos 15 milhões de sujeitos passando fome e nós vamos dar de comer a eles. O governo entende que é sua obrigação providenciar trabalho para que eles mesmos voltem a sustentar suas famílias.”

Para escândalo de muitos, seu governo pôs em marcha dois enormes programas, nunca antes tentados naquele país, de amparo ao trabalho e combate à miséria, com investimentos públicos em obras, cuja principal prioridade era absorver mão de obra (uma espécie de PAC). O empreendimento-símbolo foi a criação da TVA (Tennessee Valley Authority), que construiu barragens para a produção de energia e gerenciou os projetos de irrigação para a produção de alimentos.

Esses programas sofreram pesado bombardeio da oposição conservadora, que, a título de defender a livre iniciativa, esconjurava a intervenção estatal no setor privado, porque interferia na oferta e procura de mão de obra, desvirtuando o funcionamento do mercado de trabalho… Um dado interessante é que os ataques da mídia republicana evitavam agredir o presidente (e seus altos níveis de popularidade), concentrando toda a fúria contra a figura de Harry Hopkins, principal mentor dos programas de amparo ao trabalhador e gerente de obras públicas, qualificado de “perigoso socialista”. Qualquer semelhança com as agressões midiáticas recentes aos programas Fome Zero, Luz para Todos e ao PAC não é simples coincidência…

Hoje, ninguém duvida que o New Deal foi decisivo para a reconstrução da confiança dos americanos nos fundamentos do regime de economia de mercado. Suas ações ajudaram a salvar o capitalismo, na medida em que os milhões de trabalhadores que recuperaram os empregos voltaram “a acreditar na vontade e na capacidade do governo de intervir na economia para proporcionar uma igualdade mais substancial de oportunidades” (FDR numa de suas falas no rádio, Conversa ao Pé do Fogo).

O fato é que o PIB americano cresceu durante o primeiro e segundo mandatos e, em 1940, havia recuperado o nível que perdera desde o início da grande crise, medindo 101,4 bilhões de dólares. Roosevelt completou um terceiro mandato presidencial e ainda foi eleito (no fim da Segunda Guerra Mundial), para um quarto mandato, mas faleceu antes de exercê-lo.

Quando Lula assumiu o primeiro mandato, em 2002, a economia brasileira não estava na situação desesperadora da americana em 1933, mas contabilizava algo como 12% de desemprego da população economicamente ativa e vinha de um período de 20 anos de medíocre crescimento, com a renda per capita praticamente estagnada. Seu governo pôs em prática os programas de combate à fome que prometera no prólogo de sua Carta aos Brasileiros e posteriormente o PAC, que soma o investimento público e obras privadas, com foco na recuperação da desgastada infraestrutura de transportes, da matriz energética e na indústria da habitação. Setores de grande demanda de mão de obra e de promoção do desenvolvimento.

Oito anos depois (e 15 milhões de empregos a mais), os resultados são visíveis: queda acentuada das taxas do desemprego (para menos de 7% da população economicamente ativa), crescimento da renda e dos níveis de consumo da população, recuperação da autoestima do trabalhador e uma sociedade que adquiriu condições de oferecer substancial melhora na distribuição de oportunidades. Isso, tendo atravessado a segunda pior crise da economia mundial dos últimos 80 anos, com o PIB crescendo em 2010 acima de 7%.




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Comentários

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Marilda Oliveira

No Brasil nos governos recentes foram realizados importantes ajustes pragmáticos. O mais espetacular deles foi, sem dúvida, o realizado pelo governo Lula. Em 2002, os mercados financeiros temiam a sua ascensão ao poder, mas a sua ortodoxia monetária e política fiscal, porém, veio como uma surpresa para todos. Em 2004, Lula conseguiu trazer a taxa de crescimento económico de cerca de 5%. Impulso reformista era muito forte e vários importantes de pensões, reformas fiscais e bancários conseguiram superar a «prova de fogo» do Parlamento. Seus programas sociais e investimentos em infra-estrutura, embora criticado, estavam em conformidade com as promessas feitas pelo governo para a sociedade mais justa, eficiente e melhor distribuída níveis de crescimento. Para além do ruído político atual no Brasil, o que chama atenção nos últimos anos é a combinação de ortodoxia fiscal e monetária com políticas sociais.

Wendel

Podem ou não gostar do Delfim, mas de uma coisa não podem acusá-lo: o de não ser realista quando os tempos são outros!
"Mudar de idéias é virtude, o pior é não ter idéias para mudar" (?)
Ao Sr. Delfim Neto, meus cumprimentos por tb fazer a diferença nestes tempos de "guerra eleitoral", onde só prevalece o interesse particular de ganhar o Poder

Silvio

Azenha:
O parecido das medidas tomadas por Lula, com as tomadas por Roosevelt, não são por casualidade. Lula é um grande admirador, desse presidente dos EUA. Não seria difícil, que se tenha inspirado em ele.

Valdete Lima

Caríssimo Azenha

Você é 10+ Este artigo realmente, é uma coisa! Só você p mostrar que o Delfin Lulou, quem diria!!
Parabéns a você e à Carta Capital. A madame Coureau que terá a dizer…ah…ah..

vinicius

Delfim sabe o que fala.
O preparado nem diploma de economia tem…

Oscar

Sempre desconfiei do Delfim pelo fato do mesmo ter trabalhado com a ditadura. Contudo, lembro-me muito bem disto, na década de 90 enquanto todo mundo elogiava as privatizações (privataria seria o termo mais adequado para o Brasil) o Delfim, mesmo estando na direita como sempre, foi o único a discursar contra em várias oportunidades. Ele dizia que apesar de ser de direita, ele era um economista que prezava o desenvolvimento de "calos nas mãos". Havia muita especulação e muito dinheiro, mas pouco emprego e pouca produção. Podem até elogiar as reformas de FHC, como quer a grande mídia e a direita cafona, mas Lula deu outra cara para o país. Seu governo é estratosfericamente muito melhor que o ano de penúria e descaso de FHC.

    vinicius

    O cara é contenporâneo.
    Sabe ser um bom economista sem ficr preso a dogmas. Eu tb tinha preconceitos com ele por causa do regime militar. Porém, após começar a entender de economia, começei a admirá-lo.
    É um grande nome e grande brasileiro

Paralelo XIV

Impressionante as tais similitudes!
Quem sabe isso não revele um padrão, não aleatório? Quem sabe…
Se assim for, podemos ficar tranquilíssimos.
Roosevelt era do Partido Democrata (esse mesmo, que nosso – cruzes, que nosso nada, meu nunca! – famigerado DEM plagiou, como se fosse digno do nome…).
Harry Truman, que o sucedeu… era do mesmo partido!!
Olha a continuidade aí, gente!!

Nota: As comparações terminam aqui, pois Truman fez caca até não poder mais. Lançou a Bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, criou a CIA e iniciou uma guerra ao comunismo. Mas também, eram outros tempos… tempos de guerra.

Saudações

    Mônica

    Acho que, na realidade, o Truman era o vice dele, não? Pelo que o Delfim fala, FDR tinha sido eleito para um quarto mandato mas faleceu antes de assumir. Então, digamos que o Truman estava mais para Sarney do que para Dilma (a questão "caca" que o diga… rs)

José Carlos

Para quem não saiba, Delfim Neto tem uma coluna fixa na Revista Carta Capital. A coluna chama-se Sextante. Outras, publicadas pelos jornalões, poderíamos nomear como "Biruta" (aquele instrumento nos aeroportos, que se move para onde o vento sopra….
É sempre bom ler seus artigos, com um enfoque muito diferente dos jornalistas econômicos de plantão na grande mídia.
Mino Carta, editor da revista, foi opositor ferrenho da ditadura da qual Delfim (que já teceu outros elogios a Lula e a políticas deste governo) foi ministro. Lula e MIno estavam no campo oposto ao de Delfim nos 70 e 80 e se unem de alguma forma nesse ambiente que podemos (sim!) chamar de Imprensa com letras maiúsculas.

Bruno

Collor, Sarney, Barbalho, e até o Ministro dos Militares. Todo mundo é amigo do Lula agora.

    bertrand

    Você não entendeu o que ele escreveu?

    Leonardo Câmara

    Pessoas que têm bom senso se rendem aos fatos. Já quem não tem, inventa argumentos para criticar qualquer coisa.
    É como diz aquele aforismo: enquanto a caravana passa…

Márcia Aranha

Boa parte dos que aqui postam, estaria desempregada caso o Presidente do Brasil hoje fosse Serra… É só recorrer ao Youtube e rever o vídeo em que ele inicialmente diz que falta conhecimento à Lula para lidar com uma crise como aquela e, posteriormente, recomenda austeridade absoluta – na linguagem tucana, entrar voluntariamente em recessão.

Ainda bem que ele não é, e nem será, Presidente deste País.

El Cid

Epidemiologista e ex-reitor da UBA triturou o blogueiro do Serra (O Esgoto)…

Cacetada: http://bit.ly/cWQTrC

Nocaute: http://bit.ly/dC2cQX (via @daftm1)

Eugênio Magno

O pfofessor Delfim Neto é um grande professor de "Ciencias" Economia, ao ouvi-lo é como assistemos uma
aula de economia. Ele vai além, é um critico dos juros altos, um absurdo que poucos veem.

Paulo T.M. Souza

O ex-Ministro Delfim Netto mostra que além de "gênio" é um cidadão generoso e de coragem.Só não entendo porque o Presidente Lula não o convocou para o seu Governo como sempre supus que ia ocorrer.Teria sido um ótimo Ministro da Integração Nacional pois saberia convencer seus correligionários de São Paulo a investirem mais nas regiões Norte,Nordeste e Centro-Oeste tão carentes de empreendedores aguerridos como os paulistas.Creio que o temor de "queimação" pelos radicais e xiitas do PT podem ter inviabilizado a vontade e a disposição do Presidente Lula. Afinal Delfim participou na linha de frente dos Governos miitares e esta participação poderia não ser bem aceita em um Governo que precisa dar a aparência de esquerdista,de contrário a tudo que lembre o tempo dos militares.Mas que teria sido um Ministro da Integração Nacional "fora de série" isto ninguém pode duvidar! Talvez pudesse até convencer o próprio Presidente Lula a re-editar o sonho de Juscelino e de Celso Furtado de transformar o Nordeste numa região industrializada,de desenvolvimento auto-sustentável e includente podendo até a prescindir ,no futuro, das transferências para programas do tipo bolsa-familia.

    Guilherme Souto

    Pelo que li aqui e ali, me pareceu que o Delfin Neto foi fundamental nas articulações do Lula, pelo menos no primeiro mandato.

Domngos

Delfin Neto, no governo LULA, sempre teve posições avançadas. Ao contrário do PSDB que está voltado para o atraso.

Flavio Firmino Pinto

Parabéns Delfim, disse tudo o que os brasileiros precisavam ouvir.

O_Brasileiro

É o que o Obama tem que fazer nos EUA! Ao invés da dar dinheiro para os bancos, dar para a população se reerguer, e com isso reerguer a economia!

Fani

Parabéns Azenha, pela divulgação, no seu blog, do importante artigo de Delfim Netto publicado por Carta Capital. Afinal, todos nós sabemos que Delfim foi o ministro todo-poderoso na época da ditadura. Delfim foi ministro na época em que Fernando Henrique Carodoso era um professor da USP e escrevia livros condenando a escravidão. Nesta época o FHC ainda não tinha sujado o pezinho na senzala, de modo a parecer negróide e, assim, ganhar a eleição. Só depois de ficar com o pé preto é que mandou a gente esquecer o que ele havia escrito. Na época em que Delfim era ministro, o Serra era um jovem militante, libertário e defensor da igualdade social. Época em que ele foi presidente da UNE e, até por isso mesmo, foragido da ditadura. Nesta época o Gabeira era ainda tão destemido que participou do sequestro do embaixador americano, pondo a própria vida em risco, para libertar companheiros ameaçados de morte na tortura. Lembramo-nos destes combatentes com orgulho, mesmo que a mídia nunca tenha publicado fotos deles armados de metralhadora. A publicação do artigo nos traz à lembrança antigas lições de que as pessoas mudam. Algumas até para melhor.

ruypenalva

Um dia perguntaram a Delfim o que ele achava de Serra comparado a Affonso Celso Pastore, Delfim então disse: Serra é um teco-teco, Pastore é um Boeing. Delfim é fã de Lula e Lula ficou fã de Delfim, pois sabe que Delfim tem valor, apesar da fina ironia com que vive a sua vida intelectual.

adenilde petrina

O Delfim Neto está certo.

Nizinha

Parabéns pela publicação do artigo. Trata-se de uma análise séria e real da situação brasileira, mas assusta muito a todos aqueles que acreditam que só a deus é permitido escrever por linhas tortas. Nós, homens, devemos andar apenas por caminhos reais. Ou criamos imediatamente a república dos nossos sonhos, cheia de lindas árvores, onde todos sejam perfeitos e justos ou é melhor não fazer nada. Deixemos tudo por conta da história que, um dia, vestida de fada, virá realizar a paz na terra. Até lá, quem se importa se os trabalhadores têm ou não emprego e salário?

Pedro

Talvez não seja fácil saber se foram os programas populares do governo Lula que ajudaram a evitar a crise, mas vale a pena estudar o assunto. Até certo ponto Delfim Netto insinua que sim. Se foram, seria uma fortíssima razão para derrotar Serra.

Pedro

Este artigo mostra que derrotar Serra, e sobretudo o que ele representa, é mais do que necessário.

nina

Quem diria, hein Azenha…Defim Neto reconhecendo o que foi feito em 8 anos de governo Lula!!!

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