Friedman: Ah, que falta vamos sentir do poder dos Estados Unidos!

Tempo de leitura: 4 min

por Luiz Carlos Azenha

Para salvar os Estados Unidos da bancarrota, o presidente Barack Obama colocou o resgate de Wall Street adiante do resgate de Main Street. Escolheu salvar os bancos, não os empregos. A recuperação econômica baseada em dinheiro público deu o que tinha que dar. Sem empregos, os consumidores — motor da economia dos Estados Unidos — não podem retomar o nível de consumo do passado. Resultado? Cortes de gastos públicos. E de direitos adquiridos.

Vem aí o facão de Obama contra os direitos, como a Previdência Social e o Medicare. O que a direita, com George W. Bush, não conseguiu, Obama fará (quando for reeleito). Meus quase 20 anos de Estados Unidos me ensinaram uma coisa sobre os estadunidenses: a condescendência deles em relação aos não-americanos. Mesmo diante de tempos bicudos, eles agora querem nos convencer de que vamos sofrer muito com a decadência relativa de Washington!

Superbroke, Superfrugal, Superpower?

By THOMAS L. FRIEDMAN

New York Times, September 4, 2010

Em anos recentes, tenho dito continuamente a amigos europeus: Então, vocês não gostavam de um mundo com muito poder americano? Vejam se vocês gostam de um mundo com pouco poder americano, porque isso está chegando a um cinema geopolítico perto de você. Sim, os Estados Unidos sairam de ser o país vitorioso supremo da Segunda Guerra Mundial, com armas e manteiga para todos, para se tornarem um de dois superpoderes durante a guerra fria, para a nação indispensável depois de vencer a guerra fria, para o “Superpoder frugal” de hoje. Acostumem-se a isso. Este é o nosso novo apelido. Os pacifistas estadunidenses não precisam se preocupar com a “escolha de guerras”.  Não vamos promovê-las. Não podemos pagar pela invasão de Granada.

Desde a Grande Recessão de 2008, tornou-se claro que a natureza de ser líder — político ou corporativo — estava mudando nos Estados Unidos. Durante a maior parte do pós-Segunda Guerra, ser líder significou, na média, dar coisas às pessoas. Hoje, e por pelo menos a próxima década, ser líder nos Estados Unidos vai significar tirar as coisas das pessoas.

E não há forma de os líderes dos Estados Unidos, no momento em que precisam tirar as coisas de seus próprios eleitores, não procurarem economizar dinheiro na política externa e nas guerras externas. Política externa e de defesa são indicadores. Muitas outras coisas são cortadas primeiro. Mas os cortes estão a caminho — já dá  para ouvir os alertas do secretário da Defesa Robert Gates. E o superpoder frugal dos Estados Unidos terá efeito em todo o mundo.

“O Superpoder frugal: Liderança global dos Estados Unidos em uma era sem dinheiro” é na verdade o título de um novo livro de meu tutor e amigo Michael Mandelbaum, o expert em política externa da Johns Hopkins. “Em 2008”, nota Mandelbaum, “todas as formas de pensões oferecidas pelo governo e o sistema de saúde (inclusive o Medicaid) constituíam cerca de 4% dos gastos totais dos Estados Unidos”. Em taxas atuais e com a geração do baby boom [filhos dos que se casaram logo depois da Segunda Guerra, quando os soldados voltaram da Europa] começando em breve a fazer retiradas da Previdência Social e do Medicare, até 2050 “eles vão representar cerca de 18% de tudo o que os Estados Unidos produzem”.

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Isso — no topo de todos os custos de salvar o país da recessão — “vai fundalmentalmente transformar a vida pública nos Estados Unidos e portanto a política externa do país”. Nas últimas sete décadas, tanto em questões externas como em política interna, nossa palavra de ordem era ‘mais'”, argumenta Mandelbaum. “O fato definidor da política externa na segunda década do século 21 e adiante será ‘menos'”.

Quando o único superpoder do mundo fica sob o peso de tanta dívida — consigo e com outras nações –, todos vão sentir. Como? Difícil predizer. Mas tudo o que sei é que o papel mais importante que a política externa dos Estados Unidos teve no século passado foi o grau com o qual as forças diplomáticas, navais, aéreas e terrestres dos Estados Unidos prestaram um serviço público global — de manter os mares abertos ao comércio, de contenção e contraterrorismo — que beneficiaram muitos além de nós. O poder dos Estados Unidos tem sido chave para manter a estabilidade global e dar governança global nos últimos 70 anos. Este papel não vai desaparecer, mas com certeza vai encolher.

Outros grandes poderes recuaram antes: a Grã Bretanha, por exemplo. Mas, como nota Mandelbaum, “quando a Grã Bretanha não podia mais providenciar governança global, os Estados Unidos a substituiram. Nenhum país está pronto para substituir os Estados Unidos, assim a perda de paz e prosperidade internacionais tem o potencial de ser maior quando os Estados Unidos fizerem o mesmo que a Grã Bretanha fez”.

Afinal, a Europa é rica mas medrosa. A China é rica nacionalmente mas ainda muito pobre em termos per capita e, assim, continuará focada interna e regionalmente. A Rússia, bêbada no petróleo, pode causar problemas mas não projetar poder. “Assim, o mundo será mais desordeiro e perigoso”, prevê Mandelbaum.

Como mitigar essa tendência? Mandelbaum argumenta por três coisas: Primeiro, precisamos nos colocar de volta no caminho do crescimento sustentável e da reindustrialização, com quaisquer sacrifícios necessários, trabalho duro e o consenso que se requer para isso. Segundo, precisamos definir prioridades. Aproveitamos de um século no qual, na política externa, tivemos tudo o que foi vital e desejável. Por exemplo, eu acredito que com homens e dinheiro infinitos poderemos ser bem sucedidos no Afeganistão. Mas isso é vital? Estou certo de que é desejável, mas é vital? Finalmente, precisamos acertar nosso balanço e enfraquecer o de nossos inimigos, e a melhor forma de fazê-lo em uma tacada é aumentando os impostos sobre a gasolina.

Os Estados Unidos estão próximos de aprender uma dura lição: Você pode emprestar [recursos] no caminho para a prosperidade, no curto prazo; mas não dá para fazer o mesmo com poder geopolítico a longo prazo. Isso requer um motor de crescimento econômico real. E, para nós, o curto prazo acabou. Houve um tempo em que pensar seriamente na política externa dos Estados Unidos não significava pensar seriamente sobre política econômica. Aquele tempo acabou.

Os Estados Unidos pemhorados não terão mais falcões — ou pelo menos nenhum que será levado a sério.

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