Prédio em que ministro de Temer pretendia morar é ponta do iceberg da especulação em Salvador; ACM Neto fez que não viu

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À esquerda, como ficaria o prédio se tivesse 31 pavimentos; à direita, o empreendimento Costa España, que Geddel teria “liberado” junto a ACM Neto

Da Redação, com Bocão News e Câmara Municipal de Salvador

Salvador deve a vereadores da oposição minoritária a “derrubada” do prédio em que o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, ocuparia um apartamento numa região nobre e histórica da capital baiana, a Ladeira da Barra.

Um vereador do PT e um do Psol se destacaram no enfrentamento do projeto: Gilmar Santiago Hilton Coelho.

O prefeito reeleito de Salvador, ACM Neto, conta com uma base aliada de 30 vereadores; 10 formam um bloco de oposição e três atuam de forma independente.

O edifício La Vue — A Vista — teria 31 pavimentos e 97,8 metros de altura e, segundo o vereador petista, citando técnicos, o projeto “impacta, agride e tira a visibilidade de monumentos e áreas tombadas, a exemplo da Igreja de Santo Antônio, o Cemitério dos Ingleses, os fortes de Santo Antônio e Santa Maria, de um lado da ladeira, o Morro Clemente Mariani e o Outeiro de Santo Antônio, do outro”.

Gilmar fez uma das primeiras denúncias públicas sobre o edifício em julho de 2015. Ele alegou que a construção tinha sido autorizada com parecer isolado do coordenador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Salvador, Bruno Tavares.

Bruno, segundo o petista, teria usado o mesmo subterfúgio para aprovar a construção do Cloc Marina Residence, na avenida Contorno — também com vista para o mar — e pela extinção do Escritório Técnico de Licenciamento e Fiscalização (ETELF).

O ETELF é composto por especialistas do IPHAN, do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) e da Secretaria Municipal de Urbanismo (Sucom), que se manifestaram contra a construção do La Vue.

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O ministro Geddel pretendia atropelar os pareceres para ter seu apartamento com vista para o mar, segundo narrou o ministro demissionário da Cultura, Marcelo Calero, em entrevista à Folha de São Paulo.

Os apartamentos do edifício terão 259 metros quadrados e vão custar até R$ 4,5 milhões. A construtora é a Cosbat.

Geddel, de acordo com Calero, fez pressão para que o IPHAN nacional aprovasse a construção do prédio com os 31 pavimentos originalmente planejados.

“Então você me fala, Marcelo, se o assunto está equacionado ou não. Não quero ser surpreendido com uma decisão e ter que pedir a cabeça da presidente do Iphan. Se for o caso eu falo até com o presidente da República”, teria dito o ministro a Calero numa das conversas.

O ministro Geddel já havia se envolvido publicamente na polêmica sobre a construção do La Vue.

Quando as denúncias surgiram na Câmara Municipal de Salvador, ele acusou um banqueiro de estar por trás delas. No tweeter, Geddel escreveu: “o banqueiro Marcos Marianni está assediando vereadores, pois ele se acha o dono da Lad da Barra”.

Dono do banco BBM, Marcos é proprietário de uma mansão na Ladeira da Barra. “Se ele está dizendo que tem assédio, ele precisa provar”, respondeu à época o petista Gilmar Santiago.

Geddel já havia feito lobby em defesa de outro empreendimento imobiliário da Cosbat, este em sociedade com a OAS: residencial Costa Espanã, em Ondina, também com vista para o mar.

Uma troca de mensagens sobre o assunto, entre Geddel e Léo Pinheiro, sócio da OAS, obtida na Operação Lava Jato, é reveladora.

“Não esqueça daquela oportunidade para concluirmos aquela conversa sobre o Costa Espanha. Estou precisando definir aquele tema”, escreveu a Léo Pinheiro o hoje ministro, que preside o PMDB da Bahia e é aliado do prefeito ACM Neto.

Pinheiro, em mensagem enviada a um terceiro, escreveu: “Nosso amigo GVL (Geddel) pede pata vc ligar para Luis. Teve com o baixinho (ACM Neto) e está liberado o Costa Espanha”.

Quando a polêmica do La Vue pipocou, ACM Neto deu entrevista ao blog Bocão News dizendo que a obra era regular: “A prefeitura não iria liberar se não estivesse compatível com a legislação, com o PDDU e a Louos. Mas são tantos empreendimentos que nem tudo passa pelo prefeito”, afirmou então.

O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e a Lei de Ordenamento de Uso e Ocupação do Solo (Louos) de Salvador são motivo de intensa polêmica.

Movimentos sociais da capital baiana denunciam a legislação como racista e higienista:

O novo PDDU de Salvador ficará marcado na história pela subordinação do poder público aos interesses privados. Uma das expressões mais contundentes disso é a incidência de Operações Urbanas Consorciadas em três áreas imensas de Salvador (Centro Antigo, Engenho Velho de Brotas e Suburbana), que, na prática, reservam para o mercado imobiliário áreas cruciais para a identidade de Salvador, territórios negros urbanizados, com características especiais do ponto de vista histórico, cultural e paisagístico. A verticalização da orla também demonstra que o PDDU foi feito para atender aos interesses do mercado.

Ativistas resumiram o impacto da nova legislação em uma frase: “Preto sai, branco fica”.

O vereador Hilton Coelho, um dos que se opuseram à construção do La Vue com 31 pavimentos, reagiu à denúncia contra Geddel feita pelo ex-ministro Calero: “Seguimos em frente exigindo a punição dos responsáveis, a demissão sumária de Geddel e a responsabilização de ACM Neto. Chega de vender nossa cidade!”, escreveu em sua página no Facebook.

O petista Gilmar Santiago quer saber se existem outros famosos que, como Geddel, seriam moradores do prédio: “Na entrevista de Calero, ex-ministro da cultura, ele cita que o ministro Geddel pergunta como vai ficar a situação dele e de outros que compraram apartamentos nos andares superiores ao limite de treze andares definido pelo IPHAN. E eu pergunto, quem são os outros que compraram essas unidades que, assim como Geddel, serão prejudicados? Será que tem alguém famoso que nem ele?”.

A obra foi embargada e o caso de Geddel será analisado pela Comissão de Ética — isso mesmo, Comissão de Ética — da Presidência da República, sob Michel Temer.

O denunciante, ex-ministro Marcelo Calero, será substituído no Ministério da Cultura pelo presidente do PPS, Roberto Freire, que já defendeu obliquamente a extinção da pasta que assume:

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O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) reagiu:

Seria cômico se não fosse um escárnio completo: o novo ministro da Cultura do governo Temer defendeu publicamente que a existência do ministério que irá assumir é irrelevante. Quando a gente imagina que o governo chegou ao fundo do poço, eles dão um jeitinho de cavar mais um pouco.

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