Universidade nega apoio a aluno de Jornalismo ameaçado em programa policial
Tempo de leitura: 4 minpor Conceição Lemes
Quem se recorda do caso do estudante do estudante de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), ameaçado no ar pelo apresentador do programa policial da TV Vila Velha, um canal de TV a cabo no Paraná?
O Viomundo denunciou-o aqui há pouco mais de dois meses.
Para quem está chegando agora ou não se lembra bem da história, o apresentador é o Zeca (José Carlos Stachowiak), do Rádio Patrulha 2, ou RP2. O estudante, Lucas Nobuo Waricoda, 20 anos, do segundo ano de Jornalismo. Em texto feito para o blog Crítica de Ponta, que funciona como laboratório da disciplina Crítica da Mídia, ele criticou o conteúdo das notícias policiais veiculadas diariamente no dito programa.
O apresentador não gostou. Em 31 de março, reagiu agressivamente no ar. Atacou o estudante (o vídeo, dividido em duas partes, está aqui e aqui) e insultou a mãe dele. Disse entre outras coisas:
“Vocês jornalistas que acham que são Deus, que nunca fizeram porcaria nenhuma por este país….vocês não fazem bosta nenhuma por este país …e a mamãe como é que tá e o chifre do papai, tá sendo bem polidinho? Então comece a polir…Safado , filho de mãe solteira! isto aqui você vai engolir…posso fazer engolir o computador, normalmente a gente faz engolir papel e prá mim te achar, a partir de amanhã …programa policial já existia antes de a mãe dele sair com o vizinho…você arranjou o pior inimigo agora, eu arrebento com você agora…e eu vou te pegar!
“Foi uma reação desproporcional do apresentador, que revelou total incapacidade de receber críticas, pois o Lucas em nenhum momento foi agressivo”, repudiou à época o professor Sérgio Gadini, da disciplina Crítica de Mídia, que abriga o blog-laboratório da faculdade. “O Crítica de Ponta é um espaço para os alunos se exercitarem na profissão e repensar criticamente a mídia.”
“Uma violência gratuita, uma violação de direitos humanos”, condenou a professora Karina Janz Woitowicz, chefe do Departamento de Comunicação da UEPG. “O apresentador teria dito que faria uma visita surpresa ao curso de Jornalismo.”
QUEIXA CRIME AO MPF E À ANATEL E PROCESSO CRIMINAL
“Só fiquei sabendo em 1º de abril quando o programa foi reprisado”, conta Lucas ao Viomundo. “Inicialmente, fiquei bem assustado. Você não tem noção do quanto é horrível andar pela rua sob risco de levar uma ‘surra’ a qualquer momento. Nunca passou pela minha cabeça que isso pudesse acontecer. Achei que, por ser um programa polêmico, já tivesse recebido outras críticas.”
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O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Paraná saiu logo em defesa do estudante (veja nota aqui).
“Meus colegas e professores reagiram com espanto e repúdio”, continua. “Demonstraram solidariedade com a causa e entenderam que ele não só me ofende, mas ofende o Jornalismo enquanto atividade que deve ser exercida com respeito à ética e aos valores morais.”
Lucas fez boletim de ocorrência (BO).
“Encaminhamos a mesma queixa crime ao Ministério Público Federal (MPF) e à Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]”, revela. “Nela constava aquilo que o apresentador havia feito.”
O MPF de Ponta Grossa instaurou procedimento administrativo para apurar possíveis delitos de injúria e de ameaça cometidos pelo apresentador. A Anatel intimou a TV Vila Velha. Se não tirasse o RP2 do ar, seus transmissores seriam lacrados. O programa saiu da grade e o apresentador demitido. Mas recorreu e já está no ar.
“Abrimos também processo contra o apresentador”, informa . “Alegamos que nos sentimos ofendidos. Eu, pessoalmente, intimidado para sair de casa, por exemplo, com medo medo de ser “pego” na rua.”
O nós a que se refere Lucas são ele e a mãe. “Eu abri processo por causa das ameaças e ameaças”, frisa. “E a minha mãe pelas ofensas que recebeu.”
UNIVERSIDADE: “CASO PERTENCE À ESFERA PRIVADA DO OFENDIDO”
“E a Universidade está te apoiando?”, perguntamos.
A resposta foi seca: “Não”
Os professores do Departamento de Comunicação enviaram ao setor jurídico do UEPG, solicitando inclusive desde medidas de proteção ao Lucas à abertura de processo contra o apresentador e defesa jurídica do estudante.
Em seu parecer, a procuradoria jurídica da UEPG afirma:
…não se vislumbra ataque aos alunos do Curso de Jornalismo da UEPG e muito menos ataque à instituição, posto que o apresentador se refere a ‘alunos de jornalismo’ de forma genérica e também a fala reflete opinião legítima que qualquer um pode ter a respeito de qualquer categoria de profissionais, da mesma forma que todos taxamos os políticos de forma genérica, dos mais diferentes adjetivos.
Diz ainda:
O referido caso, passível de reparação civil e criminal, pertence à esfera privada do ofendido, o mesmo se dizendo quanto aos demais alunos que fizeram comentários em blog e que foram alvo dos mesmos ataques.
Professores e alunos questionaram essa interpretação jurídica da instituição. Em vão.
Lucas é vítima pela segunda vez. Agora da própria Universidade, que, convém lembrar, é pública. A ofensa que sofreu não se restringe à esfera privada, individual. Atinge em cheio o coração de todos os professores e alunos do Departamento de Comunicação da UEPG. Consequentemente, a própria Universidade.
Pense nisso, professor João Carlos Gomes, magnífico reitor da UEPG. Ainda há tempo de apoiar o seu aluno, que não fez nada de errado. Reflita sobre estas questões também:
1) O senhor tem certeza de que o apresentador, ao atacar seu aluno por um texto publicado no blog da disciplina do Departamento de Comunicação, não está agredindo a própria UEPG?
2) O senhor esqueceu que o Lucas é apenas um estudante – está aprendendo! –, e a responsabilidade pelo texto veiculado é do Departamento de Comunicação da UEPG?
3) Como a UEPG espera formar jornalistas de qualidade, que resistam à pressão da profissão, se ela própria não lhe dá apoio numa situação em que ele é a vítima?
4) Ou será que concorda a virulência das ameaças à crítica polida do seu aluno?
5) Que lição Lucas e seus colegas levarão dessa lamentável experiência? Será que não vão achar que é melhor calar a boca em vez de exercer a profissão como se deve, buscando a verdade dos fatos?
6) Será que a UEPG ao negar apoio ao Lucas não está contribuindo para a formação de profissionais acríticos, sem qualquer compromisso com a realidade social?
7) Será que a UEPG vai esperar algo mais grave acontecer a Lucas ou a outro estudante para acordar para o seu papel?
“Não é fácil encarar essas ameaças, mas não há nada que me faça entrar em desespero e abrir mão de buscar e divulgar a verdade”, Lucas ensina. “Essa luta não é só minha, é dos jornalistas brasileiros.”




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