Dia do Fogo de Novo Progresso é apenas a prática do discurso de Bolsonaro

Tempo de leitura: 5 min
Cavalgada Ruralista de Xinguara. Reprodução redes sociais.

Da Redação

Boa parte do estado do Pará faz parte do chamado Arco do Desmatamento.

É onde o agronegócio avança à força, inclusive sobre terras públicas.

O Sistema Geográfico de Informação Fundiário (SIG Fundiário) foi uma iniciativa do Tribunal de Justiça com a Universidade Federal do Pará.

Descobriu:

O SIG Fundiário fez algo inédito, ao integrar bases de dados de órgãos públicos e cartórios e está delineando a real situação fundiária do estado. Os resultados preliminares revelaram 22,7 milhões de hectares (ha) de terras privadas e 18,5 milhões de ha de terras públicas que não existem de fato, porque a soma das áreas registradas em cartórios excede a área total dos municípios.

São as “terras imaginárias” do Pará, devidamente registradas em cartório.

Não é por acaso que três presidentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria tenham sido assassinados (o último deles um petista convertido ao bolsonarismo).

Não é por acaso que a Cavalgada Ruralista de Xinguara é aberta com o desfile dos grandes latifundiários da região, seguidos pela exibição de peões e dos melhores animais — não necessariamente nesta ordem.

Não é por acaso que o massacre de Eldorado dos Carajás, de 1996, tenha sido seguido pelo massacre de Pau D’Arco, em 2017.

A origem é a mesma: injustiça fundiária mantida por milícias privadas ou oficiais (integrantes da Polícia Militar do Pará).

Não é por acaso que o Ibama pede a presença da Força Nacional, composta por PMs que são de fora do Pará, para acompanhar suas incursões.

Foi no dia 5 de agosto deste ano, com cinco dias de antecedência, que a Folha de Novo Progresso anunciou:

Dia do Fogo – Produtores planejam data para queimada na região


Amparados pelas palavras do Presidente Bolsonaro, produtores e/ou criadores da região da BR 163 planejam a data de 10 de Agosto para acender fogos em limpeza de pastos e derrubadas.


O Jornal Folha do Progresso conversou neste fim de semana, com uma das lideranças, elas querem o dia 10 de Agosto para chamar atenção das autoridades que na região o avanço da produção acontece sem apoio do governo, precisamos mostrar para o Presidente que queremos trabalhar e único jeito e derrubando e para formar  e limpar nossas pastagens é com fogo, argumentou.
 O ano de 2019 deve entrar para a história como o período com maior número de queimadas já registradas no Brasil.

Focos

Pesquisamos que em 2018 somente nos dois meses Agosto/Setembro daquele ano, foram 105 mil focos de queimadas, maior número registrado num mês desde o início do monitoramento pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em 1998.

Numero que vai ser superado agora em 2019, alertam os ambientalistas.


Os produtores e entidades ligadas ao setor primário articulam a data do dia 10 de Agosto para incendiar as áreas desmatadas e fazer a limpeza de pastos  alegam que os computadores que fazem as previsões (tempo), no entanto, ainda não são precisos. 

“Eles não conseguem prever bem como, onde e de que vai chover”.

Precisamos queimar antes da chuva que é normal a concorrência no mês de agosto, informou.


Não temos dados precisos sobre o avanço das derrubadas, mas a expectativa que neste ano tenha se batido o recorde em desmatamento na região.

Em 7 de agosto o Ministério Público Federal de Itaituba, no Pará, informou à gerência do Ibama em Santarém, também no Pará, sobre o Dia do Fogo.

Alertou: “A manifestação dos produtores rurais, caso levada a cabo, ensejará sérias infrações ambientais que poderá, até mesmo, fugir ao controle e impedir a identificação da autoria individual, haja vista a perpetração coletiva”.

A denúncia registrada oficialmente não teve consequência.

O Ibama disse ao MPF que não conseguiu apoio da PM do Pará.

Foi um repórter do Globo Rural quem avançou na investigação.

Segundo Ivaci Matias, foi tudo organizado pelo whatsapp:

Dos 246 participantes ativos do grupo “Jornal A Voz da Verdade”, 70 aprovaram os planos do “Dia do Fogo”. Esses 70 formaram outro grupo, criado pelo comerciante Ricardo De Nadai, batizado de “SERTÃO”, uma alusão ao nome de seu estabelecimento comercial (a loja Sertão Agropecuária). O novo grupo ganhou mais 10 membros e fechou com cerca de 80.

O principal objetivo deste segundo grupo (SERTÃO) era incendiar, no dia 10 de agosto, áreas de matas e terras devolutas, fazendo o fogo avançar sobre a Floresta Nacional do Jamanxim, uma reserva de 1,3 milhão de hectares conhecida pela sua rica biodiversidade. A ideia era alcançar a Terra do Meio, área de conflitos agrários na Amazônia.

[…]

No dia 10 de agosto, o “Dia do Fogo”, motoqueiros contratados pelo grupo circularam pelos distritos localizados às margens da BR-163 ateando fogo no capim seco dos acostamentos. Nessa época de seca, a vegetação das margens é combustível fácil. As chamas chegaram a interromper o tráfego da rodovia em vários trechos.

É uma denúncia gravíssima, que requer investigação e punição. O grupo teria contratado motoqueiros e motosseras para tocar fogo e atingir a Floresta Nacional do Jimanxim.

A área protegida é foco de madeireiros que se sentem “autorizados” por Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a desmatar a Flona.

Segundo a Folha de S. Paulo, a região de Novo Progresso teve aumento de 300% nos focos de incêndio em relação ao dia anterior, o Dia do Fogo.

Os grandes focos de queimadas, porém, não ficaram restritos ao Pará, mas se estendem por Rondônia, Acre e paises vizinhos, como a Bolívia e o Peru.

É muito mais do que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, quer fazer parecer, ao focar exclusivamente nos denunciados pelo diário de Novo Progresso.

Trata-se de uma prática anual, que desta vez parece ter sido turbinada, ao menos no Brasil, pelo discurso de Jair Bolsonaro — de que crimes ambientais não teriam consequências.

Agricultores da região normalmente usam as queimadas como o chamado “fertilizante dos pobres”, já que sem custo o fogo estimula algumas propriedades do solo que inicialmente favorecem a produção.

É  muito comum ver fogo nas margens das rodovias da região, sejam asfaltadas ou de terra.

Na região de São Luiz do Tapajós, por exemplo, as florestas das margens do rio estão preservadas, mas o interior está “oco” pela derrubada das árvores para formação de pastos.

Quem quer ampliar o pasto ou abrir área para fazer plantio em geral derruba as árvores, vende a madeira comercialmente valiosa e espera o auge da estação de seca para tocar fogo no mato e madeira.

O frame de um vídeo reproduzido pela BBC no twitter pode ser revelador de uma prática comum na Amazônia, especialmente em áreas extensas de floresta preservada.

Um pequeno fogo de foco pode ser indício de uma nova “ocupação”.

Dada a situação econômica precária de muitos amazônidas, não é incomum que famílias penetrem na floresta usando picadas e queimem uma pequena área para se estabelecer.

Isso em geral acontece em regiões relativamente próximas a rodovias ou seus ramais de terra.

A fase seguinte é a venda da madeira comercialmente aproveitável e a compra de gado com parte do dinheiro resultante.

A Amazônia, em sua imensidão, está longe, muito longe, de ser destruída.

Mas o discurso de Jair Bolsonaro, ao longo de sua carreira política, certamente não ajuda.

A região está sendo dilapidada num ritmo muito superior ao detectado por satélites, já que as maiores atividades econômicas, além da pecuária, da agricultura de subsistência e do agronegócio, são a venda de madeira e a exploração ambientalmente destrutiva do ouro.

Estas duas últimas raramente são detectadas ou denunciadas.

Com Bolsonaro, a destruição tem tudo para continuar avançando, como denunciou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Sem Bolsonaro e sem alternativa econômica, é provável que a destruição vá continuar.


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Comentários

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Zé Maria

https://twitter.com/i/status/1166464413278359553

Finalmente, Jair Bolsonaro
será convidado formalmente
a comparecer em uma Corte…

Na Corte Penal Internacional,
em Haia, na Holanda …

https://t.co/fWyhMWpzce
https://twitter.com/dw_brasil/status/1166433287470026752

Juristas preparam Denúncia contra Bolsonaro por Ecocídio

Ação será apresentada ao Tribunal Penal Internacional.

Advogados argumentam que presidente comete crime contra a humanidade com seu discurso e políticas ambientais que permitem avanço do desmatamento na Amazônia.

27.08.2019 | Reportegem: Laís Modelli | Deutsche Welle (DW)

Diante do avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia,
um grupo de juristas brasileiros prepara desde 23 de agosto
uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro
por Crime Ambiental Contra a Humanidade,
a ser apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI),
em Haia, na Holanda.

Os juristas argumentam que Bolsonaro pode ser responsabilizado pelo aumento dos danos na Amazônia em 2019 devido à demora da resposta contra as queimadas na região e à atual política ambiental do governo. A ação está sendo articulada por especialistas em direitos humanos, direito ambiental e internacional.

O Crime de Ecocídio

Em 2016, uma comunidade de juristas criou o Tribunal Internacional Monsanto para julgar simbolicamente as ações da multinacional de agrotóxicos contra o meio ambiente. Segundo a advogada francesa Valérie Cabanes, esse julgamento concluiu que era necessário reconhecer e incluir o crime de ecocídio no estatuto do TPI por resultar em sérios danos ao planeta.

No caso de Bolsonaro, Cabanes – que coordenou o Tribunal Internacional Monsanto – entende que a postura do presidente fere tanto os direitos humanos como os ambientais, podendo ser enquadrada como um caso de ecocídio.

“Permitir a destruição da Floresta Amazônica tem duplo impacto: local, porque constitui uma violação nos direitos dos povos indígenas que vivem na floresta e que dela dependem tanto para seu sustento como para seu bem-estar físico e espiritual; e há o impacto global, já que a Amazônia fornece oxigênio para o mundo e participa da regulação da temperatura, influenciando o clima mundial e a circulação das correntes oceânicas”, acrescenta Cabanes, que é especialista em direitos humanos.

Porém, sem o reconhecimento de ecocídio como um crime autônomo, Cabanes afirma que Bolsonaro pode ser investigado por crime contra a humanidade pelo TPI e processado somente “se houver uma intenção comprovada por parte do indivíduo de destruir tribos indígenas enquanto grupos étnicos”.

Isso acontece porque, de acordo com o Estatuto do TPI, a qualificação de crime contra a humanidade “exige prova prévia de que uma população civil é alvo de um ataque sistemático ou generalizado, lançado conscientemente e em conformidade com a política de um Estado ou organização”, descreve a jurista.

“Impunidade para madeireiros e fazendeiros”

“Bolsonaro cria deliberadamente uma situação de impunidade para os madeireiros e fazendeiros, em que estes podem lucrar com a Amazônia, iniciar incêndios, grilar terras e cometer assassinatos. Mas é difícil culpar apenas o atual presidente por esse cenário, pois isso vem acontecendo na Amazônia muitos anos antes de ele ser eleito”, diz Cabanes.

Por isso, assim como Machado, ela acredita que a novidade na situação está no discurso e na postura do presidente em relação ao meio ambiente. “Algumas falas de Bolsonaro poderiam ser qualificadas até como um chamado para um genocídio contra as populações amazônicas”, defende a advogada francesa.

“Do mesmo modo, há episódios concretos do governo Bolsonaro, como transferir a responsabilidade pela demarcação e regulação dos territórios indígenas para o Ministério da Agricultura, que se sabe estar sob a notória influência do agronegócio, assim como as tentativas de coibir as sanções aplicadas pelo Ibama e, em junho, o pedido de demissão do diretor do Inpe pelo próprio Bolsonaro depois da divulgação dos dados sobre as queimadas na Amazônia”, exemplifica Cabanes.

Independentemente da inexistência de uma legislação internacional exclusiva para ecocídio, Cabanes alerta que as questões ambientais têm se tornado prioridade para o TPI e que a denúncia tem chances de ser acolhida pelo tribunal.

https://www.dw.com/pt-br/juristas-preparam-den%C3%BAncia-contra-bolsonaro-por-ecoc%C3%ADdio/a-50172603

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