
por Wagner Iglecias, especial para o Viomundo
Muita tinta, ou melhor, muita tecla já se gastou desde que começaram as “jornadas de junho”, ou qualquer outro nome que se queira dar às manifestações quase diárias que o país tem assistido nos últimos meses. Não sei você, cara leitora, caro leitor, mas após tantas análises sobre o tema, chamando a atenção para o caráter reacionário, ou revolucionário, ou anarquista, ou niilista, ou seja lá que for, dos jovens que têm ido às ruas protestar, admito que hoje que tenho mais dúvidas sobre o fenômeno do que tinha em junho.
São inúmeras as tentativas de explicação, diversas as motivações para o que temos assistido. Parafraseando um famoso líder político, poderíamos dizer que uma variável explicativa está no fato de que nunca antes na História da Humanidade uma geração mais jovem teve mais informações a sua disposição do que as gerações mais velhas.
O que vão fazer com isso é outra história. Mas que isto deve ser uma explicação importante, deve. Afinal, dado o fato de terem acesso a uma gama de informações maior, e de forma muito mais rápida, não só que seus pais ou avós, mas que todas as formas tradicionais de poder, os jovens da atualidade descreem. Descreem, duvidam, desacreditam da autoridade, do poder constituído de forma tradicional. E quando digo isto nem me refiro, apenas, às estruturas verticalizadas de poder, como o Estado ou a empresa privada. Acho que vai além.
Óbvio que não se pode falar pela juventude em geral, mas uma parcela importante dos jovens de hoje descrê das autoridades como um todo, sejam as mais distantes, oficiais e institucionalizadas, sejam as mais próximas e presentes na vida privada e cotidiana. Estão todas elas na berlinda: a mãe, o pai, o padre, o pastor, o policial, o político, o empresário, o jornalista, o juiz, o médico, o professor.
Ao que parece esta geração está descobrindo que, por trás de cada uma destas representações, há um discurso legitimador. E desconfia inclusive daqueles que supostamente denunciam a existência deste discurso, como eu, que estou tentando fazer isto neste exato momento. Ou como determinadas figuras públicas que vêm tentando fazer o mesmo na arena político-eleitoral, conforme temos visto em vários países do mundo ultimamente.
Muito se recomenda que temos que entender a conexão entre as redes e as ruas. Sim, está certo.
O que se passa hoje nas ruas é em certa medida reflexo da horizontalidade das redes. Aqui, na rede, não há autoridades ou hierarquias. Só há argumento. Quem tentar vencer uma discussão com argumento de autoridade acabará, mais cedo ou mais tarde, sendo trollado.
Essa é a lei de ferro das redes. E a lógica de sociabilidade das novas gerações já é e será cada vez mais esta, a do argumento, do convencimento, da persuasão. Que são um dos dois pilares da manutenção e da legitimidade do poder, conforme nos ensinaram os maiores mestres da Teoria Política há séculos. O outro pilar é a força bruta. As instituições, perplexas diante deste novo mundo em que a juventude vai se tornando protagonista e clama por argumento, reagem com as armas que têm, ou seja, a força.
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Apesar da descartabilidade, da frivolidade e do individualismo que fazem com que parcela considerável da juventude contemporânea vivencie experiências, ideias e relações pessoais da mesma forma instantânea com a qual consomem produtos, há também entre os jovens uma lógica de colaboração, compartilhamento e respeito mútuo que parece estar muito além das promessas oferecidas pelo Mercado, em cujo horizonte os jovens seriam nada além de competidores, consumidores e funcionários, e pelo Estado, sempre disposto a acenar com o braço forte da lei e da ordem.
Os jovens querem dialogar, e a moeda de troca é o bom argumento. Ou, como diria o Professor Tibúrcio, que educou pela televisão grande parte dessa geração, “porque sim não é resposta”.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas da USP e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.
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