Mario Scheffer e Caio Rosenthal: Brasil tem tudo para acabar com a Aids

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Ilustração: Unaids

Brasil tem tudo para acabar com a Aids

Por Mario Scheffer e Caio Rosenthal, na Folha de S. Paulo

País com mais de 1 milhão de pessoas vivendo com HIV, o Brasil voltou a registrar boas notícias na luta contra a Aids.

Neste ano houve maior investimento do governo federal, novos medicamentos para o HIV foram incorporados ao Sistema Único de Saude ( SUS) e pacientes poderão diminuir de dois para um a quantidade de comprimidos tomados diariamente, reduzindo efeitos adversos.

O Ministério da Saúde reconheceu enfaticamente que, se a carga viral de uma pessoa em tratamento se mantém indetectável, o vírus não é transmitido nas relações sexuais.

A recomendação agora é iniciar o uso de antirretrovirais no mesmo dia ou, no máximo, uma semana depois do teste positivo.

Interrompida em 2019, foi retomada na rede pública a distribuição de gel lubrificante, que evita o rompimento do preservativo.

A profilaxia pré-exposição (PrEP) está disponível às pessoas em situações de risco aumentado para a infecção, incluindo adolescentes acima de 15 anos.

Também foi recriada a comissão nacional sobre a Aids, com participação de representantes de ONGs e dos mais afetados pela epidemia.

Há muito tempo o Brasil combina camisinha, testagem rápida, indicação de medicamentos antes ou depois do sexo inseguro, prevenção da transmissão durante a gravidez, redução de danos para usuários de drogas e maior atenção a hepatites e sífilis, além do tratamento universal assegurado pelo SUS.

Por que, então, o país dificilmente cumprirá a meta da ONU de eliminar a Aids como problema de saúde pública até o ano de 2030?

Enquanto prevaleciam o discurso da epidemia controlada, a negligência de governos e o desinteresse da mídia, o HIV não dava trégua e interagia com questões geracionais, de identidade sexual e de gênero, classe social e cor da pele.

Ao estigma que alimentou a epidemia nos seus anos mais sombrios somou-se a discriminação contra pessoas e comunidades, que são também aquelas desproporcionalmente atingidas pela Aids.

A descoberta do vírus ainda gera espanto e sofrimento, e o que chamamos de história passada é para muitos uma jornada de sobrevivência.

A atual ofensiva conservadora no Congresso Nacional, assim como foi a pauta moralista durante o governo Jair Bolsonaro (PL), representa ameaça adicional às medidas necessárias para o país dar um salto no controle do HIV.

Das infecções recentes no Brasil, 42% ocorreram em jovens entre 15 e 29 anos, mas as ações de prevenção continuam totalmente inadequadas às tecnologias digitais e aos valores, comportamentos e sexualidade das novas gerações.

Dentre os casos de HIV na gestação, 68% são de mulheres pretas e pardas, flagrante exemplo das falhas de acesso aos serviços de saúde.

O horizonte de acabar com a Aids somente será alcançável quando o Brasil superar as desigualdades que continuam a violar os direitos humanos e minar as oportunidades de vencer o HIV.

*Mario Scheffer é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Caio Rosenthal é médico infectologista do Hospital do Servidor Público Estadual (São Paulo)

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