Antonio Lisboa: Kirchner não teria voltado ao poder sem o enfrentamento com as Globos da Argentina

Tempo de leitura: 3 min

por Antonio Lisboa, no Facebook, sugerido por Rodrigo Vianna

No retorno da esquerda ao poder ontem na Argentina há um personagem fundamental que não pode passar despercebido: a televisão.

Não fossem alguns elementos televisivos, dificilmente a esquerda teria vencido ontem.

E o que digo aqui não é movido a elucubrações, apego à ideias específicas e especulações teóricas, mas a certos fatos concretos:

1) A enorme ousadia dos empresários que insistiram em manter os riscos financeiros de se sustentar um canal privado de esquerda, o excelente C5N, em pleno governo Macri.

No início o canal sofreu perseguição jurídica e policial e chegou a ser vendido e mudar de linha editorial, inclusive demitindo alguns de seus maiores apresentadores mais afinados à esquerda.

Mas a experiência não deu certo, pois o público cativo do canal já era de esquerda e meses depois voltou ao comando original numa aposta corajosíssima de seus empreendedores (sim, neste caso, o termo é este, gostemos ou não).

Com o ato ousado, seus principais apresentadores voltaram ao ar, entre eles, Victor Hugo Morales, Gustavo Sylvestre, Pedro Brieger, Ivan Schargrodsky, e outros.

2) Graças à ousadia empresarial de se manter um canal de esquerda em um país onde todos os outros canais nacionais estão alinhados à direita, o canal C5N se converteu nos anos Macri no canal de notícias mais assistido do país, tendo batido diversos recordes de audiência nos últimos anos, superando seu maior rival, o direitista TN (Todo Noticias).

Para um canal, antes pequeno e de baixa audiência, a decisão de assumir posição de esquerda se convertendo na maior janela televisiva de oposição ao neoliberalismo de Macri, foi um logro extraordinário.

3) Mas nada disso caiu do céu. A construção de uma televisão mais progressista e não alinhada ao Império e seu discurso único e homogêneo pro-capitalismo é uma construção de anos fruto da visão estratégica de Nestor e Cristina Kirchener.

Diferente da estratégia adotada pela esquerda brasileira que esteve 13 anos no poder, Cristina Kirchener incluiu na estruturação da TV digital aberta (TDA) da Argentina uma série de canais progressistas e não-alinhados que tornou a grade de programação da televisão argentina uma das mais democráticas e plurais do planeta.

4) Graças a isso, a Argentina passou a contar com canais progressistas não apenas em sua TV paga, mas em sua TV aberta, incluindo canais como: a venezuelana TeleSUR, a russa RT en Español e a iraniana HispanTV, além de canais nacionais privados mais alinhados à esquerda e à luta dos povos, como a já mencionada C5N, o TeleNueve (antes de esquerda, depois vendido e reformulado) e o CrónicaTV (um canal tradicional que dá espaço para diferentes espectros políticos), sem falar na modernização do excelente canal estatal Televisón Publica de Argentina (TPA), cujo programa de debates políticos ao vivo, 678, de fortíssima postura esquerdista bateu diversos recordes de audiência em pleno horário nobre noturno.

5) No caso da russa RT, por exemplo, Cristina não apenas o incluiu na grade da TV digital aberta, mas teve a ideia de lança-lo ao vivo em teleconferência junto a Vladmir Putin, o que foi um golpe de mestre para a divulgação do canal junto ao seu novo público argentino.

Ao invés de fugir da polêmica (os demais canais atacaram o ato em uníssono antes e depois), Cristina investiu nela e a usou a seu favor e do novo canal.

6) E assim a esquerda argentina conseguiu equilibrar e colocar um freio ao poder manipulador e alienante de seus canais privados tradicionalmente direitistas: AmericaTV, El Trece, Todo Noticias e Telefe.

A eleição de ontem não caiu do céu.

Só aconteceu graças à ousadia de dois governos de esquerda kirchneristas e de alguns empresários com coragem de contar uma história diferente.

Tudo que não aconteceu “en el Gigante del Sur”, por aqui mais conhecido como Brasil.


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Comentários

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Lukas

Só Bolsonaro enfrenta a Globo.

Bernardino SOUZA neto

Temos uma esquerda incompetente e pusilâmine.
A LEI DOS MEDIOS ARGEntina é prova da garra desse povo.
Recentemente,a América espanhola se rebelou e falou alto(chile ,equador,bolivia e catalães),enquanto a américa portuguesa(curral portugues),apanha,lambe o chão e bate palmas aos algozes.
Degaulle e Macron acertaram-Brasil não é país sério,além do mais Mentiroso!!!

LuisCPPrudente

Por isto a necessidade de uma Ley de Medios por aqui para regular as comunicações no Brasil, pois um simples controle remoto não irá levar informação, lazer e cultura aos telespectadores (como dizia a nossa presidenta Dilma Roussef). É necessário fracionar todos os meios de comunicação, proibindo por lei que eles se organizem em redes nacionais de televisão e rádio (e as tais redes só poderão existir em pool para transmissão de campeonatos esportivos mundiais e jogos olímpicos, por exemplo).

Flávio Braga Prieto da Silva

Então, Antonio, estamos comparando sociedades díspares. Sim, Argentina e Brasil têm uma história comum, mas o nível de analfabetismo aqui é maior, a escolaridade média e estrutura de classes dos argentinos é diversa da nossa – o que faz toda a diferença. Lá já preexistiam meios como o Página 12 – hoje o terceiro maior jornal em circulação – desde a década de 80. A Crônica que você cita também é antiga. O brasileiro médio é muito mais refém dos meios de massa. Aqui fizemos sim uma tentativa de democratizar meios, via apoio a rádios comunitárias, criação de canais públicos (EBC, TV Brasil, TV Escola, NGT …), mas para criar um público fiel demora. E para resolver os problemas básicos do povo (casa, água, luz, acesso à educação – são necessidades essenciais) também requer um esforço enorme. Cada povo tem suas lutas. Lá, com toda essa estratégia que você menciona, Macri foi eleito e governou para os ricos. Alberto enfrentará uma batalha tremenda – tomara que vença!

luis roberto ribeiro

ébom ler.

Zé Maria

Prova que a Televisão ainda não foi superada e pode ser
Aprimorada como Meio de Comunicação de Massa.

    Nelson

    Aqui, nós temos, entre outros, o “Meio de Comunicação do Massa”, o Ratinho. Ainda que deva dezenas de milhões de reais para a União – deve para o povo brasileiro, na verdade, pois o dinheiro da União a nós pertence – não pestanejou em receber dessa mesma União R$ 269 mil em troca de propaganda mentirosa a favor da “reforma” da Previdência.

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