Ângela Carrato alerta: Bolsonaro quer que o seu “combo” exterminador do futuro seja votado junto

Tempo de leitura: 9 min

por Ângela Carrato*, especial para o Viomundo

A julgar pelo que tem comentado alguns colegas que se reuniram, nos últimos dias, com o presidente do Senado,  David Alcolumbre (DEM-AP), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) gostaria que fossem votados, praticamente juntos, dois itens importantes para seu governo.

O “combo”, como foi apelidado pelos senadores, envolve a Reforma da Previdência e o nome do seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Aprovar a Reforma da Previdência, sem que ela seja modificada pelo Senado, significa um forte aceno para o mercado e para os grupos financeiros internacionais, que veem esse setor no Brasil como um filão dos mais cobiçados.

Bolsonaro acredita que assim terá a gratidão do capital internacional, que sempre sonhou com tal possibilidade, mas esbarrou em governos como os dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Quanto à aprovação do nome de seu filho para ocupar o mais importante posto de embaixador do Brasil, Bolsonaro vê nisso uma questão não só pessoal, mas o arremate do que considera essencial para o seu projeto político: selar o presente e o futuro do Brasil aos interesses estadunidenses.

Bolsonaro não está preocupado com essa indicação ser um evidente caso de nepotismo, nem com a visível desqualificação de Eduardo para o cargo, pois considera que ninguém melhor para representá-lo do que o próprio filho.

Só que um embaixador não é um representante pessoal, mas o de um país.

O único precedente no gênero é do rei da Arábia Saudita, que está longe de ser uma democracia.

Daí, não levar em consideração o fato de que recente pesquisa MDA-CNT ter apontado que 72,7% dos brasileiros não querem Eduardo como embaixador, por considerarem a indicação inadequada.

Se o projeto da Previdência precisa ser aprovado em dois turnos pelo plenário do Senado, a indicação de Eduardo depende de aprovação em sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado e depois de aprovação, por maioria simples, pelo plenário.

APOSTA PERIGOSA

Bolsonaro aposta numa possível reeleição de Trump e já está trabalhando para a sua própria reeleição, mesmo com seus índices de rejeição ampliando-se de forma muito rápida.

Na última pesquisa DataFolha, divulgada em 2 de setembro, sua rejeição subiu para 38%, superando em nove pontos o índice dos que apoiam o seu governo.

É a maior rejeição registrada nos primeiros oito meses de um presidente brasileiro após a redemocratização. Mesmo assim, ele parece acreditar que se unindo cegamente a Trump, seu futuro estará garantido.

Esse “combo”, portanto, é perigosíssimo para os brasileiros, para o Brasil e, sem exageros, para o próprio futuro da humanidade.

Se o fim da Previdência pública significará o empobrecimento e a miséria para milhões de pessoas, a presença de Eduardo em Washington pode por em risco não só a relação do Brasil com seus vizinhos e com a comunidade internacional, mas a própria humanidade.

Ninguém deve se esquecer de que foram dois dirigentes de países europeus, eleitos pelo voto direto, Hitler e Mussolini, que, na ânsia por poder, acabaram levando o mundo aos horrores da Segunda Guerra.

Nesses oito meses e meio de governo, Bolsonaro criou problemas literalmente com todo o mundo e por motivos os mais estúpidos.

O Brasil, que tinha uma política externa coerente e consistente, construída ao longo de décadas, e respeitada por toda a comunidade internacional, se tornou um pária.

GUERRA CONTRA A VENEZUELA

O primeiro país a ser alvo de Bolsonaro foi a Venezuela. Sem que o governo de Nicolás Maduro tivesse feito nada contra o Brasil, ele aliou-se a Trump numa cruzada que, por pouco, não dava início a uma guerra com consequências imprevisíveis.

Mesmo que oficialmente Trump fale em “combate à ditadura” e em “ajuda humanitária”, o que está em jogo é a cobiça do petróleo venezuelano pelos Estados Unidos.

Foi necessária a intervenção direta dos militares brasileiros, que desautorizaram qualquer aventura armada.

Evitou-se assim que o país se metesse em uma espécie de “Vietnã tropical”, um conflito que, com o anunciado apoio da Rússia e da China a Maduro, teria tudo para assumir gravíssimas proporções.

O risco de intervenção externa na Venezuela, que parecia afastado, voltou à tona.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou, em 11/09, projeto apresentado por aliados do autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó, que prevê a convocação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar).

Na prática, o projeto abre as portas para uma intervenção militar no país sul-americano, que visa atingir, por tabela, os governos de Cuba e da Nicarágua.

Doze dos 18 países-membros do Tiar votaram a favor do projeto apresentado pelas Missões Permanentes do Brasil, Colômbia e Estados Unidos.

Essa nova atuação da diplomacia de Bolsonaro contra os interesses venezuelanos é mais um lamentável episódio que entrará para a história.

INGERÊNCIAS NA ARGENTINA E NO CHILE

Ao se intrometer na eleição presidencial argentina, Bolsonaro não apenas apoiou o atual presidente, o neoliberal Maurício Macri, que disputa a reeleição, como fez comentários que procuraram desabonar a chapa adversária, composta por Alberto Fernández e pela ex-presidente Cristina Kirchner.

O ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, reforçou as críticas, ameaçando que o Brasil poderia deixar o Mercosul, caso a esquerda vença na Argentina.

Até o momento, as pesquisas de intenção de voto indicam vitória no primeiro turno para a chapa oposicionista.

O assunto teve repercussão imediata junto aos demais países que compõem o Mercosul e também junto à União Europeia, com quem o Bolsonaro havia retomado as negociações para a celebrar um tratado de comércio.

No Chile, Bolsonaro se tornou persona non grata, ao defender a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), de quem se diz admirador e atacar a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, cujo pai foi vítima de tortura.

O assunto fez com que o presidente do Chile, o direitista Sebastián Piñera, gravasse um vídeo, exibido em seu país e reproduzido em várias partes do mundo, em que afirma não concordar, “em absoluto, com a declaração feita por Bolsonaro a respeito de uma ex-presidente e, especialmente, num tema tão doloroso quanto a morte de seu pai”.

O mundo ficou perplexo ao saber que Bolsonaro, além de misógino, inimigo dos negros, dos índios e dos grupos LGBT, também é defensor explícito da tortura.

Para o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, “a tortura é absolutamente inaceitável e nunca poderá ser justificada”.

A proibição da prática da tortura é um princípio fundamental, alertou, inclusive de acordo com a declaração Universal dos Direitos Humanos. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro já havia ameaçado, se eleito, tirar o Brasil da ONU.

CORRUPÇÃO NA BINACIONAL ITAIPU

Essa semana também foi a vez da crise entre o Brasil e o Paraguai assumir novos contornos.

A decisão do governo do Paraguai, através de seu chanceler, de chamar o embaixador brasileiro para dar explicações sobre o fato de a Polícia Federal ter entrado, sem autorização, no seu território, revela como os ânimos estão exaltados.

A Itaipu Binacional, formada por Brasil e Paraguai, se tornou o centro de uma crise diplomática que resultou na abertura de um processo de impeachment contra o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez.

O motivo é a denúncia de que empresários ligados à família Bolsonaro teriam pressionado para beneficiar a empresa Leros e políticos do PSL em contratos com Itaipu lesivos ao Paraguai.

A oposição paraguaia exige que tudo seja esclarecido e a mídia paraguaia, ao contrário da brasileira, vem dando destaque ao assunto.

GROSSERIAS CONTRA MACRON E MERKEL

De todas os graves problemas internacionais causados até o momento por Bolsonaro, o envolvendo o presidente da França, Emmanuel Macron, foi o que alcançou maior repercussão.

Na noite de 22/08, ao comentar a situação de calamidade na Amazônia, Bolsonaro decidiu atacar Macron, que convocou a cúpula do G7 para uma reunião extraordinária sobre a devastação ambiental no Brasil.

Mesmo Bolsonaro sempre se envolvendo em assuntos internos de outros países, ele afirmou, em sua conta no Twitter, que lamentava que “o presidente Macron busque instrumentalizar uma questão interna do Brasil e de outros países amazônicos p/ ganhos políticos pessoais”.
Bolsonaro concluiu chamando Macron de “colonialista”.

Já seu filho Eduardo, o que ele quer que seja embaixador, compartilhou o vídeo de um youtuber conservador que chama o presidente francês de “idiota”.

Macron não deixou por menos e disse que Bolsonaro é “um mentiroso” que promove o “ecocídio”.

Foi quando o presidente brasileiro ultrapassou todos os limites e resolveu ofender, também, a esposa de Macron, Brigitte, a quem considerou feia se comparada à sua esposa, Michelle.

É importante lembrar que Bolsonaro havia demitido, dias antes, o diretor-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão, que divulgou dados que mostram a intensificação do desmatamento da Amazônia. Números que, segundo Bolsonaro, “prejudicam” a imagem do Brasil no exterior.

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro vinha anunciando que iria mudar a política ambiental brasileira e, por pouco, não extinguiu o ministério do Meio Ambiente.

Foi seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, quem, por sua vez, vinha criando caso com os recursos do Fundo Amazônico provenientes de países europeus, até finalmente declarar que o Brasil não iria aceitar mais a ajuda.

Anunciado pelo Brasil durante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-13) em Bali, na Indonésia, em 2007, e criado no ano seguinte no governo Lula, o programa surgiu como iniciativa pioneira no mundo para arrecadar junto aos países desenvolvidos recursos financeiros para manter de pé a maior floresta tropical do planeta.

O Fundo já recebeu mais de R$ 3,4 bilhões em doações e tornou-se o principal instrumento nacional para custeio de ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de promover a conservação e o uso sustentável do bioma amazônico.

Agora o Fundo está na corda bamba. Os repasses por parte da Noruega e da Alemanha estão congelados, com o governo Bolsonaro tendo dispensado também o auxílio da França no combate às queimadas na Amazônia.

Após a Alemanha suspender investimentos em projetos de proteção à Amazônia brasileira, o presidente Bolsonaro foi grosseiro com a chanceler Angela Merkel. Ele mandou Merkel usar o dinheiro no reflorestamento do país dela.

Segundo Bolsonaro, a Alemanha precisa de mais investimento na área do que o Brasil.

“TRUMP TROPICAL”

Prova de que os problemas criados por Bolsonaro em termos de comércio e relações internacionais atingem todo o planeta é que, logo no início de seu governo, ele se indispôs com os países árabes ao afirmar, sem qualquer motivo lógico a não ser seguir os Estados Unidos, que iria transferir a embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém, retificando depois que iria abrir um escritório de negócios.

Na contramão de todo o mundo, Bolsonaro estava chancelando o aliado número um de Trump e dos conservadores estadunidenses no Oriente Médio.

Agia em flagrante oposição aos interesses comerciais brasileiros, além de jogar o país num conflito diante do qual a diplomacia brasileira sempre conseguiu se manter independente e contar com o respeito de palestinos e de judeus.

O troco veio rápido, com vários países árabes anunciando que poderiam não comprar mais produtos brasileiros, a exemplo do açúcar e da carne de frango.

Esse bloco de países é o quarto principal destino do comércio externo brasileiro, atrás apenas da China, Estados Unidos e Argentina.

Desde a campanha eleitoral que a própria China vinha alertando o candidato Bolsonaro sobre os riscos de seguir a linha econômica de Trump e romper acordos comerciais com Pequim.

Editorial publicado pelo jornal estatal Daily China afirma que Bolsonaro foi “menos que amigável” em relação à China durante a campanha e advertiu sobre o custo do eleito querer ser um “Trump tropical”.

O comércio bilateral entre os dois países foi de US$ 75 bilhões no ano passado.

Desde 2003 a China investiu bilhões de dólares nos setores de petróleo, mineração e energia do Brasil, e está disposta a financiar projetos de ferrovias, portos e outras modalidades de infraestrutura.

Mas isso parece não interessar a Bolsonaro, preocupado apenas em defender a política de Trump.

RECOLONIZAÇÃO

É no risco de uma recolonização que reside o maior problema envolvendo a aprovação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos Estados Unidos.

Com um chanceler fraco e despreparado, como Ernesto Araújo, a possibilidade da política externa brasileira passar a ser formulada pela Casa Branca e ser servida a Bolsonaro e a seu filho, é enorme.

Dito de outra forma, o Brasil entraria para a história como um caso único, cujo presidente deliberadamente retornou seu país à condição de colônia.

A submissão de Bolsonaro e de seus filhos a Trump e aos Estados Unidos beira o doentio.

Nas últimas décadas, os Estados Unidos têm perdido importantes posições, sendo ultrapassado pela China em diversas áreas.

As empresas chinesas na área de tecnologia superaram as estadunidenses, como é o caso da gigante Huawei, que já detém a tecnologia 5G e anunciou ter dado início às pesquisas para a 6G. O Vale do Silício, nos Estados Unidos, ainda não chegou sequer ao domínio da 5G.

Esse, aliás, é o real motivo dos ataques de Trump contra a China, disfarçados em disputas comerciais.

Esse é o motivo, também, para os governos estadunidenses valerem-se do arsenal da Guerra Híbrida (manifestações populares induzidas, fake news, golpes travestidos em impeachments) para retirar do poder governantes na América Latina e em outras partes do mundo, que insistiam em não se pautar pela cartilha de Washington, como foram os casos de Manuel Zelaya, em Honduras, Fernado Lugo, no Paraguai, Dilma Rousseff no Brasil, além de investirem contra a Venezuela.

Uma possível aprovação do nome de Eduardo Bolsonaro tem ainda outro aspecto negativo: aprofundar a desconfiança entre os países latino-americanos e o Brasil, impedindo que, tão cedo, voltem a se a unir na defesa de seus interesses, como vinha acontecendo com a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), criada em 2008.

Quanto mais dispersa e envolta em problemas a América Latina estiver, melhor para Trump e para os Estados Unidos, pois facilita a tarefa de manterem a região como seu “quintal”.

Quanto mais distante o Brasil estiver de voltar a ter um papel protagonista em política internacional, igualmente melhor será para os Estados Unidos, pois como tem lembrado o renomado linguista e ativista estadunidense Noam Chomsky, “com Lula, o Brasil estrava contribuindo para redefinir a geopolítica mundial”.

Ao contrário de um mundo unipolar, com os Estados Unidos à frente, os BRICs, que o Brasil foi fundamental para o surgimento, prenunciavam um mundo multipolar, insuportável para o imperialismo do Tio Sam.

Confiante na vitória, Eduardo Bolsonaro tem dito que já conta com os votos suficientes para ser embaixador.

David Alcolumbre tem se esmerado em ouvir e anotar as reivindicações de seus colegas, repassando-as diretamente ao presidente.

Não falta quem garanta que os senadores, tanto nesse caso quanto na Reforma da Previdência, estão apresentando dificuldades para obterem vantagens. O velho toma-lá-dá-cá.

Só que, dessa vez, aprovar um “combo” com tamanho potencial de destruição pode custar muito caro ao Brasil e ao mundo.

Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).


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Zé Maria

Realmente o único Projeto do desgoverno de Jair Bolsonaro
é o “Combo da ‘Morte com Potencial de Destruição em Massa”.

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