Eliara Santana: Mídia, lava jato e a história passada a limpo

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Por Eliara Santana

Lula saindo do velório do neto Arthur Lula da Silva, em 2 março de 2019. Foto: Ricardo Stuckert

LULA, A LAVA JATO E UM PERÍODO QUE PRECISA SER PASSADO A LIMPO

Por Eliara Santana*

Ontem (02-03), com a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, caiu a 24ª e última acusação contra o ex-presidente Lula.

Desde 2016 – quando os grupos de elite decidiram que era necessário interromper a trajetória de ascensão, ainda que tímida, de grupos populares, de governos alinhados a demandas populares, de governos de centro-esquerda no Brasil – Lula e Dilma estavam totalmente na mira.

Primeiro, articulou-se e construiu-se o golpe fantasiado de impeachment, deflagrado pelo posicionamento torpe de Aécio Neves, golpe que destituiu do poder, sem crime de responsabilidade, a primeira mulher eleita presidente da República.

Foi preciso mesmo um malabarismo muito bom para convencer a população de que Dilma, a presidente que instituiu a PEC das domésticas, o Ciência sem Fronteiras e diminuiu na marra os juros bancários dos bancos públicos, fosse corrupta e inapta – inventou-se então a pedalada fiscal, artifício tão ridículo e insustentável que foi necessário construir uma narrativa midiática potente para sustentar o argumento pífio e produzir uma opinião publicizada de apoio.

A mídia, ancorada pela Lava Jato e vice-versa, fez então um trabalho contínuo, intenso, bem estruturado, abusando dos grandes temas crise econômica e corrupção, preenchendo espaços de informação com imagens de canos carcomidos em fundo vermelho e muita grana escoando.

Para enfeitar, patos amarelos, sob os auspícios da maior federação de indústrias do país, situada no berço do Tucanistão, invadiam as avenidas da grande metrópole e faziam dancinhas ridículas embalados pela cantoria “Fora, Dilma; fora, Lula; fora PT”.

Concluído o impeachment, era preciso, então, eliminar qualquer possibilidade de o PT voltar ao poder.

Portanto, era preciso extirpar, tirar de cena o possível candidato Luiz Inácio. E era preciso fazê-lo de modo a não deixar dúvidas de que ele era um mal para o país.

De novo, o conluio mídia e Lava Jato tratou de produzir simbolicamente os “escândalos” e as denúncias de corrupção capazes de criar o inimigo comum a ser combatido pelos cidadãos de bem da grande pátria brasileira. E assim o fizeram.

Da condução coercitiva (04-3-2016) ao vazamento de conversas que incluíam a presidente (16-03-2016), passando pelas várias denúncias de corrupção passiva e tráfico de influência, Lula foi desconstruído como o presidente que tirou milhões de brasileiros da miséria e levou o país a se tornar a sexta economia mundial e reconstruído como um corrupto inimigo da nação.

Foram horas e horas e horas de fundo vermelho, cano carcomido e muito dinheiro saindo pelo cano – a cor vermelha passou a ser um gatilho de ódio. E tudo culminou com o decreto, em 5 de abril de 2018, da prisão de Lula pelo ex-juiz, ex-ministro e ex-opção da terceira via, Sergio Moro.

Parecia que ali estava finalmente resolvida a questão – e a cena final da reportagem do JN de 7 de abril, quando Lula se entrega à polícia política de Moro, com o avião com o ex-presidente sumindo nos céus de Sampa rumo a Curitiba, marcava a tentativa de silenciamento de um período histórico para a reconstrução de outro, mais ao gosto da elite “casa grande e senzala”.

Nesse tempo, Michel Temer, o vice golpista, tentava construir a ponte para o futuro, mas os sinais eram de um passado que não ia agradar os brasileiros – inflação, desemprego, crise de verdade.

Tudo piora, e chega 2018; uma onda avassaladora de desinformação, fake news, falseamento, ressignificação de tudo, ao lado da leniência da mídia corporativa, do judiciário e do apoio financeiro da elite contribuíram para colocar no poder o que havia de pior em termos de civilização – o Brasil elegeu um ogro machista, misógino, incomível, atrelado às milícias.

Um governo embalado por fake news e retrocesso civilizatório, que destruiu tudo o que havia sido construído em termos de políticas públicas, de mínimo estado de bem-estar, que deixou a floresta ser atacada e destruída, que deixou a boiada passar, que deixou o garimpo atacar as populações indígenas, um governo que não comprou vacinas e deixou a população se entupir de remédio pra verme na pandemia.

O Brasil dos tais “cidadãos de bem” se tornou esse país triste, ensimesmado, meio carrancudo, que vê agora seus filhos comendo pé de galinha e morando nas ruas. Passamos a brigar para ter vacina. Passamos a brigar para mostrar às pessoas que remédio pra verme não combate vírus. Retrocedemos muito.

Mas o mar da história é agitado. E o que parecia tão desgraçadamente sem rumo começa a mudar; Lula sai da prisão; o STF reconhece que o juiz, afinal, não tinha condições de julgar; a CPI mostra que o governo de Jair, o incomível, deixou os brasileiros morrerem à míngua na pandemia. E a conspiração do universo age no modo intenso; uma a uma, caem por terra todas as ações contra o ex-presidente Lula. E de alguma forma, apesar de ter de enfrentar uma salada de chuchu, o Brasil volta a ter esperança e já sonha com o churrasco de domingo.

Ontem, quando li a notícia da decisão de Lewandowski, senti uma alegria imensa. E esse resumo é pra sintetizar a alegria e, sobretudo, dizer que não podemos esquecer.

Não tenho rancor, mas acho que precisamos ter memória. Foi um período muito duro, desde 2016.

Mergulhei fundo porque fazia a tese, e era sobre isso, e tinha quase ânsia de vômito a cada reportagem com o cano carcomido. Tinha vontade de gritar ao ver aquela parceria indecente entre mídia e Lava Jato.

Indecente porque marcava com ferro a democracia brasileira, detonava a Petrobras, nossa galinha dos ovos de ouro, estrangulava a tentativa bem tímida de fazer deste país um lugar um pouquinho melhor.

Chegamos a 2022. Seis anos depois do golpe, muita coisa veio à tona. Mas muita coisa está ainda submersa; a Caixa de Pandora foi aberta liberando o que há de pior, não será fácil. A vida quer da gente é coragem. Sigamos, muito atentos.

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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Ibsen Marques

Como sou vegano obviamente gostei do sentido mas não da comparação entre a salada de chuchu e o churrasco. Eu tenho dito que a questão não é vingança ou rancor. Passar a limpo esse passado recente que nos aritmética ainda o presente é ao de justiça. Não é possível deixar que membros do MP e do Judiciário que atentaram contra a justiça permaneçam impunes. Não é possível permitir que a imprensa, na difusa menor de rede globo, se mantenha atuando para, não só desinformar, mas essencialmente para manipular a verdade e a própria realidade. É preciso punição para esses oligarcas da desinformação e éc preciso também uma complementação da legislação que trata das concessões públicas de comunicação e sua responsabilidade pelo que diz e faz. Em nenhum outro campo da vida a liberdade tem sido tão inconsequente. Pra ser absolutamente sincero eu perdi as esperanças porque não vejo nesse tom ultra conciliador do Lula a vontade necessária para que a justiça seja feita.

Zé Maria

https://twitter.com/Metropoles/status/1499859174586474503

“Vou encaminhar um pedido formal de explicação
de viagem do Mamãe Falei [Artur do Val, do Partido Moro]
não afastado até hoje da Alesp.
Além de que, se comprovada a autoria dos áudios, vou pedir
a cassação do seu mandato. Quebra grave de decoro,
além de violência de gênero com as mulheres ucranianas.”
Monica Seixas
Mulher Negra Feminista
Jornalista Ativista Socioambiental
Ecossocialista (conforme ela mesma)
Co-Deputada Estadual (PSoL=SP)
Mandato Coletivo “Mandata Ativista”

https://twitter.com/MonicaSeixas/status/1499872304641327110

Zé Maria

Estão usando, como Pretexto, uma Suposta falta de Fertilizantes ao AgroNegócio para “abrir a porteira” às Mineradoras nas Terras Indígenas Demarcadas.
O Ruralista Madeireiro Minerador Salles agradece. Era tudo o que ele queria.

Horácio Bello

Pato não faltou.

Sergio Carvalho

A mídia não mudou de todo o discurso da corrupção, continuam dizendo que o Lula não foi absolvido, mas sim que os julgamentos foram suspensos por erros técnicos. Para ela não houve Vaza-Jato, não houve Walter Delgatti Neto, não houve perícia da PF que autenticou as gravações dos impostores de Curitiba, não houve o que foi revelado nos julgamentos do STF, eles não admitem que houve em Curitiba um plano bem elaborado, possivelmente com ajuda do Departamento de Justiça americano para impedir que o Lula pudesse ser candidato a presidência. Tenho ouvido da midia afirmações quanto a culpabilidade de Lula, que havia sim corrupção e sobre a não inocência e Lula. Eles sequer admitem que pode ter havido corrupção nos contratos da Petrobras , aliás o que ocorre em quase todas as obras no país e em quase todos os contratos de compra, mas que o Lula não tinha nada a ver com isso e sequer tinha conhecimento e que a LavaJato fez deturpações, manobras e mágicas jurídicas para ligar uma coisa a outra. Hoje mesmo, ouvi na Band FM a Dorrit Harazim e o tal de Megale, falando sobre a corrupção e a suspensão dos processos e dizendo da não inocência de Lula. Eles só são democratas e legalistas quando interessa, no Brasil você só pode ser culpado quando a ação transitar em julgado, mas para eles o Lula é culpado, mesmo que não tenha ação transitada em julgado, mesmo que tenha sido condenado por “fato indeterminado” por um juiz de primeira instância que teve quase todos os seus casos, não só da LavaJato, anulados por tribunais superiores.

    Zé Maria

    Tens razão, prezado Sergio Carvalho.

    Alguns Jornalistas Âncoras Lacaios do Grupo Bandeirantes
    assumiram a Condição de Juízes de Condenação do LULA.

    Os Patifes da Força-Tarefa da LJ de Curitiba Comandados
    por Moro foram desmascarados na Corte Suprema, como
    sendo os Reais Bandidos na Perseguição ao ex-Presidente
    contra quem não há e não houve nenhuma prova sequer.

    Foi com essas atitudes descaradamente Anti-Petistas que
    Veículos desses Grupos da Imprensa-Empresa FasciPaulista,
    junto com a Rede Globo, colaboraram prestimosamente para
    prender LULA e afastá-lo do Pleito Presidencial de 2018, e assim
    eleger o Genocida Bolsonaro o qual hoje cinicamente criticam.

Antonio Carlos

É PRECISO ACABAR COM A IMUNIDADE PARLAMENTAR QUE ACABA TRANSFORMANDO O CONGRESSO EM TERRA DE FUGITIVOS DA JUSTIÇA. IMUNIDADE PARLAMENTAR APENAS PARA O MANDATO E ATIVIDADES VOLTADAS PARA O CARGO EM VIGÊNCIA. E TENHO DITO.

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