Eder Gatti e Gerson Salvador, sobre a política brasileira de enfrentamento da covid-19: Exemplo de fracasso

Tempo de leitura: 3 min

 Isolamento social para quem?

por Eder Gatti e Gerson Salvador*

A resposta à pandemia de Covid-19 (coronavírus) no Brasil é um exemplo de fracasso.

Apesar da notada subnotificação, já alcançamos o segundo lugar entre os países com maior número de mortes pela doença ao dia, tendo uma das maiores taxas de letalidade do mundo.

A situação é caótica e a pandemia não apenas desafia o Sistema Único de Saúde (SUS), como também os serviços funerários, com aglomeração de corpos nos hospitais e enterros em valas comuns.

Não há terapias e vacinas específicas para conter a doença.

Nessas condições, só é possível interferir na transmissão dela por meio de medidas de saúde pública: distanciamento físico, isolamento das pessoas infectadas e quarentena.

O meio extremo para garantir o distanciamento é o lockdown (termo em inglês para se referir à restrição do trânsito de pessoas a partir de forças de segurança governamentais), que pode ser necessário em locais com ascensão descontrolada da Covid e falta de capacidade de atendimento dos doentes graves.

Essa condição está dada nas capitais de vários estados, como Amapá, Amazonas, Pará, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Apesar de medidas de distanciamento serem essenciais para diminuir os impactos da pandemia, não é possível implementá-las sem garantir condições básicas de sobrevivência.

Com uma situação de declínio do emprego e aumento da informalidade no país, manter-se em casa pode significar escolher entre se expor à morte como vítimas do coronavírus ou morrer de fome.

O distanciamento não terá a adesão esperada, de 70%, enquanto não existirem condições dignas de sobrevivência em casa, principalmente em comunidades periféricas, onde atualmente se encontram as maiores concentrações de casos e mortes por Covid-19.

Caso não haja uma mudança de paradigma, viveremos num crescente caos social, que se expressará tanto no número de mortes pela doença quanto pelo aumento de pessoas em condição de miséria.

Contra o argumento da falta de recursos para garantir renda às famílias pobres e a sobrevivência das pequenas empresas, pode-se ampliar a arrecadação de impostos para esse fim com a taxação razoável de lucros, heranças e grandes fortunas.

Cabe destacar que o governo federal, frente à crise, não dá suporte aos governadores e prefeitos no sentido de instituir as medidas de distanciamento e, em vez disso, o presidente desdenha a gravidade da doença e estimula as pessoas a circularem.

Jair Bolsonaro também não distribui os recursos já destinados pelo parlamento para o suporte às pessoas em situação de vulnerabilidade.

Essas duas posturas demonstram absoluto desprezo não apenas pela ciência, mas pelas pessoas mais pobres, atuando com uma política que, ao invés de promover saúde, resultará em ainda mais mortes.

Além de viabilizar renda aos mais pobres e atuar em medidas educativas, é preciso que o lockdown aconteça de forma regionalizada, levando em consideração as características de cada local.

Para isso, é preciso ter uma vigilância epidemiológica oportuna e sensível, com o sistema de saúde capaz de atender as pessoas acometidas pelo coronavírus em todos os níveis de atenção, com o monitoramento de quem teve contato com esses doentes, e, ao mesmo tempo, acompanhar a ocupação de leitos nos hospitais, garantindo uma fila única para acesso à terapia intensiva de pacientes vindos do sistema público ou privado.

É fundamental que haja respeito absoluto aos direitos humanos e as medidas de distanciamento devem ser usadas para promover saúde e vida, não como meio de isolar pessoas pobres, que já são cotidianamente privadas de seus direitos elementares e que são, certamente, o grupo social mais impactado pela pandemia.

Eder Gatti é doutor em saúde coletiva e Gerson Salvador, especialista em saúde pública. Ambos são infectologistas e dirigentes do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp)


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