Site De Olho nos Ruralistas identifica os 4.600 maiores desmatadores do Brasil

Tempo de leitura: 7 min
Daniel Dantas, Junqueira Viela e Giovani Pascoal estão entre os 25 maiores desmatadores do Brasil. Ocupam, respectivamente, 2º, 3º e 17º lugar do ranking

A partir de 284 mil multas do Ibama, Leonardo Fuhrmann (à esquerda) e Alceu Luís Castilho, junto Priscilla Arroyo, Maria Lígia Pagenotto e Yago Sales, identificaram um grupo de 4.620 autuados pelo Ibama no período de 25 anos

por Conceição Lemes

De Olho nos Ruralistas é um site jornalístico que fiscaliza o poder político e econômico dos latifundiários.

Existe desde 2016.

A partir de domingo retrasado, 2 de fevereiro, começou uma série de reportagens sobre os maiores desmatadores do País.

A primeira matéria traz um mapa interativo (veja abaixo), que mostra em cada município os maiores multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) na categoria flora.

É a maior pesquisa já realizada sobre as autuações feitas pelo Ibama desde 1995.

São 284 mil multas, que somam R$ 34,8 bilhões. Com correção monetária, um total de R$ 61,5 bilhões.

A partir das 284 mil multas, o De Olho nos Ruralistas identificou um grupo de 4.620 autuados por flora, nesse período de 25 anos, que compõe 70% desse valor: R$ 24,4 bilhões.

E os cem mais? R$ 6,8 bilhões. Ou seja, 20% do total.

E a lista se afunila ainda mais: os 25 líderes do ranking somam R$ 3,59 bilhões. Ou seja, 10,3% do bolo.

São estes os 25 mais autuados pelo Ibama desde 1995:

1) Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – R$ 421 milhões

2) Agropecuária Santa Bárbara, de Daniel Dantas – R$ 323 milhões

3) Antonio José Junqueira Vilela Filho – R$ 280 milhões

4) Siderúrgica Norte Brasil S/A – R$ 272 milhões

5) Sidepar Siderúrgica do Pará S.A. – R$ 258 milhões

6) Gethal-Amazonas S.A. Indústria de Madeira Compensada – R$ 231 milhões

7) Gusa Nordeste S.A. – R$ 202 milhões

8) Agropecuária Vitória Régia S/A – R$ 170 milhões

9) Companhia Siderúrgica do Pará – Cosipar – R$ 157 milhões

10) José Alves de Oliveira – R$ 105 milhões

11) José Carlos Ramos Rodrigues – R$ 101 milhões

12) Fernando Luiz Quagliato – R$ 100 milhões

13) Gilmar Teixeira – R$ 99 milhões

14) Hamex Comércio de Produtos Alimentícios Ltda – R$ 94 milhões

15) Usimar – Usina Siderúrgica de Marabá S/A – R$ 88 milhões

16) Siderúrgica Iberica S/A – R$ 87 milhões

17) Giovany Marcelino Pascoal – R$ 86 milhões

18) Tarley Helvécio Alves – R$ 70 milhões

19) Destilaria Gameleira Sociedade Anônima – R$ 69 milhões

20) Carlos Alberto Mafra Terra – R$ 66 milhões

21) José de Castro Aguiar Filho – R$ 61,8 milhões

22) Líder Ind. e Com. de Carvão Vegetal Ltda EPP – R$ 61,5 milhões

23) Paulo Diniz Cabral da Silva – R$ 61,1 milhões

24) Siderúrgica Alterosa S/A – R$ 60 milhões

25) Jeovah Lago da Silva – R$ 58 milhões

Um trabalho de fôlego, rigoroso, que durou um ano e envolveu cinco jornalistas: Alceu Luís Castilho, Leonardo Fuhrmann, Priscilla Arroyo, Maria Lígia Pagenotto e Yago Sales.


O Mapa das Multas, interativo, foi desenvolvido Rodrigo Correa e Felipe Fogaça. Basta clicar nos locais que os nomes dos multados por desmatamento vão aparecendo

Nós conversamos com o Leonardo Fuhrmann sobre essa pesquisa inédita.

Viomundo – Em Davos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, atribuiu o desmatamento à pobreza. De Olho nos Ruralistas confirma isso?

Leonardo Fuhrmann –– Só dá para atribuir o desmatamento à pobreza se ele considerar banqueiros como o Daniel Dantas e pecuaristas de famílias tradicionais como os Quagliato e os Junqueira Vilela ou os donos de siderúrgicas como sendo pessoas pobres. Não me parece o caso.

O Bolsonaro também falou de uma suposta questão cultural no desmatamento.

Se for uma questão cultural, é da cultura bandeirante ainda arraigada em partes da nossa elite, até porque vários dos maiores desmatadores são de São Paulo ou do Sul do Brasil.

Viomundo – Qual a base de dados que vocês utilizaram para chegar a esses resultados?

Leonardo Fuhrmann — Esses dados são públicos, mas dispersos. Nós os extraímos da seção Consulta de Autuações Ambientais e Embargos, no site do Ibama.

Cada multa, ali, tem a própria história. Muitas prescreveram. Outras, mesmo décadas depois, estão em fase de recursos. Uma fatia menor, 1,42% do total, foi quitada.

Viomundo – Por que o De Olho nos Ruralistas está divulgando esses dados?

Leonardo Fuhrmann – Primeiro, porque são públicos. Segundo, porque permitem entender onde ocorreram os flagrantes por crimes — ou supostos crimes — contra a flora no Brasil, conforme os critérios do Ibama. E quem foram os acusados.

Viomundo – Por que escolheram o período entre 1 de janeiro de 1995 e 31 de outubro de 2019 para realizar a pesquisa?

Leonardo Fuhrmann – Esse período foi escolhido por dois motivos.

Primeiro, porque o Brasil teve uma mesma moeda durante esse período. Os valores apontados no mapa são aqueles do momento da multa, sem correção monetária.

Segundo, porque as autuações milionárias começaram a aparecem somente em 1996. Em 1995, 1997 e 1998 não houve nenhuma multa acima de R$ 1 milhão.

Isso se tornou regra a partir de 1999, diante da aprovação, no ano anterior, da Lei de Crimes Ambientais. Já temos uma geração identificável de mega multados pelo Ibama.

Os dados relativos ao ano de 2019, entre janeiro e outubro, foram baixados em novembro.

As multas aplicadas novembro e dezembro ainda não foram divulgadas pela autarquia.

Em relação aos anos anteriores, de 1995 a 2018, os dados foram baixados em maio de 2019, como forma de unificar a pesquisa.

O nosso mapa se baseia nos dados disponíveis em 2019.

Viomundo – 2020 é por ser divulgada este ano?

Leonardo Fuhrmann – Sim.

Viomundo – Quanto tempo demorou?

Leonardo Fuhrmann — A pesquisa foi iniciada em 2017, desenvolvida em 2018 e consolidada em 2019.

A gente passou um ano organizando as informações e trabalhando com elas.

O banco de dados do Ibama tem duplicidades e nos exigiu muito cuidado. Depois fomos pesquisando quem eram as pessoas, pesquisamos por CPF para evitar homônimos.

E, depois, fomos atrás de informações da Justiça sobre as pessoas, além de pesquisar no noticiário.

Viomundo – Alguma surpresa ou resultados ratificaram o que têm verificado ao longo desses quatro anos de existência do observatório?

Leonardo Fuhrmann –A participação da pecuária já era esperada, mas foi maior do que imaginávamos.

Tem a presença na lista também dos sojeiros, o que confirma a ideia de uma cadeia do desmatamento.

Primeiro, o madeireiro retira as madeiras nobres, depois o pecuarista abre pastagens e, por fim, o sojeiro fecha o ciclo do desmatamento, transformando a área em um latifúndio de monocultura.

Estive em agosto do ano passado na Amazônia e estes ciclos de devastação ficam bem evidentes.

Viomundo – O que levaram em conta para fazer a lista dos mais de 4 mil desmatadores?

Leonardo Fuhrmann — A gente separou os que tinham mais de R$ 1 milhão em multas no mesmo ano. Foi nosso critério inicial.

Depois, começamos a ir atrás de quem tinha reincidência em outros anos.

E, por fim, acrescentamos nos principais desmatadores as multas de outros anos, abaixo de R$ 1 milhão, para ter certeza quais eram os maiores no geral.

Viomundo — Conseguiram contatar todos?

Leonardo Fuhrmann –– Todos, não. Aliás, é importante destacar que nem o próprio Ibama consegue contatar todos eles.

Muitos são notificados várias vezes por Diário Oficial e constam como estando em “lugar incerto”.

Viomundo – A inclusão do nome no Mapa das Multas por desmatamento significa alguma condenação judicial?

Leonardo Fuhrmann — Não.

Viomundo — Dos mais de 4 mil desmatadores, vocês fizeram o ranking dos top 25. Por que o Incra lidera?

Leonardo Fuhrmann — É um ponto importante. A maior parte das multas dadas ao Incra são em regiões de terras públicas tomadas por grileiros.

Como as terras estão em nome do Incra para serem destinadas à reforma agrária, a multa é emitida em nome do órgão.

Um caso clássico é São Félix do Xingu (PA). Aí, a maioria das multas milionárias ao Incra foi aplicada nos últimos anos.

Viomundo – Ocupando o segundo lugar na lista dos desmatadores aparece o banqueiro Daniel Dantas. Considerando que o levantamento de vocês vai de 1995 a 2019, é possível dizer que, mesmo multado, ele continuou desmatando?

Leonardo Fuhrmann — Foram flagrados novos focos de desmatamento depois de várias multas milionárias. A explicação que nos deram é o mesmo argumento usado pelos advogados dele nos processos: que não desmatam e a área estava assim quando compraram.

Mas o nível de reincidência e o baixo percentual de quitação das multas mostram que há uma certeza de impunidade e que os desmatadores continuam agindo sem temer punições.

Viomundo — Entre os 25 maiores desmatadores aparecem também o Junqueira Vilela, o Laudelino Delio Fernandes Neto, envolvido no assassinato da Dorothy Stang, e Giovany Pascoal. O que poderia falar sobre cada um deles? Aparecem pelo nome ou pela empresa? Se sim, qual ou quais?

Leonardo Fuhrmann –As multas ao Junqueira Vilela são no próprio nome. Ele foi alvo de uma operação grande da Polícia Federal nos últimos anos, mas os problemas continuaram os mesmos.

O Giovany Pascoal também não parece ter se comovido muito com o fato de ter sido alvo de uma grande operação da PF.

A multa ao Laudelino foi em nome da Agropecuária Vitória Régia. Ele foi acusado de ter facilitado a fuga de Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, apontado como mandante do assassinato da missionária católica Dorothy Stang em Anapu, no Pará, em 2005.

Ele também foi denunciado pelo MPF por fraudes de mais de R$ 7 milhões na Sudam.

Viomundo – Como reagiram os 25?

Leonardo Fuhrmann — Fomos atrás de todos. Muitos não foram localizados e não temos como citá-los por edital, como faz o Ibama.

As respostas sempre foram se esquivando, empurrando a responsabilidade para outros, mesmo quando há sentenças que confirmam a autoria.

Viomundo — Soube que o Giovany ameaçou vocês. É verdade?

Leonardo Fuhrmann — O senhor Pascoal insistiu muito para vir tratar do tema pessoalmente aqui na redação (rsrsr). Mas acho que foi só porque alguém lhe contou que servimos às visitas café orgânico produzido por uma cooperativa ligada ao MST (rsrsrs). Acabou desistindo.

Os links das reportagens já publicadas da série:

Mapa mostra, por município, os maiores multados por desmatamento nos últimos 25 anos

Multas do Ibama por desmatamento somam R$ 35 bilhões desde 1995; cem maiores do ranking, R$ 7 bilhões

Entre os 25 maiores multados pelo Ibama por desmatamento desde 1995, 24 são reincidentes

Ex-consultor para desmatamento do Reino Unido é o 4º mais multado pelo Ibama em 25 anos  

Carlesse (DEM-TO) é único governador com mandato na lista de multados por desmatamento do Ibama

Maior reincidente em multas do Ibama por desmatamento foi beneficiada pelo BNDES


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Zé Maria

“O Ciclo da Devastação Florestal” no Brasil
Madeireiro -> Pecuarista -> Latifundiário Monocultor Agrícola (Sojeiro)

“Primeiro, o madeireiro retira as madeiras nobres,
depois o pecuarista abre pastagens e, por fim,
o sojeiro fecha o ciclo do desmatamento,
transformando a área em um latifúndio
de monocultura”.

“Estive em agosto do ano passado na Amazônia
e estes ciclos de devastação ficam bem evidentes”

Leonardo Fuhrmann
Jornalista/Pesquisador Sócio-Ambiental,
Co-autor, com Alceu Luís Castilho, Priscilla Arroyo,
Maria Lígia Pagenotto e Yago Sales, da Série de
Reportagens “De Olho nos Desmatadores”
no sítio De Olho Nos Ruralistas (@deolhonoagro)
(https://bit.ly/39qvJCw) (https://t.co/k9gW6eWfyD)
(https://deolhonosruralistas.com.br)

https://maphub.net/deolhonosruralistas/de-olho-nos-desmatadores-multados-acima-de-10-milhoes

“Desde 2015 o valor total de multas por ano diminui.
E também a partir desse ano o desmatamento volta a crescer.
Essa tendência se consolida durante o governo Temer
e acelera durante o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro”

https://twitter.com/deolhonoagro/status/1227241770318041088

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