A USP e a escola pública

Tempo de leitura: 3 min

Artigo: a USP cada vez mais distante

Mais de 65% dos candidatos a uma vaga na instituição estudaram integralmente em escolas particulares

Mateus Prado
, especial para o iG | 25/09/2010 (por sugestão do Administrador)

De pouco adiantou a oferta de isenções da taxa de inscrição da FUVEST para alunos de escolas públicas, o programa de Embaixadores e o tímido INCLUSP (Programa de Inclusão Social da USP). Mais uma vez, os dados mostram que a maior parte dos candidatos às suas vagas estudou, total ou parcialmente, no estudo básico, em escolas particulares.

Mais de 65% dos candidatos deste ano só frequentaram escolas particulares. Se somarmos aqueles que passaram parte do ensino básico em escolas particulares aos que estudaram fora do Brasil, temos quase 72% dos candidatos.

O baixo número de candidatos advindos de escolas públicas na FUVEST tem um motivo simples e claro. Ano a ano, os jovens de menor renda sentem que a USP é uma realidade cada vez mais distante. A esmagadora maioria destes estudantes não se sente “habilitado” para prestar seu vestibular e frequentar suas salas.

Vários são os motivos. A USP realmente tem se comportado como uma instituição elitista. Em uma de suas últimas tentativas de inclusão, criou um campus na Zona Leste. A lógica daqueles que planejaram a nova escola era de que parte dos moradores de áreas mais “nobres” não estaria disposto a fazer um curso em um bairro da periferia. Os resultados não foram bem estes. A USP da Zona Leste está muito mais para uma “USP Ayrton Senna”. É muito mais rápido para quem mora no centro ou no Jardins chegar até lá do que para quem mora em uma das áreas periféricas da cidade. E, além de tudo, a unidade é uma ilha, em que não é permitida a entrada nem mesmo aos moradores de bairros vizinhos.

O número de vagas também tem deixado a desejar. O Estado de São Paulo tem pouquíssimas vagas em Universidades Federais. Este número tem ampliado um pouco por causa do REUNI e da criação da UFABC, mas é, proporcionalmente ao número de habitantes, um dos menores do Brasil. Restou às públicas estaduais oferecer mais vagas.

A USP é a que tem mais vagas. Desde 1989, as estaduais paulistas possuem vinculação orçamentária. Hoje, 9,57% do valor arrecadado com o ICMS vão para elas. Isto quer dizer que quando a arrecadação cai os recursos diminuem, e que quando a arrecadação sobe eles aumentam. Vinte anos atrás, quando começou a vinculação, a USP oferecia 6.780 vagas. Hoje oferece 10.652. Neste período, a arrecadação de ICMS mais do que dobrou, os recursos para a Universidade aumentaram, a população de São Paulo e do Brasil cresceu e o número de vagas não acompanhou essas mudanças.

Em alguns cursos, é quase impossível um aluno de escola pública passar. Em direito, medicina, relações internacionais e jornalismo, só encontramos alunos advindos de umas poucas escolas particulares tradicionais.

Depois da criação ProUni, o aluno do Ensino Médio da rede pública começou a notar que é muito mais fácil ele conhecer alguém que está cursando uma Universidade Particular sem pagar do que cursando uma pública. O sonho do Ensino Superior sem custo, e a consequente conquista de um bom emprego, deslocou-se da esperança de passar na USP para a possibilidade, muito mais plausível, de obter uma boa nota no ENEM e ganhar uma vaga no ProUni.

O cômico, ou absurdo, da situação, é que a reitoria da Universidade apresentou nesta semana a proposta de extinguir os cursos de menor concorrência (baixa demanda, nos termos da Universidade). Ora, são justamente estes os cursos em que a maioria dos alunos vêem do ensino básico público.


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Comentários

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Mateus

E enquanto isso… As Universidades Federais fora de SP estão investindo pesado. Aqui em Goiânia, por exemplo, na UFG a mudança estrutural e muito, mas muito grande. E ainda tem espaço para os moradores mais ilustres. Os macaquinhos da UFG. Apesar de muitos cursos, em outros Estados não terem o mesmo nível e reconhecimento que alguns de SP, os investimentos e a inclusão social está sendo feita. Ou seja, SP que se prepare para o êxodo.

Hiro

Ótima matéria, Azenha. É bom nos lembrarmos que embora a idéia da Universidade paulista tenha raiz antes do Brasil-República, e que tenha passado pelo histórico de 32, na prática ela nasceu da Escola Normal na Praça da República: uma Escola Estadual, portanto.
`A época do governador Armando de Salles Oliveira, havia um ponte direta entre Escola Estadual-Universidade.
Essa brutal barreira aos estudantes da Escola do Estado começou nos anos 60 e foi severamente aprofundada com o desmonte da Escola paulista nos anos 70-80. Mas foi os anos 90, com o desmonte total da Escola pelos tó-canos demos, que essa barreira se tornou quase intransponível. Graças ao Lula, novas formas de acesso têm começado a aparecer.
Na zona leste a universidade foi uma reivindicação dos sem-universidade. Onde eles estão agora?
Noserratus ainda criou uma secretaria específica, mas e o ideal de autonomia…? Antes era regida pela ciência e tecnologia.
Criou ainda a idéia da pesquisa "operacional" em lugar da pesquisa desinteressada ou fundamental.
Ora, está de volta os Acordos MEC-USAID. Não é a toa que tó-canos demos só falam em ensino técnico…
É necessário todos os cidadãos paulistas de Bem reconstruírem a Escola paulista ou o Estado de SP não durará nem algumas décadas…

franklin

Se não está sendo útil, para o POVO QUE PRECISA DE SUBSÍDIO então melhor passar para o ricos logo, pra eles assumirem é CLARO finaceiramente.

    Dárcio Argento

    Essa é a pior saída

Vitor

Senhores: a USP é elitista e sempre será até a médula! O seu projeto em 1934 era da elite e para a elite. Eu acho uma batalha perdida a USP. Acho que é mais fácil abrir caminhos em outros lugares e através de outras medidas (talvez implantando um número maior de universidades federais em São Paulo e defendendo candidaturas que descentralizem de vez o Brasil – levando universidades para os rincões).
Quem saiu crítico da USP e transformador (Florestan, Candido, Bosi, Chauí, Arantes, etc) foi uma minoria. A USP é reaça e não quer o povão; ela não largará o osso tão facilmente. Precisamos descentralizar a ciência no Brasil para acabar de vez com esse nojento umbiguismo paulista.

alexandrelunelli

Uma pena, mas essa realidade não diz respeito só a USP. Sou estudante da UFSC e aqui a situação é parecida. O que mudou um pouco este quadro foi a política de ações afirmativas que incluiu cotas para estudantes de escolas públicas, mas a presença destes alunos ainda se limita ao número de vagas destinadas às cotas.

Paulo Brasileiro

-A Usp é uma universidade bancada pelo estado para atender interesses de pouquíssimos particulares. Quem tem condição de pagar universidade particular vai p/ a pública e quem não tem vai p/ a particular. É uma vergonha que a tida imprensa formadora de opinião, e que sabe tudo sobre democracia não tenha atacado o problema.
-Se privatizar é bom porque as universidades particulares (tirando às pertencentes a igrejas) não estão servindo de referência para às universidades públicas?
-A UNIVERSIDADE PÚBLICA TEM QUE SER DEMOCRAIZADA, TODO ALUNO, NÃO IMPORTA DE QUE ESCOLA SEJA, TEM DIREITO DE AO MENOS SONHAR EM UM DIA FAZER PARTE DO QUADRO DE ALUNOS.
-GENTE QUE É GENTE NÃO TEM NOJO DE GENTE.

    Renato

    Mas me diga como fazer quando o número de vagas em um dos cursos for menor que o número de candidatos?

Baixada Carioca

Estou fazendo uma pesquisa numa escola pública (Nova Iguaçu/RJ) e um depoimento de uma criança de 9 anos é surpreendente. Ela acha que a escola é suja, o banheiro é sujo, as janelas parecem de presídio, não tem refrigeração, não tem brinquedoteca, não tem espaço para brincadeiras, e o que é pior: a professora não as levam para a biblioteca. Leitura em sala de aula só quando sobra tempo (?).

Essa pode ser mais uma criança que vai ter problemas para disputar uma vaga numa Universidade Federal ou Estadual.

Marat

Qualquer dia da semana que se vai à USP, se vêem carrões importados carésimos… são de alunos!

Danilo Morais

No âmbito da própria USP o caminho para combater esta elitização são ações afirmativas, com reserva de vagas para egressos de escolas públicas e, dentre estes, negros e indígenas – como diversas universidades, em todo o Brasil, tem adotado e, em SP, recomendo que observem o modelo da UFSCar. Entretanto, concomitantemente, faz-se urgente uma melhora no ensino público no Estado de SP. O problema é se o povo paulista escolher novamente os tucanos, pois, neste caso, certamente teremos o mais do mesmo tanto na elitização da USP – pois a ingerência do gov tucano na USP é mais do que conhecida -, como também na má qualidade do ensino médio público – com professores sem formação continuada e sub-remunerados, escolas inseguras, aprovação automática….

    Renato

    Ou seja, cotas para quem não tem conhecimento e preparo suficiente.
    Meu amigo, você já presenciou em uma aula de cálculo integral em um curso de exatas numa faculdade, o aluno não conhecer produto notável. Quem é professor de matemática sabe do que eu estou falando, eu estou falando de requisitos de conhecimento.

    Implantar cotas não ataca o problema. Qualidade do ensino nas escolas públicas.

    Renato

    O criador da aprovação automática foi o Professor Paulo Freire, amado pela esquerda e idolatrado em Cuba. Eu prefiro o sistema antigo. Não teve nota de corte para passar, reprova.

Janes Rodriguez

A USP e sua direção, eleita pelo pensamento hegemônico nessa empresarial instituição meritocrática e elitista, segue rigorosamente a linha ideológica predominante no governo de São Paulo há quase vinte anos. USP e demotucanos: tudo a ver. Sutis formas de excluir sem se expor, e tudo em nome da meritocracia, da democracia, da constituição. Assim como o escravismo, tudo que fazem para excluir os pobres, é dentro da lei.

    Léo Costandrade

    Há muito mais de 20 anos, eu diria desde a sua fundação, São Paulo nunca teve um governo pogressista, dos goveranadores biônicos (nomeados pelos presidentes militares) passou diretamente para as mãos dos ultra-direitistas do pós-militarismo e hoje está nas mão fechadas do PSDEMOB.

    edinho

    Este é exatamente o problema. Os reitores todos são unha e carne com os governadores. Mesmo antes desses 16 anos de neo-liberalismo, a situação era ainda pior. Maluf, Quercia, Montoro (o menos pior), Fleury… E não se enganem, UNESP e UNICAMP são farinha do mesmo saco.

Tenysson

Ora quem forma professores para a rede pública no estado de São Paulo??
Agora nem isso a Usp vai fazer

Marlda Oliveira

Azenha, a caótica situação em que se encontra o ensino superior do país, principalmente com relação aos cursos de Administração e de Ciências Jurídicas, os mais atingidos com a excessiva oferta de vagas, muito superior às reais necessidades do País.
Nenhum brasileiro ganhou o prêmio Nobel (Física, Química, Economia, Literatura, Paz e Medicina) ou a medalha Fields (Matemática). Portanto há um descompasso entre a importância econômica, social e cultural do Brasil e as suas efetivas realizações no campo da pesquisa. O que implica na necessária reflexão de como organizar melhor a produção científica brasileira dentro das universidades.
Os bloqueios que impediram o progresso cultural a nosso POVO expresso no link abaixo e peço-lhe que o leia.
Com respeito,
Marilda Oliveira
São Paulo – SP – Brasil
http://brasileafragilrepublica.blogspot.com/2010/

Luiz Octávio

O articulista faz críticas a USP mas, não aponta soluções para o problema.
É claro que a concorrência para as melhores universidades será sempre acirrada e, os alunos oriundos das ecolas particulares terão sempre vantagem. O problema está na qualidade do ensino fundamental e médio das escolas públicas. Enquanto não houver uma atenção prioritária para essas escolas, não haverá solução. Para resolver esta situação, a longo prazo, é necessario atacar o problema na sua base, ou seja, no início do ensino fundamental, na alfabetização. É necessaria a formação especial de professores alfabetizadores, sem os quais não haverá bons alunos no ensino médio. Que retorne as Escolas Normais formando professores especialistas para as séries inciais. O que adiante, hoje, o professor cursar uma universidade (Pedagogia) e não saber tratar a alfabetização.

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