por Luiz Carlos Azenha
Durante a campanha eleitoral de 2008, nos Estados Unidos, eu morava em Washington. Na época o New York Times publicou um perfil de Barack Obama que eu gostaria de ter guardado e traduzido para o site, mas, depois de perdê-lo, nunca mais consegui recuperar o link.
O que me interessou foram alguns breves parágrafos. Contavam de uma viagem de Obama a Israel, quando senador. Numa ocasião, Obama depositou um pedaço de papel — com um desejo escrito — no muro das Lamentações. A viagem não mereceu grande cobertura da mídia, mas mesmo assim algum jornalista foi lá, recolheu o papel colocado por Obama e reproduziu o conteúdo. Era uma frase impecável, digna de um marqueteiro nato.
O Times, a propósito do episódio, concluiu que Obama havia se preparado desde muito cedo para uma possível campanha presidencial, dado o conteúdo do bilhete supostamente ‘secreto’ deixado no muro. O autor do texto também disse que Obama era o primeiro candidato da geração para a qual a sensação de privacidade já não existia mais.
É fato que Obama, desde muito cedo, adotou as novas mídias na arena política. Ganhou a Casa Branca com intenso uso da internet, batendo recorde de arrecadação e de trabalho gratuito de internautas voluntários. Foi o primeiro a levar o You Tube realmente a sério e, mais recentemente, o primeiro a dar uma entrevista para tuiteiros.
A internet é uma arma poderosa, mas também cobra caro: elimina hierarquias e dá ao eleitor o poder de fazer cobranças em tempo real, quando o tempo político — de formação de consensos, de vencer resistências, de construir alianças e do próprio processo legislativo — é outro.
O artigo do Times comparava diferentes gerações de políticos. Não me lembro, a essa altura, se usava o exemplo de John Kennedy, cuja persona pública de bom moço contrastava com a vida nos bastidores. Mas Obama, dizia o articulista, era produto de outro tempo, da transparência total, de uma época em que somos olhados 24 horas por dia, das câmeras de vigilância ao Facebook, do Twitter à blogagem de assuntos que antes eram vistos como estritamente pessoais.
Esse novo tempo gera um descompasso entre os políticos tradicionais e parte considerável do eleitorado, especialmente em países onde haja muitos jovens e grande penetração da banda larga.
Nestes países, nos quais não incluo o Brasil, milhões que usam a comunicação eletrônica e instantânea esperam respostas imediatas para suas demandas e reproduzem com uma velocidade sem igual seu descompasso com a lentidão dos poderes constituídos.
Apoie o VIOMUNDO
Embora as revoltas na rua árabe e os protestos na Grécia, na Espanha ou no Chile sejam resultado de processos políticos distintos, me parece que a capacidade de difundir e ampliar não apenas informações, mas também sentimentos (lembrem-se, no Facebook uma gigantesca empresa se esconde atrás do que, no passado, seria um familiar mural de universidade) contribui para ampliar numa velocidade inesperada o fosso entre representantes e representados.
Nas últimas semanas, como todos vocês devem ter notado, parte da mídia brasileira parecia tomada por um furor udenista, saudando nas manchetes a “limpeza” e a “varrição” promovida pela presidente Dilma Rouseff no Ministério dos Transportes. É como se o Planalto tivesse, de repente, sido tomado por um Jânio Quadros de saias.
Setores da esquerda, como sempre, fizeram cara de pouco caso. Ainda existe gente na esquerda que considera o combate à corrupção algo “moralista” — comportamento dito “pequeno burguês” — e, portanto, menor.
O duro é combinar com os milhões que pagam impostos e que insistem na ideia de que merecem transparência e emprego eficaz do dinheiro público.
O fato é que a presidente, ao satisfazer os autores das manchetes, cobriu também, mesmo que sem querer, o déficit da transparência a que me referi acima.
Dilma tem uma coisa em comum com Obama: ambos eram políticos “novatos” ao assumir a presidência. Ele, senador em primeiro mandato. Ela, em sua primeira campanha eleitoral.
Nenhum acumulou bagagem de uma longa carreira capaz de destruí-lo na idade da transparência.
De Obama o máximo que a direita conseguiu encontrar foi uma certidão de nascimento “falsa”, o sobrenome Hussein e o suposto envolvimento com radicais dos anos 60.
De Dilma o máximo que a direita conseguiu produzir foi uma ficha falsa, publicada na capa de um blog su… quero dizer, do maior jornal do Brasil.
Portanto, se pode se dar ao luxo, que Dilma faça o papel de Jânio de saias.
Não convém permitir que o fosso entre representantes e representados se abra de forma demasiada, especialmente quando os últimos dispõem como nunca de ferramentas para ampliar e reverberar as suas frustrações.
A política é um teatro onde contam as aparencias e se o eleitorado clama por uma vassourada o papel mais cômodo é o de quem a aplica.





Comentários
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!