Juliana Dal Piva: Governo gasta R$ 140,2 mil por mês com assassinos de Rubens Paiva e seus familiares
Tempo de leitura: 2 minGoverno gasta R$ 140,2 mil por mês com assassinos de Rubens Paiva e seus familiares
Os militares foram denunciados pelo MPF (Ministério Público Federal), em 2014, e até agora não foram julgados
Por Juliana Dal Piva, no ICL Notícias
O governo federal gasta todos os meses um total de R$ 59.448,61 mil com pagamentos de salários para dois oficiais do Exército acusados pelo assassinato e ocultação do cadáver do ex-deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971.
Além disso, a União também paga um total de R$ 80.793,40 em pensões para oito familiares de outros três réus apontados pelo homicídio de Paiva que morreram nos últimos anos. Os dois valores somados chegam a um gasto mensal de R$ 140.242,01.
Os militares foram denunciados pelo MPF (Ministério Público Federal), em 2014, mas até o momento não houve julgamento e três deles já morreram.
Os acusados são José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos. Os oficiais foram denunciados por homicídio doloso qualificado, ocultação de cadáver, fraude processual e quadrilha armada, conforme documento de maio de 2014.
Os dois militares acusados pelo crime e que estão vivos são major reformado Jacy Ochsendorf e Souza e o general reformado José Antônio Nogueira Belham. O major recebe R$ 23,4 mil e o general R$ 35,9. Só de gratificação natalina o general recebeu, no ano passado, um total de R$ 17,9 mil.
Os tenentes-coronel Rubens Paim Sampaio e Jurandyr Ochsendorf e Souza, e, ainda, o general reformado Raymundo Ronaldo Campos faleceram depois do início do processo e deixaram oito familiares como pensionistas.
O pagamento, no caso desse grupo, é previsto em lei desde 1960, apesar de ser bastante polêmico e alvo de críticas.
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A Justiça Federal do Rio de Janeiro aceitou a denúncia na época e abriu processo contra eles. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região confirmou a instauração da ação penal em setembro de 2014.
Foi a primeira vez que foi instaurada no Judiciário brasileiro uma ação penal contra militares por um homicídio ocorrido na ditadura militar. No entanto, um recurso dos militares feito ao STF pausou o caso logo depois e ainda aguarda julgamento, dez anos depois.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Comentários
Zé Maria
Excerto Final da Reportagem Histórica Primorosa,
do Jornalista Marcelo Auler*, Sobre os Derradeiros
Dias do Ex-Deputado Federal Trabalhista Cassado,
Rubens Paiva, Assassinado Sob Tortura em 1971
pela Ditadura Militar:
[…]
Em 1986 a versão do enterro de Paiva nas proximidades da praia
da Barra da Tijuca levou o secretário estadual de Polícia Civil do Rio,
Nilo Batista, do governo de Leonel Brizola, a promover uma escavação
em terrenos da região.
Localizaram uma ossada.
Levada ao Instituto Médico Legal verificou-se ser esqueleto de um equino.
O mistério em torno do destino dos restos mortais de Paiva, enterrado
e desenterrado duas vezes, acabou esclarecido em março de 2014
quando, ainda pela CEV-Rio, juntamente com a advogada Nadine Borges,
que chegou a coordenar a Comissão [Estadual da Verdade – Rio de Janeiro
(CEV-Rio)] por alguns meses, conseguimos o depoimento do coronel
reformado do Exército Paulo Malhães, ex-participante do CIE, torturador
e assassino confesso.
Na casa em que ele residia na zona rural do município de Nova Iguaçu,
na Baixada Fluminense, gravamos mais de 10 horas de depoimentos
em duas tardes.
Suas declarações foram transcritas em 249 páginas com as mais diversas
informações sobre fatos relacionados à repressão política.
No Relatório da CEV-Rio, a respeito de Paiva, consta:
“Em 11 de março de 2014, o coronel reformado do exército Paulo Malhães,
torturador e assassino confesso, admitiu ter ajudado a ocultar os restos
mortais do parlamentar.
Segundo seu relato, num primeiro momento o corpo foi enterrado no Alto
da Boa Vista, iniciativa dos militares do DOI-CODI, com a participação do
policial civil Fernando Próspero Gargaglione de Pinho, lotado no chamado
Setor de Diligências Reservadas da polícia Civil do Estado da Guanabara,
que funcionava em um prédio situado no Alto da Boa Vista.
Devido à sua integração com os militares do DOI-CODI e do CIE e do Centro
de Informações da Marinha (CENIMAR), a delegacia serviu à repressão
política.
Pouco tempo depois, militares do DOI-CODI perceberam que uma obra
de calçamento da estrada poderia levar à descoberta do cadáver e
providenciaram seu traslado para um terreno na Barra da Tijuca. Malhães
admitiu ter participado de um segundo desenterro, no terreno da Barra.
O corpo, em estado de putrefação, foi transportado por sua equipe em
um saco impermeável e jogado em um rio, provavelmente o Piabanha,
em Itaipava, região serrana do Rio de Janeiro.
O Piabanha deságua no Rio Paraíba que corre em direção ao Oceano
Atlântico”.
Crimes Contra Humanidade, Crimes Permanentes
Pouco tempo depois do depoimento prestado à CEV-Rio, o coronel
Raymundo foi ouvido pelos procuradores da República Sérgio Gardenghi
Suiama e Antonio do Passo Cabral, que participam do Grupo de Trabalho
Justiça de Transição, encarregado de buscar a punição dos agentes
estatais que violaram os Direitos Humanos.
Os dois, com as procuradoras da República do Rio Tatiana Pollo Flores e
Ana Cláudia de Sales Alencar, o colega de São Paulo Andrey Borges de
Mendonça e o Procurador Regional da República Marlon Alberto Weichert
apresentaram, em maio de 2014, na 4ª Vara Criminal Federal do Rio de
Janeiro denúncia criminal contra os militares pela morte e desaparecimento
de Paiva.
Eles relacionaram nove militares envolvidos no homicídio doloso,
triplamente qualificado:
por motivo torpe;
com emprego de tortura; e
mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Também foram inclusos no crime de formação de quadrilha
para a prática dos Crimes de Lesa-Humanidade tipificados
como sequestros, homicídios e ocultações de cadáver.
A denúncia incidiu apenas sobre os cinco militares que estavam vivos:
o já então general reformado José Antonio Nogueira Belham; os coronéis
reformados Rubens Paim Sampaio e Raymundo Ronaldo Campos; e
os capitães Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza.
O coronel Raymundo e os irmãos Ochsendorf também foram acusados
por fraude processual, por conta da simulação do sequestro no Alto da
Boavista que não ocorreu.
Por já terem falecido, ficaram de fora da denúncia pelo homicídio o
brigadeiro João Paulo Moreira Burnier; o coronel Ney Fernandes Antunes;
o capitão Freddie Perdigão Pereira; e o tenente Antônio Fernando Hughes
de Carvalho.
Também por estarem mortos, deixaram de ser acusados pela formação
de quadrilha o general de Exército Syseno Sarmento (o ex-comandante do
Iº Exército), o tenente coronel José Luiz Coelho Netto, que comandava o
Centro de Inteligência do Exército [CIE]; os majores Ney Mendes (chefe da Secção
de Operações do DOI-CODI) e Francisco Demiurgo Santos Cardoso (Chefe
da Seção de Informações do DOI-CODI), além do tenente coronel Paulo
Malhães, agente do CIE.
Em maio de 2014, a denúncia foi acatada pelo juiz federal Caio Márcio
Gutterres Taranto, da 4ª Vara Federal. Ele ressaltou que “a qualidade de
crimes contra a humanidade do objeto da ação penal obsta a incidência da
prescrição”.
E acrescentou:
“o homicídio qualificado pela prática de tortura, a ocultação do cadáver
(após tortura), a fraude processual para a impunidade (da prática de
tortura) e a formação de quadrilha armada (que incluía tortura em suas
práticas) foram cometidos por agentes do Estado como forma de
perseguição política”.
O advogado Rodrigo Roca, defensor dos militares, questionou o fato de
o MPF buscar no direito internacional justificativa para a denúncia.
Recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região pedindo trancamento
da ação por ausência de competência constitucional da Justiça Federal
para formação de tribunal do júri; a natureza militar dos crimes, que atrairia
a competência da Justiça Militar; e a aplicabilidade da Lei da Anistia, de 1979.
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“Até prisioneiro de guerra tem direito
não podendo simplesmente desaparecer”.
Flávio Dino
Ministro do STF
Em setembro de 2014, a Segunda Turma do TRF2 negou o habeas corpus
para trancar a ação penal.
O relator, desembargador federal Messod Azulay (hoje ministro do STJ),
entendeu que se tratava de crime permanente, ou seja, crime que, em tese,
ainda continua sendo perpetrado porque o corpo não foi localizado.
Fugia assim ao escopo da Lei da Anistia.
No Supremo Tribunal, porém, Rocca teve um resultado melhor.
Em setembro de 2014, o ministro Teori Zavascki reconheceu que “não há
como negar que a decisão reclamada (a denúncia recebida) é incompatível
com o que decidiu esta Suprema Corte no julgamento da ADPF 153, em que
foi afirmada a constitucionalidade da Lei 6.683/79 (Lei de Anistia)”.
A ação foi suspensa.
Mas a defesa também recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) –
Recurso em habeas corpus nº 57.799 (2015/0068683-1).
Nele, inicialmente (abril de 2015) o ministro relator, Gurgel de Farias, negou
a liminar. Mas em dezembro de 2019 a Quinta Turma concedeu a ordem
por unanimidade e trancou a Ação Penal, respaldada no voto do relator
Joel Ilan Paciornik.
O debate em torno do crime permanente de ocultação de cadáver voltou
a ser provocado recentemente junto ao Supremo Tribunal Federal, em
outra ação impetrada pela defesa de militares acusados de tortura.
O ministro Flavio Dino na sua argumentação citou o filme “Ainda estou aqui” ,
cuja atriz Fernanda Torres, acaba de receber o premio Globo de Ouro, por
sua interpretação como a viúva Eunice Paiva:
“No momento presente, o filme “Ainda Estou Aqui” – derivado do livro
de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres (Eunice) –
tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros.
A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais
foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares
de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram
atendidos seus direitos quanto aos familiares desaparecidos.
Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas
como a de Zuzu Angel à procura do seu filho“, diz o voto do ministro.
O assunto, portanto, voltará ao debate na Suprema Corte após o recesso
judicial.
Só dois permanecem aqui
Nesse período de tempo, desde que a Reclamação foi impetrada no STF,
faleceram três dos cinco denunciados: Rubens Paim Sampaio, em 2017,
Jurandyr Ochsendorf e Souza, em 2019, e Raymundo Ronaldo Campos,
em 2020.
Restam vivos José Antonio Nogueira Belham que, mesmo denunciado em 2014, no governo Bolsonaro foi promovido à patente de marechal. Também sobrevive o hoje já major Jaci Ochsendorf e Souza.
Este relato traduz a angústia, mais do que uma família brasileira, de milhares de pessoas anônimas e de diversas camadas sociais que sofreram com os tempos de arbítrio e horror em nome do “combate à subversão”.
No livro Memórias do esquecimento (2012), o jornalista Flávio Tavares – um dos 15 presos políticos libertados em troca do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, antes portanto do assassinato de Rubens Paiva – descreve esse sentimento de horror pelo regime que sustentava na tortura.
“O batalhão triunfante nasceu com o medo e pelo medo. Ao implantar o terror, com ele aterrorizou-se também. A sala de tortura decidiu o triunfo e a derrota numa guerra que praticamente não chegou à guerra. Despojada de beligerância e inchada de violência e horror, selou nossa destruição, mas desfez também todos os valores e princípios de convivência. Assim a tortura destruiu os torturados e aniquilou também os torturadores ao transformá-los de combatentes militares em verdugos, tornando-lhes o mundo incompreensível”.
*Meus agradecimentos públicos aos colegas Lara Sfair e João Baptista Abreu pela grande ajuda na revisão do texto acima e das sugestões de acréscimos e modificações.
Íntegra no Viomundo: https://t.co/XRe359nwqf
“Rubens Paiva, o que o Filme Não Mostrou”
Por MARCELO AULER
https://www.viomundo.com.br/denuncias/marcelo-auler-rubens-paiva-o-que-o-filme-nao-mostrou.html
.
Zé Maria
Deve-se fazer uma Correção:
Não é ‘o Governo que gasta’
É o Estado Brasileiro que,
até hoje, paga os Assassinos
e os Herdeiros da Ditadura.
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