Ângela Carrato: O que a mídia não quer ver na tentativa de fuga de Bolsonaro e na fraude do banco Master
Tempo de leitura: 7 min
Por Ângela Carrato*, especial para o Viomundo
Se o Brasil tivesse mídia corporativa minimamente digna deste nome, era para as manchetes de hoje e do resto da semana abordarem insistentemente dois temas:
— Quem estava por trás da fracassada tentativa de fuga de Jair Bolsonaro, que lhe valeu a mudança de prisão domiciliar para preventiva;
— Os desdobramentos da liquidação extrajudicial do banco Master e da prisão de seu dirigente, Daniel Vorcaro, considerada a maior fraude financeira de todos os tempos no país.
Com o fim do processo no STF, que levou à condenação de Bolsonaro e mais seis integrantes do principal núcleo da tentativa golpista de 8 de janeiro de 2023, todos eles já vão iniciar o cumprimento de suas penas.
Daí, o importante agora seria a mídia concentrar-se nos detalhes envolvendo esta tentativa de fuga, bem como na possibilidade de Daniel Vorcaro, que teve o pedido de habeas corpus negado, colocar em prática o que prometia: contar “toda a história” do Master, uma delação premiada que vem tirando o sono de muita gente.
Mas a pergunta que não quer calar é: esta mídia quer ir fundo nestes aspectos ou seus interesses são outros?
A mídia sabe que Bolsonaro (não o bolsonarismo) está acabado. A insistência em mantê-lo nas manchetes passa pelo expediente de não deixar que se apague da memória popular o seu nome, até que defina o candidato que terá seu apoio na disputa com Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2026.
Nenhum dos grandes veículos acredita que Bolsonaro possa ser anistiado, mas manter o assunto em pauta é fundamental para o combate que sempre empreenderam contra a reeleição de Lula.
Quanto ao banco Master, o objetivo é oposto. Apagar, o mais rápido possível, da memória das pessoas, a grossa corrupção perpetrada por este banco, em parceria com o Banco de Brasília (BRB), de propriedade do governo do Distrito Federal. Não por acaso, a mídia prefere tratar o assunto por seu nome técnico: gestão temerária.
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Se a mídia corporativa brasileira fosse minimamente digna deste nome, era para estar indo fundo na elucidação de quem auxiliou ou tramou com Bolsonaro o fracassado plano de fuga.
Indícios para tanto não faltam. É quase impossível, por exemplo, ele sozinho ter conseguido queimar a tornozeleira como o fez, sem se queimar, especialmente, como ele disse, tendo alucinações.
Não é estranho uma pessoa, tão doente como alega estar, encontrar-se praticamente sozinho em casa, acompanhado apenas da filha adolescente?
Não é igualmente estranho que uma de suas visitas antes da tentativa de fuga, o deputado federal Nicolas Ferreira (PL-MG), tenha utilizado o telefone celular no recinto, mesmo sendo amplamente sabido que era proibido?
Com quem Nicolas conversou?
Mais estranho ainda é saber que a pouco mais de 200 metros da mansão onde Bolsonaro cumpria prisão domiciliar, existe uma pista para pouso e decolagem de aeronaves. A pista, que tem autorização da ANAC para realizar voos de dia e de noite, pertence à residência do irmão do ex-automobilista e empresário Nelson Piquet. Os leitores mais atentos devem se recordar que foi a Piquet que Bolsonaro confiou a guarda de parte de seu acervo e presentes recebidos durante o mandato.
Vale registrar que Piquet esteve com Bolsonaro em 5 de novembro.
Até uma criança é capaz de ligar os pontos. O “culto religioso” na porta do condomínio onde se localiza a mansão de Bolsonaro serviria para desviar a atenção da polícia, enquanto Bolsonaro tentaria, com a tornozeleira danificada, vencer os 200 metros que o separam da pista de voo.
Sobre esse assunto, nem um pio, com a mídia preferindo concentrar-se na visita (para além de protocolar) da ex-primeira dama, Michelle, ao marido, nas lamúrias dos filhos e na sexta ou sétima versão de Bolsonaro e aliados sobre a tentativa de tirar a tornozeleira.
Tanto espaço para o que não é essencial em relação a Bolsonaro parece talhado sob medida para que a corrupção do banco Master e de seu dono praticamente desaparecesse do noticiário.
E assunto para ser abordado não falta.
O jornal Folha de S. Paulo, na segunda-feira (17), quando Vorcaro foi preso pela Polícia Federal no aeroporto de Guarulhos, prestes a embarcar para a ilha de Malta, publicava como manchete que a instituição havia sido vendida.
O jornal, único a dar a notícia, divulgou, sem qualquer apuração, a versão do banco? Onde ficam a seriedade e a credibilidade jornalísticas?
Uma linha de apuração que deveria estar sendo seguida – mas a mídia foge dela como o diabo da cruz – é a relação entre Daniel Vorcaro, políticos de extrema-direita e bolsonaristas, sendo ele próprio um bolsonarista de primeira hora.
No meio político, as principais conexões de Vorcaro são o presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União-AP), o deputado federal Ciro Nogueira, líder do PP, e o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
Cada um a seu modo, tem rabo preso com Vorcaro. O chefe do fundo de pensão do Amapá, Jocildo Lemos, indicado por Alcolumbre, ignorou alertas sobre riscos e investiu R$ 100 milhões em títulos do banco Master, o que causou prejuízos a servidores e aposentados.
Já Ciro Nogueira atuou como lobista de Vorcaro e foi um dos principais articuladores junto ao governador do Distrito Federal, nas negociatas para salvar o Master com dinheiro público via compra pelo Banco de Brasília (BRB).
Nogueira é ainda o elo das tramoias de Vorcaro em outra frente: um de seus assessores, Victor Linhares, é investigado na Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal.
A operação liga a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) a um intrincado esquema de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis, que passa por fintechs instaladas na avenida Faria Lima, o coração financeiro da capital paulista.
Ciro Nogueira é um dos principais articuladores da candidatura do governador de São Paulo, o extremista de direita Tarcísio de Freitas, à presidência da República em 2026.
As questões em torno das falcatruas do banco Master deveriam estar colocando em primeiro plano uma figura proeminente do governo Bolsonaro, o ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Queridinho da mídia, Campos Neto, atual vice-presidente do conselho de administração e chefe global de Políticas Públicas do Nubank, desde julho de 2025, assumiu o lobby das fintechs e tentou uma manobra após reclamar que essas entidades financeiras, que ganharam força durante o governo Bolsonaro, enfrentavam uma carga financeira maior do que os bancos tradicionais.
A equiparação de bancos com fintechs irritou a Federação Nacional de Bancos (Febraban), que denunciou a jogada para as fintechs pagarem menos. Não seria o caso da mídia ouvir os banqueiros tradicionais sobre esse assunto?
Não seria o caso, também, de questionar os motivos que não levaram Campos Neto a investigar as políticas absurdas levadas a cabo pelo banco Master quando à frente do Banco Central?
Igualmente esquecido pela mídia estão os 18 fundos de pensão de estados e municípios que aplicaram em carteiras do banco Master. Somados, os valores chegam a R$ 1,87 bilhão.
Além do já citado Fundo do Estado do Amapá, investiram no Master entre outros, o fundos do Amazonas, do Rio de Janeiro, e de cidades como Angélica (MS), Aparecida de Goiânia (GO), Araras (SP), Cajamar (SP), Campo Grande (MS) e Congonhas (MG).
Coincidentemente, estes estados e quase todas as cidades são administrados por políticos que integram a base bolsonarista.
Apesar de indícios de farta conexão entre bolsonarismo e corrupção financeira, a mídia corporativa prefere tentar fazer pressão contra o governo Lula. Prova disso são algumas manchetes dos principais jornais brasileiros da terça-feira (25).
O jornal O Globo, por exemplo, destaca no que define como “déficit ampliado”, que “O rombo dos Correios e de mais 12 estatais agrava quadro das contas públicas”.
Sem citar que o maior rombo nas contas públicas brasileiras é o pagamento de R$ 1 trilhão a título de juros da dívida pública, a publicação dá sequência à campanha permanente para tentar inviabilizar que o governo Lula consiga investir em políticas públicas.
Campanha agravada pelo permanente combate da família Marinho a todas as estatais brasileiras.
Já a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo vão direto para o que imaginam possa ser um duro golpe para o governo e respectivamente mancheteiam: “Motta rompe com líder do PT e agrava desgaste de Lula na Câmara” e “Alcolumbre e Motta ampliam crise entre Congresso e governo”.
A mesma Folha que sempre tratou o “coronel” Arthur Lira, ex-presidente da Câmara, com toda a deferência, mantém a postura no que diz respeito ao seu apadrinhado e sucessor, Hugo Motta (Republicanos-PB).
A publicação de Luis Frias se esquece de que Motta é hoje um dos políticos mais odiados do Brasil, identificado com toda a tentativa de blindagem de parlamentares no que se refere a processos e investigações criminais.
Já o Estado de S. Paulo parece apostar no desgaste de Lula e em dificuldades para o Palácio do Planalto conseguir aprovar de agora em diante o que quer que seja, de projetos do interesse público, ao nome de Jorge Messias como ministro do STF.
As duas manchetes lembram muito a cobertura que esses veículos fizeram do período que antecedeu à abertura do golpe, travestido de impeachment, contra a presidente Dilma Rousseff.
Também naquela época, a gota d’agua que desencadeou o processo foi a posição de Dilma ao não ceder às chantagens do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
Mais existem diferenças fundamentais entre 2016 e 2025.
Pesquisa de opinião da Confederação Nacional do Transporte (CNT), realizada entre 19 e 23 de novembro, revela um quadro amplamente negativo sobre o desempenho do Congresso Nacional.
Os dados mostram que grande parte da população vê a atuação de deputados e senadores como entrave para o avanço do país. Para 40,8% dos ouvidos, o Congresso Nacional atrapalha o desenvolvimento do Brasil, superando os 19,8% que acreditam que o parlamento contribui para o avanço do país.
A percepção negativa se repete em outros importantes indicadores: 37% classificam a atuação do Congresso como ruim ou péssima, ao passo que apenas 17% a consideram positiva.
O levantamento também deixa clara a visão predominante de que o Congresso atua motivado por interesses próprios, distantes das necessidades da sociedade. A título de exemplo, apenas 16,4% acreditam que o parlamento defenda os interesses da população.
Some-se a isso se Dilma estava no início de seu segundo mandato e não tinha clareza sobre a real atuação de seus inimigos, Lula sabe exatamente com quem está lidando.
Sabe quais são os inimigos internos e externos da democracia e do desenvolvimento soberano do Brasil.
Seja como for, essa atuação da mídia corporativa não deixa de funcionar como uma prévia do que teremos nas eleições de 2026.
Como sempre, haverá o triste espetáculo de uma mídia golpista, antinacional e trabalhando contra os interesses da maioria da população brasileira.
A boa notícia é que as próximas eleições podem também nos livrar de todo um conjunto de aventureiros, fisiológicos e corruptos há tempos encastelados no Congresso Nacional.
Ângela Carrato é jornalista, professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
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Comentários
Ricardo de Souza Moraes Gomes
Em primeiro lugar parabéns, mas para uma próxima oportunidade seria bom refletir sobre quem está por trás da pressão pela privatização dos Correios que é pano de fundo da campanha da mídia contra a estatal.
Fernando Antônio Bastos e Silva
Excelentes artigo que mostra como funciona a grande imprensa.