Eduardo Marques: Marolinha versus gripezinha, duas respostas distintas a crises

Tempo de leitura: 4 min
Ricardo Stuckert e Agência Brasil

Marolinha versus gripezinha: crônica da recessão econômica brasileira

por Eduardo Marques*

O ano era 2009. O mundo começava a vivenciar uma enorme crise econômica mundial.

Suas origens, a crise de desconfiança no mercado subprime americano, um segmento do mercado financeiro dos EUA altamente especulativo.

A desconfiança rapidamente se alastrou para outros segmentos do mercado financeiro americano e depois se propagou velozmente para o mundo inteiro.

Resultado: queda generalizada nos preços dos ativos financeiros (ações, títulos da dívida pública e privada, etc.) e nos preços dos ativos reais (imóveis, máquinas, etc.).

Os impactos recessivos sobre o lado real da economia no mundo inteiro foram violentos: queda no consumo das famílias, nos investimentos produtivos privados, no nível de emprego, na renda e na oferta de crédito.

Quebradeira de bancos e empresas no mundo todo.

A imprensa especializada dizia que o Brasil enfrentaria um “tsunami” econômico. E isso de fato ocorreu.

Em 2008 a economia brasileira havia crescido 5,09%. Em 2009 vivemos uma recessão de -0,13%.

No Brasil, o então governo Lula tinha que tomar medidas.

O presidente, ainda em 2009, disse que o “tsunami” econômico não seria sentido no Brasil.

Aqui ele não passaria de uma “marolinha”.

Foi bastante criticado por esta frase, afinal, segundo os especialistas econômicos, Lula estaria menosprezando os impactos da terrível crise econômica.

Na verdade, o governo federal sabia exatamente o que estava acontecendo na economia e o que teria que fazer para que o país reagisse rapidamente.

Com a desconfiança generalizada nos mercados financeiros, os investimentos produtivos foram paralisados, assim como o consumo.

O discurso da “marolinha” servia para não apavorar a população em geral e buscava manter de alguma forma o nível de consumo e a perspectiva dos investimentos privados. Mas só discurso não resolveria.

Em 2009 o governo federal ampliou rapidamente o crédito através dos bancos públicos (BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), reduziu fortemente a taxa de juros básica (de 13,75% no final de 2008 para 8,75% no final de 2009) e ampliou os investimentos públicos (de 3,7% do PIB em 2008 para 4,2% do PIB em 2009).

Também aumentou significativamente o gasto social no país, que passou de aproximadamente R$ 538 bilhões em 2008 para quase R$ 600 bilhões em 2009.

Estas e outras medidas permitiram a rápida retomada dos investimentos e do consumo já no ano seguinte, gerando um crescimento econômico de 7,53% em 2010, a maior taxa anual registrada desde 1985.

Já a crise provocada pela pandemia da covid-19 chegou em 2020.

Para tentar conter a velocidade da contaminação e dar tempo aos sistemas de saúde se preparar para o enfrentamento, o mundo teve que adotar quarentenas e distanciamento social.

Como resultado, queda no nível de produção e consumo em todos os países, provocando uma forte recessão econômica global.

Desta vez, a crise começava no lado real da economia e se propagava para os mercados financeiros, que por sua vez geravam ainda mais instabilidade no sistema.

O governo Bolsonaro, logo no início, preocupado com os efeitos econômicos, propagou a visão de que se tratava de uma “gripezinha”.

Que atingiria muita gente, mas uma pequena parcela teria complicações maiores na saúde.

Buscava, com esta frase, estimular a retomada do consumo e do investimento no Brasil.

Do ponto de vista das estratégias para o enfrentamento desta pandemia, esta postura tem sido um desastre total.

Mais de 120 dias desde o primeiro caso e ainda não existe certeza de quando teremos uma queda expressiva no número de infectados e mortos pela covid-19.

Em pouco mais de 3 meses, já temos quase 70 mil mortos oficialmente pela pandemia.

Do ponto de vista econômico, tão anunciado pelo governo federal, a gestão tem sido outro desastre.

A área econômica não acredita na necessidade de fortes intervenções para a retomada da produção e do consumo.

Na contramão do mundo inteiro, querem deixar a recuperação econômica na conta dos mercados e do “espírito do capitalismo”.

Quando são obrigados a intervir, fazem com grande atraso.

A recessão esperada no Brasil já aponta para uma queda da economia entre 6% e 10% em 2020, a maior da história republicana brasileira.

A taxa de juros básica vem sendo reduzida (de 4,5% no final de 2019 para 2,25% no final de junho de 2020), mas seu impacto nas condições de financiamento da economia tem sido quase nulo.

Por outro lado, os gastos sociais (principalmente com o auxílio financeiro às famílias), demorou cerca de 60 dias para ser aprovado e vem sendo liberado a “conta-gotas”, com filas gigantescas nas portas dos bancos e apagões nos aplicativos bancários.

Devemos lembrar que o governo federal pretendia aprovar um auxílio de apenas R$ 300 para as famílias, valor este que foi dobrado após a discussão no Congresso Nacional.

O crédito, principalmente às micro e pequenas empresas, segue devagar.

Enquanto a crise econômica começou a apresentar seus fortes impactos no Brasil no final de março, o Pronampe (programa de crédito às micro e pequenas empresas) só passou a disponibilizar seus R$ 15,9 bilhões a partir de 10 de junho, sendo que apenas a Caixa Econômica Federal estava autorizada a liberar os recursos no começo de julho.

Como resultado, apenas R$ 3,2 bilhões havia sido liberado para micro e pequenas empresas até o dia 7 de julho (20,1% do total), mais de 100 dias após o início da crise.

A falta de capital de giro vem estrangulando milhões de pequenas empresas, que correm sérios riscos de fechar as portas.

Se os investimentos públicos previstos para 2020 já eram os menores da história, nem mesmo a gigantesca recessão econômica parece alterar o rumo da equipe econômica do governo federal.

O superministro Paulo Guedes, em maio de 2020, anunciava que a saída da crise através do aumento dos investimentos públicos não seria praticada.

Como resultado, assistimos ao derretimento da renda, do emprego e da produção no país a níveis nunca vistos.

Quanto mais renunciam a uma forte intervenção econômica, mais o país terá problemas para superar a maior crise da sua história.

O problema, portanto, não está na “frase de efeito”, mas nas medidas concretas a serem tomadas na economia pelo governo federal, que possui inúmeros instrumentos para isso.

Por enquanto, vamos ficando apenas com esta “super-gripezinha” e sua enorme capacidade em destruir vidas, sonhos, empregos e empresas.

Eduardo Marques é economista formado pela Unicamp, professor de Economia da UniAnchieta e do Instituto Cultiva  e especialista em Gestão e Políticas Públicas pela FESPSP.


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Comentários

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Zé Maria

Inacreditável! Só crianças, porque vi.
A GloboNews acaba de apresentar um deputado federal do PSDB (filho do Cunha Lima) como de ‘oposição’ [SIC].

Esse mesmo deputado votou a favor do teto de gastos – que retirou verbas da Educação e da Saúde – e também a favor da Reforma (sic) Trabalhista – que alterou a CLT suprimindo direitos dos trabalhadores assalariados. Além disso, os parlamentares tucanos, incluindo esse deputado federal da Paraíba, foram favoráveis a todas as propostas do Governo Bolsonaro/Mourão, inclusive a Reforma (sic) da Previdência que prejudicou milhões de Brasileir@s que possivelmente morram antes de se aposentar, deixando as famílias desamparadas.
É muita cara-dura os tucanos se apresentarem convenientemente como oposição, agora que o governo Bolsonaro/Mourão tá batendo biela.

Zé Maria

O Guedes é de um simploriedade fora do comum.
Quer compensar a Liberação de Verba Emergencial
privatizando Patrimônio Público sem critério algum.
Ora, todo o mundo sabe – e é histórico no Brasil – que
a privatização de estatais é um mero tapa-buraco de
curto prazo, que desfalca de ativos o Estado e não
cobre rombo nenhum a longo prazo, se não houver
produção, empregos, salários, consumo, circulação
de mercadorias e tributação direta progressiva, com
altas alíquotas, aos bilionários – pessoas físicas – que
não pagam e nunca pagaram impostos no País.
Sem arrecadação constante e aumento de receitas
inexiste gestão governamental capaz de solucionar
crises econômicas em qualquer lugar do Planeta.

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