Relato coletivo da violência: “Corram que vamos atirar”

Tempo de leitura: 3 min

Manifestantes cercados e atacados pela Força Policial: democracia, só que não

via Facebook

São quase duas da manhã e estamos aqui, um grupo de nove jovens amigos/as, reunidos/as, agitados/as e não conseguimos dormir antes de denunciar o que vivemos hoje pelas ruas do centro de São Paulo.

Era por volta das 18h quando descemos a Rua Augusta em direção ao Teatro Municipal para a concentração do Quarto Ato contra o aumento das tarifas.

As notícias que circularam durante o dia prenunciavam que a manifestação seria tensa.

Mas, apesar do medo, estávamos leves e confiantes na democracia. Fomos nos incorporando a vários outros companheiros que seguiam para o ato. O que portavam? Flores, vinagre e câmeras fotográficas.

Ao chegar no Teatro, o clima já estava tenso. A forte presença policial contrastava com o desejo de paz da maioria dos manifestantes, evidenciados em falas, gritos pela não violência e em atitudes absolutamente pacíficas.

Seguimos com a multidão, reivindicando a revogação do aumento das tarifas e, mais do que isso, o direito ao transporte público, à cidade e, óbvio, a nos manifestarmos.

Nossa intenção era parar a Paulista, chamar a atenção dos governantes e exigir o diálogo, mas quem parou a Paulista foi a polícia. Poucos metros de caminhada e o choque cercou os manifestantes e realizou a primeira dispersão.

A partir daí éramos vários atos pela região central da cidade. Seguimos com um grupo que subiu a Augusta para tentar chegar a Paulista.

Também fomos cercados, recuamos pela Bela Cintra e também ficamos sem saída. Fomos encurralados até chegar na Consolação.

Vimos um cenário de guerra, vários dos grupos que haviam se dispersado voltaram a se encontrar, mas estávamos cercados pelo choque e pela cavalaria de todos os lados. Todos. Não havia para onde escapar e se proteger.

Muitas bombas e balas de borracha atingiam os manifestantes. O desespero começou a tomar conta. Faltava o ar, os olhos ardiam, medo de perder os companheiros e, principalmente, o sentimento de indignação, humilhação e revolta.

A solidariedade prevaleceu, quem tinha vinagre, oferecia, indicavam caminhos livres, davam as mãos.

Conseguimos correr por uma das ruas. Recuamos. Tinha duas adolescentes conosco, estávamos preocupados, cansados. Precisávamos encontrar um local seguro. Seguimos pelas ruas paralelas à Consolação na região de Higienópolis. E

stava deserta, nos sentimos a salvo. Encontramos mais um pequeno grupo de amigos numa padaria. Um alivio. Tomávamos uma água.

De repente, onde não havia mais aglomeração de manifestantes, mais fumaça, mais barulho, mais bomba. Começamos a correr. Nos separamos dos outros. Nesse momento, éramos apenas nove amigos. Resolvemos caminhar calmamente, não haveria motivo para sermos atacados. Não fazíamos nada de mais. Estávamos enganados.

Uma viatura parou diante de nós. Policiais apontaram a arma e ordenaram: “corram que vamos atirar”. Corremos e eles cumpriram a promessa. Atingiram uma amiga. Nos desesperamos. As ruas estavam desertas, não havia onde entrar. Estávamos sozinhos. Humilhados e indignados pela arbitrariedade, pela violência, pela covardia, gritamos por socorro.

Duas moças passavam de carro, se escandalizaram com a covardia que presenciaram. Pararam o carro e disseram para entrarmos. Nove pessoas num Palio. A solidariedade e o senso de justiça nos salvou. Elas moravam por ali e nos levaram para o apartamento, para ficarmos em segurança até que pudéssemos sair.

Mais amizade, mais solidariedade. Fizemos um pedido de ajuda pelas redes sociais. Precisávamos de dois carros para nos tirar dali em segurança.

Poucos minutos e dezenas de ajuda foram oferecidas. Fizemos e recebemos diversos telefonemas para saber dos outros amigos/as espalhados/as, feridos/as, presos/as.

Havia uma rede de pessoas trocando informação, solidariedade, força. Fomos acolhidos num local seguro, onde passaremos a noite.

Como nos sentimos agora? Humilhados e indignados, sim. Mas não derrotados. O que vimos hoje nos fez ver o tamanho do desafio que temos para consolidar a democracia e também nos fez sentir que somos fortes, somos muitos e somos bons.

Partilhamos de momentos emocionantes de luta, coragem, lucidez. Fomos acolhidos e recebemos imensa solidariedade que alimentaram ainda mais o nosso sentimento de força. Essa rede pode crescer, temos certeza. Não vamos recuar. Enquanto a passagem não baixar, São Paulo vai parar.

Ingrid Evangelista

Juliana Giron

Paolla Menchetti

Rafael Lira

Vanessa Araújo Correia

Vânia Araújo Correia

Victória Satiro

Vitor Hugo Ramos


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

xacal

Afinal, quem são os indignados?

Já dizia o intelectual miolo mole, caetano meloso, em alguns dos seus raros momentos de lucidez: “alguma coisa está fora da ordem”.

Há a algum tempo, li em algum blog, algo que mencionava que os movimentos políticos de contestação deveriam começar nas cidades, nos temas urbanos, dada a quase impossibilidade de impor agendas universais, dada a crise de representatividade na qual o capitalismo mantém sob sequestro a democracia.

Creio que era em uma entrevista do ótimo geógrafo David Harvey, um dos melhores interlocutores do marxismo nos dias de hoje.

Bom, ao enxergar a pauta das manifestações de algumas capitais brasileiras, senão me engano, Rio, SP, Porto Alegre, Maceió, Brasília, Curitiba, Manaus, e BH, está claro que o estopim foi a mobilidade urbana, expressa na questão do preço e da qualidade do transporte público.

É um grande começo, e que possibilita um amplo questionamento dos usos dos orçamentos públicos municipais.

A truculência das forças estatais não deixa dúvidas que os grupos que estão no controle das administrações não hesitarão em sufocar qualquer chance de que a luta política lhes fuja ao controle, sob os métodos tradicionais da disputa.

E pelo que foi mostrado, nem interessa se há no meio gente pouco acostumada a violência policial, comumente destinada aos mais pobres e de cor.

Mas ainda que tenha esperança (afinal, ela é a primeira que adoece, embora seja a última a morrer), tenho certa prevenção a todo este oba-oba com que alguns blogs têm saudado as manifestações juvenis, mormente as de SP, justamente as mais massacradas pela PM.

Não me refiro aos calhordas de sempre, que tentam embarcar no movimento, como forma de contrabandear uma insatisfação onde ela não poderia existir: afinal, há empregos, renda, vagas nas universidades, etc, como nunca houve neste país.

Eu falo dos setores sinceros (porém ingênuos) da (ultra)esquerda e da blogosfera, que parecem observar os jovens em marcha como aqueles pais frustrados que nunca chegaram a protagonistas, ou falharam neste intento, berrando à beira do gramado, com técnicos, juízes e adversários.

É preciso cuidado, muito cuidado, porque paixão demais sufoca, e expectativa demais atrofia.

Movimentos desta natureza são sobrevivem sem grande articulação com outras esferas orgânicas e POLÍTICAS da sociedade, embora todo espontaneísmo inicial, próprio dos hormônios imaturos sejam bem-vindos.

É preciso DIREÇÃO.

Que faltou aos cara-pintadas, que não foram a lugar algum, por exemplo!

Que faltou na Primavera Árabe, engolida e sufocada!

Que faltou ao Occupy Wall Street, transformado em um bando de andrajos em parques pelos EEUU.

Um olhar mais acurado sobre os manifestantes dirá que não se tratam de usuários de ônibus os que estão nas ruas de SP, por exemplo, ao menos, não em sua maioria, o que não os desqualifica, mas nos deixa na boca aquele velho gosto amargo de um vanguardismo classe média, que pretende “iluminar” os pobres e incultos que eles julgam manipulados e domesticados.

É esta gênese autoritária, porém compreensível, destes movimentos que os matam no nascedouro: falta-lhes legitimidade, embora a agenda seja real, ou seja, o transporte público, o uso de dinheiro público em eventos desnecessários, etc, merece atenção e revolta.

Mas não é este pessoal que está nas ruas que mais sofre.

É mais ou menos como uma passeata de meninos e meninas brancos pintados de preto a lutar contra discriminação racial.

Justo, porém inacreditável.

Jorge

Movimento que não tem liderança vira baderna.
É preciso orientação, uma pauta clara a reivindicar, uma lista com itens a serem discutidos, vontade para dialogar, condições para o diálogo, ceder um passo para avançar dois mais tarde.
Quando o movimento é acéfalo, fica fácil infiltrar pessoas dispostas a transformar qualquer manifestação em caos, que sempre interessam a algum grupo em particular.
Manter carros próximos é uma maneira de se proteger.
Sentar no chão ao avanço da polícia é uma tática eficiente.
Virar de costas para a polícia com as mãos erguidas mostra a possível truculência de (prováveis) ações de repressão.
O pânico é o pior inimigo.
O movimento pode até ser legítimo, porém sem cabeças pensantes fica facilmente manipulável.
Faltam líderes.
A CIA e seguidores de suas táticas adoram movimentos sem líderes.
As greves no ABC nos anos 70/80 deveriam servir de manual básico para qualquer movimento que se diz abrangente, nacional. Ali havia líderes. Ali havia UM grande líder.

Julio Silveira

Infelizmente a versão que será vendida na grande mídia não será a dos verdadeiros fatos. Como já percebi até na justificativa da agressão ao repórter fotográfico da Carta Capital, por meia dúzia de recalcados, que por acaso são também policias, em seu ato de desopilação psiquiátrica. Justificado na mídia como motivada pela barbara agressão física do repórter ao capacete de um deles (detalhe sem o policial dentro, o que poderia configurar abandono de propriedade publica). O Brasil está perdido em sua capacidade de discernimento do que é certo e errado. Perdido entre o que deve ser direito e dever, ou como deve ser autoritarismo ou democracia.
Somos um país de governantes despreparados, ou preparados para o arbítrio.

J Souza

Qual a posição das centrais sindicais?
Os trabalhadores estão satisfeitos com o sistema monopolista de transporte público?

Abolicionista

Acabo de saber que um PM tentou abusar de uma garota durante o protesta
E que isso só foi evitado por uma reação de um homem que , revioltado, atirou uma
Pedra no estuprador. PMs tb inadiram um hospital e foram
Enxotados pelos doentes. Segunda estarei ao lado da rapaziada
E levarei comigo todos que conheço, faremos barricadas se for
Preciso, o que está em jogo é nossa humanidade. Acordem

    Jose Mario HRP

    Largo da batata.
    Mas quem for que não se arrisque demais por que há um bando de traíras infiltrados, que vão armar pra caramba!
    E lembrem-se de evitar confronto direto com os coxinhas FDPs, que atiram no rosto de mulheres desprotegidas, como bons covardes!

Jose Mario HRP

Não deve restar dúvidas:
Foi Geraldo Alckimin que ordenou direta e abertamente aos cappos da PM paulista que batessem a vontade na população.
A prova cabal de que não havia descontrole ou indisciplina é que os oficiais diante das cameras tinham nas palavras o reconhecimento de que se não se fizesse o que eles queriam haveria repressão violenta , mesmo contra jornalistas e transeuntes sem nada com a passeata.
Geraldo Alckimin orquestrou a a ação que só não chegou aos limites de mortes por muito pouco, pois os dois jornalista atingidos com balas no rosto poderiam ter seus cérebros perfurados resultando em morte!
Os policiais que atiraram nos jornalistas assumiram o risco de matá-los!
HOUVE TENTATIVA DE MATAR.
Portanto o que se exige é levar a OEA tanto o governador como também todos os fotografados agredindo os jornalistas e eventualmente os que disparam nos olhos dos atingidos.
É certo que aqui com uma justiça tipo Joaquim barbosa, de holofotes e hipocrisias e chilique nada podemos esperar, então só nas cortes internacionais haverá esperança de punir Geraldo, e por omissão Haddad, Cardozo e Dilma!
Uma semana de infâmia e nojo, asco para as pessoas de bem, para os cidadãos e democratas.

Gerson Carneiro

PM covarde disparou balas de borracha na direção de mulher que filmava manifestação da sacada.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=9wq6Xp0K4ZM

Gerson Carneiro

Polícia valente com o povo mas que fica acuada quando o PCC resolve protestar. Quando o manifesto é do PCC essa mesma PM fica entocada nos quartéis cercados de cones.

    Lu Witovisk

    Arrasou Gerson.

    Na minha terra diriamos: um bando de machão de cozinha. Nessas horas, vovô diria: de banheiro! cozinha é muito digna pra esses tipos!

    ps. machão de cozinha é homem que na rua é um capacho, so vira ‘macho’ contra mulheres e crianças.

    LEANDRO

    Toda PM é isso, uma merda…menos a do PT…
    “PM usa bombas de gás para afastar manifestantes de estádio em Brasília”

Dionisio

Parece discurso vazio, mas violência gera violência! Nas duas manifestações anteriores os vândalos promoveram uma onda de ataques ao patrimônio público, impedindo o livre trânsito das pessoas nas principais avenidas, no entanto a PM apenas tentou conter os ânimos dos mais exaltados de forma justa para dispersar os manifestantes, até porque eles tentaram invadir o Terminal D. Pedro II no centro da cidade e incendiar ônibus. No dia de ontem a PM tinha a difícil missão de impedir que os vândalos (Geração Danoninho) tomassem a Av. Paulista como já fizeram, cuja via pública também é utilizada por ambulâncias dos hospitais da região, até porque quem trabalha não é obrigado ficar de 3 a 4 horas parado no trânsito por causa de uma manifestação estúpida de uma minoria fundamentalista, desinformada e radicais sem causa e sem argumentos para o debate no regime democrático. Dizer que a PM deu início ao tumulto generalizado é outra leviandade que só interessa àqueles que ainda não aprenderam respeitar as instituições no que diz respeito aos limites das liberdades individuais e subjetiva, sendo que os moleques deram início ao confronto quando tentaram impedir a circulação de ônibus com pichações, aterrorizando pessoas que deixavam o trabalho naquele momento. Tudo foi transmitido ao vivo por canais de TV e Rádio, com apresentadores babando diante das câmeras para conquistar alguns traços a mais de audiência, por outro lado a PM é rigorosamente treinada e instruída para conter esse tipo de manifestação extremista e generalizada. Portanto, esperar que as tropas fiquem refém de uma minoria covarde e violenta, ou garotos mimados e mal educados é uma grande utopia, incitação a desordem e subversão ao regime democrático.

    wagner paulista de souza

    “..esperar que as tropas fiquem refém de uma minoria covarde e violenta, ou garotos mimados e mal educ …”Concordo com você: as tropas ficaram reféns de provocadores (policiais) à paisana, infiltrados na manifestação. Uma minoria, portanto, oriunda da ….própria polícia. Entendeu, ou quer que se desenhe ?

    Luiz H

    Interessante essa história de direito de ir e vir que os manifestantes estariam supostamente violando. Várias avenidas da cidade são regularmente fechadas para inúmeros eventos: corridas, shows, comícios, passeatas (que não são contra o governo), etc. Ninguém fala em violação de direito de ir e vir. Quando o protesto é contra o governo…

    Luís Carlos

    Você somente defende que a polícia bata nessas pessoas ou também defende que bata em ruralistas que impedem as estradas? Estranho que os ruralistas são tratados com respeito e os manifestantes contra aumento de passagens de ônibus são espancados. Há pura brutalidade, violência explícita d polícia de SP. Polícia recebe ordens. Quem comanda a polícia estadual? Parabéns tucanos, vocês espancam o povo e ainda querem apoio do próprio povo. Está mais do que na hora da população de SP dar o troco e chutar Opus Dei e toda tropa reacionária que manda e desmanda no estado de SP há muitos anos.

Sind-UTE: Decisão de proibir manifestações em Minas viola a Lei Geral da Copa – Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Relato coletivo da violência em SP: “Corram que vamos atirar” […]

Pedro Paiva

Vejam o relato de Moisés Lourenço no Pavablog

http://www.pavablog.com/2013/06/14/v-de-vinagre-um-evangelico-no-protestosp/

Deixe seu comentário

Leia também