Wagner Iglecias: Manifestações foram pela restauração do Antigo Regime

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No Rio de Janeiro (acima) e no interior de São Paulo: intolerância.

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Pela restauração do Antigo Regime

por Wagner Iglecias, especial para o Viomundo

Milhares de pessoas saíram às ruas neste domingo para protestar. Muita gente está farta da corrupção. E esse sentimento é legitimo. Ainda mais quando confrontado com desculpas esfarrapadas do governo de que a roubalheira na Petrobrás vem desde o governo de Fernando Henrique. Oras, qual a surpresa de que a corrupção vem desde os governos tucanos? Nenhuma. O que se esperava é que o PT, que durante anos se apresentou à sociedade como o partido da ética na política, tivesse estancado todo e qualquer esquema existente na empresa, o que não ocorreu.

Mas se muita gente foi às ruas ontem contra a corrupção, talvez uma parcela até maior saiu de casa contra o PT. Porque nas manifestações pouco se viu menção às dezenas ou centenas de denúncias envolvendo outros partidos. E é impossível que em tempos de google alguém ainda não tenha ouvido falar nos escândalos envolvendo diversas legendas, sobretudo as de oposição. Mas que nada: o alvo foi o PT mesmo. E só.

Portanto, se a indignação é seletiva e a corrupção não é bem a razão principal dos protestos, pode-se concluir que a rejeição de alguns setores ao petismo não se dá pelo que ele tem de ruim: a convivência com esquemas de corrupção que já existiam antes da chegada do partido ao poder e a provável criação de outros. Mas sim pelo que o petismo tem de bom: ter sido o melhor administrador que o capitalismo brasileiro já conheceu, incorporando 40 milhões de pessoas ao mercado de consumo e ampliando oportunidades de melhoria de vida a quem sempre esteve marginalizado.

Claramente se levantam no Brasil nestes dias setores e interesses profundamente incomodados com o avanço de quaisquer reformas que ampliem a democracia e o capitalismo de massas em nosso país. São grupos que tentam exercer poder de veto em diversas frentes, da democratização da mídia ao financiamento público de campanhas, da reforma agrária à expansão dos direitos civis a minorias, da reforma urbana à ampliação de mecanismos de participação social na gestão pública, da ascensão social dos mais pobres, que embaralha as posições de status na sociedade, à política externa mais altiva e independente. Para estes setores e interesses trata-se de barrar todas estas mudanças. E o combate à corrupção é o mote. E o fim do governo petista parece ser a meta.

A agenda dos que lideram os protestos contra Dilma não representa um milímetro de avanço na construção de um país mais includente, solidário e democrático. Pelo contrário. São grupos que trabalham pela restauração do nosso Antigo Regime, aquele que nos fez um dos países mais desiguais do mundo. Quase quatrocentos anos de escravidão, somados a uma cultura permanente de arbítrio e ausência de direitos de cidadania, não se apagam do DNA de uma sociedade do dia para a noite. Não seria esse governo moderado do PT, com seu reformismo fraco, que conseguiria faze-lo em apenas doze anos.

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Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

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