Não tem nada de engraçado: Infiltração de capitão do Exército entre militantes anti-Temer tem ecos da ditadura e do “antiterrorismo” que viola direitos

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por Luiz Carlos Azenha, com Garganta Profunda*

Na manhã de segunda-feira, 3 de setembro, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) participou de entrevista coletiva de repúdio à violência aplicada pela Polícia Militar do governo Alckmin contra protesto anti-Temer no Largo da Batata, zona Oeste de São Paulo.

Teixeira falou sobre a atuação do delegado Fabiano Fonseca Barbeiro, da primeira Delegacia de Investigações Gerais (DEIC) de São Paulo, que pretendia enquadrar e manter presos 26 militantes por associação criminosa e corrupção de menores — com pena de até 5 anos de prisão.

Eles haviam sido detidos “para averiguação” pela PM em dois grupos distintos, nas proximidades do Centro Cultural São Paulo (CCSP), na rua Vergueiro, horas antes da manifestação na avenida Paulista.

O deputado estranhou a insistência do delegado Fabiano na tentativa de indiciamento, já que o policial não conseguia responder a uma pergunta: qual foi o crime?

Segundo Teixeira, o delegado afirmou que vinha estudando o assunto há mais de um ano e que poderia enquadrar os manifestantes por “crime de mera conduta”, o que é bastante subjetivo e permite a uma autoridade do Estado exercer a presunção de culpa, colocando de cabeça para baixo o Direito.

Não há melhor descrição para um Estado policial.

Delegados experientes do DEIC dizem que o departamento tem alguns “maçanetas”, ou seja, aqueles que “servem para abrir portas para os chefes”.

O deputado Teixeira, que havia conversado com os jovens presos, disse que eram todos contrários à violência, que não se conheciam e que não eram adeptos da tática black bloc.

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Contou que uma das jovens carregava material de primeiros socorros para eventualmente socorrer algum manifestante e que um dos presos, que não portava mochila, tinha sido acusado de ter uma barra de ferro — o militante, no entanto, denunciou que o objeto tinha sido plantado por um PM.

A mãe de um dos jovens foi ouvida pela Ponte:

Parentes e amigos negaram que os jovens pretendessem cometer violências no protesto. Um deles, o estudante de jornalismo Felipe Ribeiro, 27 anos, nem pretendia ir à manifestação, segundo a mãe dele. “Meu filho não é uma pessoa interagida com política, não sabe de nada. Nunca foi a uma passeata”, disse Maria Aparecida, 65 anos. Ela conta que Felipe foi ao CCSP fazer uma pesquisa na biblioteca para um trabalho escolar. “Ele foi preso apenas porque estava passando por ali”, disse.

A ESTRANHA CONDUÇÃO ATÉ O DEIC

Responsável pela prisão dos militantes, o soldado Marcelo Adriano Nowacki, da segunda Companhia do sétimo Batalhão da PM, disse que tinha ordens do comando para levar os jovens até o DEIC.

É um procedimento incomum, segundo afirmou o deputado Teixeira em sua entrevista. O Departamento Estadual de Investigações Criminais em geral lida com o crime organizado. Pelos jovens, lá, estava esperando o delegado que, de acordo com o parlamentar petista, “estudava o assunto” do enquadramento de manifestantes há mais de um ano.

O DEIC teve papel destacado na ditadura militar. Foi onde atuou o delegado-torturador Sergio Paranhos Fleury. Fleury, um dos criadores do Esquadrão da Morte em São Paulo, transmitiu aos militares todo o know how da tortura que utilizava no combate ao crime comum, antes que o Exército importasse a “tortura científica” desenvolvida por franceses e norte-americanos nas guerras da Argélia e do Vietnã.

O delegado Fleury organizou uma caixinha para combater a “subversão”, através da qual enriqueceu extorquindo importantes empresários brasileiros. Fleury foi condecorado pelo governo paulista, pelo Exército e pela Marinha. Morreu em circunstâncias estranhas em maio de 1979.

Em depoimento à Comissão da Verdade, a ex-militante Karen Sage denunciou como foi sequestrada, torturada, estuprada e mantida em cárcere privado na sede do DEIC.

O DEIC trocou de nome depois do fim da ditadura. Tornou-se o Departamento de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Depatri). No governo Alckmin, retomou o antigo nome.

O diretor do DEIC, ao qual é subordinado o delegado Fabiano, é Emygdio Machado Neto, empresário do ramo de postos de gasolina. Ele é homem de confiança do delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Youssef Abou Chaim, que atua no ramo da blindagem de veículos e tem negócios com um delator da Operação Lava Jato, conforme noticiou aqui o Viomundo.

Abou Chaim, por sua vez, é homem de confiança do ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, hoje ministro da Justiça do governo Temer.

Em sua entrevista, o deputado Teixeira afirmou ver nexo entre os acontecimentos em São Paulo e a política mais geral do governo Temer na área da segurança pública.

Alexandre de Moraes e o general Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional, são tidos hoje como os organizadores da repressão aos movimentos sociais.

Teixeira, referindo-se à polícia civil paulista, disse que ela tem mais o que fazer do que enquadrar manifestantes por associação criminosa: esclarece apenas 5% dos homicídios que investiga.

De acordo com o petista, o aparato policial está se prestando a cercear a liberdade de expressão e de manifestação e adotando o combate ao “inimigo interno” — a Lei de Segurança Nacional, que deu sustentação à ditadura militar, se baseava na doutrina do enfrentamento ao “inimigo interno” e colocou as polícias políticas e a PM a serviço dele.

No dia seguinte à entrevista de Teixeira, em audiência de custódia, o juiz Rodrigo de Aguirre Tellini Camargo mandou soltar todos os detidos.

“Esse tempo, felizmente, já passou”, escreveu na sentença o magistrado, referindo-se às “prisões para averiguação” da ditadura militar.

Segundo ele, não havia nexo entre os detidos que permitisse enquadrá-los por “associação criminosa”, como pretendia fazer o delegado Fabiano — aquele, que estudava o assunto “há mais de um ano”, segundo o deputado Teixeira.

BALTA, O INFILTRADO

Em sua entrevista, o deputado petista denunciou a suspeita da existência de um infiltrado no grupo de presos em São Paulo, já que um dos detidos havia desaparecido do grupo.

De acordo com a Ponte, trata-se do capitão de inteligência do Exército Willian Pina Botelho, que se apresentou na rede social Tinder como Baltazar Nunes, o Balta, e tinha o objetivo de espionar grupos de esquerda.

Ele formou-se em Ciências Militares na Academia Militar das Agulhas Negras. Serviu em Araguari, Minas Gerais, fez mestrado no Rio de Janeiro e atuava agora em São Paulo.

Na Justiça, o capitão já acionou duas vezes o Banco do Brasil e uma vez a Telefonica — nos três casos por danos morais.

O processo contra a companhia telefônica nasceu do fato de que, ao tentar alugar um apartamento em São Paulo, Willian Pina Botelho estava com o nome sujo no Serasa. Na ação, ele apresenta como seus endereços a avenida Brigadeiro Luis Antonio, 3249 e a rua Turiassu, 1863.

Nas últimas horas, o capitão do Exército se tornou motivo de piada nas redes sociais por posar de agente secreto mostrando a própria foto no Tinder.

A participação dele na repressão à manifestação em São Paulo, no entanto, deixa claro o nexo — oficial ou extra-oficial — entre os governos Alckmin e Temer.

Um capitão da inteligência do Exército aciona a PM, que prende 26 pessoas e não os leva à delegacia mais próxima, mas aciona o DEIC: não, não foi coincidência, nem por acaso…

Nos Estados Unidos, muitas ações antiterroristas tem sido denunciadas pela infiltração de agentes do FBI, que não apenas participam de grupos como estimulam e organizam ações, montando verdadeiras armadilhas para militantes com o objetivo de enredá-los com leis draconianas, conforme denunciou aqui a repórter Heloisa Villela.

Sob a cobertura do “combate ao terrorismo”, calam dissidentes e reprimem organizações que se opõem ao status quo.

*Garganta Profunda é jornalista investigativo com duas décadas de experiência contratado pelos leitores do Viomundo através de crowdfunding.

Leia também:

Como o FBI ajuda a fomentar o terrorismo

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