
Foto: Elza Fiúza/ABr
por Igor Felippe Santos, especial para o Viomundo
A Folha de S. Paulo faz uma campanha aberta contra a eleição de Nicolás Maduro para a presidência da Venezuela.
O texto “Presidente interino da Venezuela, Nicolás Maduro colecionou deslizes ao tentar emular Chávez” (12/04) é uma demonstração de reportagem editorializada.
Reparem neste trecho:
“O mandatário interino, escolhido pelo antecessor como herdeiro, colecionou deslizes em horas a fio diante das câmeras e não raro constrangeu seguidores ao tentar emular o carismático Chávez com canto, dança e piadas”.
Mandatário é uma expressão que denota autoritarismo. Herdeiro na política remete a uma Monarquia. Deslizes em horas a fio e constrangimento correspondem a ações negativas.
Depois, a repórter diz: “Maduro é favorito segundo as pesquisas de opinião, mas analistas e institutos afirmam que os dias de campanha intensa prejudicaram os números do governista”.
Em seguida, um consultor de um desses institutos de pesquisa nega os prejuízos, ao afirmar que “Maduro cometeu alguns erros, mas não muda significativamente a correlação de forças”.
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Mais interessante ainda é analisar as perguntas da colunista da Folha, Mônica Bergamo, a Maduro (“Maduro no volante”, “Ilustríssima”, 7/4).
Leiam com atenção as perguntas da jornalista da Folha.
1. Como será o chavismo sem Chávez, que era formulador, estrategista e porta-voz do governo?
2. Mas 44% dos venezuelanos, que votaram na oposição nas eleições presidenciais de 2012, não estão de acordo com esse projeto. E se, agora ou no médio prazo, vocês perderem uma eleição?
3. Vocês falam muito de unidade. Mas há vários grupos no chavismo. Não pode ocorrer um racha, como houve com o peronismo na Argentina?
4. Sem a figura incontrastável de Hugo Chávez, haverá alternância na liderança do chavismo?
5. Na Venezuela, canais privados de televisão fazem campanha para o candidato de oposição à Presidência, Henrique Capriles. E canais estatais fazem campanha para o senhor. Os canais públicos são de todos. Não deveriam ser neutros?
6. A Globovisión, emissora privada de oposição, está sendo vendida a um empresário amigo do governo. E assim é possível que quase todos os meios sejam favoráveis ao chavismo.
7. Eles dizem que fizeram de tudo para eleger a oposição a Chávez, o que os levou a uma situação precária.
8. O candidato Capriles diz que não tem acesso às rádios porque as que dão abertura à oposição são perseguidas. Não é importante que as vozes divergentes tenham espaço?
9. Não há um culto à personalidade de Chávez na Venezuela?
10. A chamada “união cívico-militar” é um dos pilares do chavismo. Em um continente como a América Latina, com histórico de golpes militares, não seria melhor que as Forças Armadas estivessem afastadas do processo político?
11. No Brasil é considerado uma grande conquista o fato de as Forças Armadas não interferirem mais na política interna. Por princípio, não seria melhor que na Venezuela elas também estivessem nos quartéis e a disputa política ocorresse somente entre civis?
12. E com forte participação política?
13. O governo do ex-presidente Lula diminuiu a pobreza mas nunca falou em mudar as estruturas capitalistas da sociedade brasileira, como pregava Hugo Chávez na Venezuela. O que o senhor acha de quando colocam o “lulismo” em contraponto ao “chavismo”?
14. Não tem a esquerda boa, com Lula, e a esquerda má?
15. Mas Lula, como eu disse, não fala em mudar o capitalismo.
16. O candidato Capriles diz que o modelo dele é Lula.
17. Ele elogia Lula por combater a pobreza sem mexer no setor privado.
18. No governo Chávez, a presença do Estado avançou. Mas o setor privado ainda representa 58% da economia. Se vitoriosos, vocês vão estatizar mais empresas, mais setores? Até onde vai o que chamam de “socialismo do século 21”?
19. Há lugar então para um setor privado forte?
20. Uma burguesia vinculada fortemente ao Estado?
21. Privado integralmente?
22. Então Cuba é inspiração para o chavismo, mas não o modelo a seguir…. E está se abrindo.
23. Acredita que é possível o socialismo pela via democrática, como Salvador Allende [ex-presidente do Chile que sofreu um golpe militar em 1973] tentou, sem sucesso?
24. Se a Venezuela continuará a ter um setor privado forte, como se chegará então ao socialismo?
25. Quando Chávez morreu, a presidente Dilma Rousseff fez elogios, mas disse que em muitas ocasiões o governo brasileiro não concordou com o da Venezuela.
26. O Banco do Sul, por exemplo, do qual fariam parte os países da América do Sul, não foi aprovado ainda no Congresso brasileiro. Está lento.
27. O Brasil também não integrou a TeleSur [emissora financiada por vários países latino-americanos], o projeto do gasoduto do sul [que ligaria Venezuela, Brasil e Argentina] não andou.
28. E a refinaria Abreu e Lima [parceria da Petrobras com a petroleira venezuelana PDVSA que até agora, por divergências em relação ao financiamento, conta com recursos apenas do Brasil], como está?
29. A economia é considerada uma má herança de Chávez. A inflação é alta. Há um certo nível de desabastecimento, de 20%. E uma dependência muito grande do petróleo. Haverá ajustes no governo? E a inflação? Haverá corte de gastos?
Quase todas as perguntas têm cascas de banana embutidas.
As perguntas tentam arrancar respostas que abram margem para mostrar a fragilidade e divisão das forças que sustentam a Revolução Bolivariana com a morte de Hugo Chávez, a possibilidade de um Golpe de Estado em caso de derrota do PSUV, a ilegitimidade da participação das Forças Armadas no processo, a falta de liberdade de expressão, os problemas na economia venezuelana, as ameaças ao setor privado, críticas ao governo de Cuba, as tensões e diferenças com o presidente Lula e com o Brasil…
De certo, o papel dos jornalistas é questionar os entrevistados. No entanto, entrevistar é mais do que enfrentar o interlocutor, mas discutir temas relevantes para os leitores.
Por exemplo, fazer perguntas sobre as propostas do candidato (o que será a Venezuela daqui pra frente?).
A entrevistadora poderia também fazer um balanço das realizações do governo ao qual Maduro serviu.
Mas não tem nada sobre esses assuntos.
Nada sobre a Venezuela ser o país com menos desigualdade na América Latina, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Nada sobre a Venezuela ser a 4ª maior economia da América Latina, superada somente por Brasil, México e Argentina.
Nada sobre a queda da inflação, que ainda é alta, mas caiu substancialmente em comparação aos governos Andrés Pérez e Rafael Caldeira.
Nada sobre a queda no índice de desemprego, que está abaixo de 10%.
Nada sobre o projeto Gran Misión Vivienda, que construiu 350 mil casas populares, metade das quais edificada em parceria com mutirões de comunidades organizadas.
Nada sobre a erradicação do analfabetismo, que a Venezuela ostenta desde 2006, de acordo com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Nada sobre a Missão Bairro Adentro, que tem foco na atenção de saúde integral e preventiva, e a construção de mais de 7 mil clínicas populares, 600 Centros de Diagnóstico Integral e Salas de Reabilitação Integral e mais de 20 Centros de Alta Tecnologia.
Nada sobre a ampliação do número de médicos a cada 10 mil habitantes, que subiu de 18 para 58.
Nada sobre a queda da taxa de mortalidade infantil, que desabou de 25 para 13 óbitos por mil nascidos vivos, e a garantia de acesso a água potável a 96% da população.
A Folha poderia ter feito uma única pergunta sobre esses temas. Mas não fez nenhuma. No entanto, se deram mal, porque Maduro não caiu em nenhuma das cascas de banana.
A Folha queria dar uma manchete para prejudicar o candidato do PSUV. No entanto, ele derrotou a campanha do jornal dos Frias. E as pesquisas apontam que derrotará novamente no domingo.
PS do autor: Comparem as perguntas da Folha a Maduro com as do Globo ao candidato adversário, Henrique Capriles, em entrevista publicada nesta quinta-feira.
1. O senhor foi derrotado por Chávez em outubro passado, e a oposição perdeu vários governos regionais em dezembro. Sua nova candidatura, porém, despertou muito entusiasmo em pouco tempo. Por quê?
2. Os chavistas que não se sentem representados por Maduro poderiam votar no senhor, ou o mais provável é que aumente a abstenção?
3. Qual é sua opinião sobre Maduro?
4. Alguns países da região manifestaram seu respaldo a Maduro. No Brasil, o ex-presidente Lula gravou um vídeo no qual disse que “Maduro presidente é a Venezuela que Chávez sonhou”.
5. Por que não o surpreende? Realmente não o incomodou?
6. Muitos analistas locais se perguntam o que fariam as Forças Armadas se o senhor derrotasse Maduro nas urnas…
7. Existe risco de violência depois de domingo?
8. Se o senhor vencer, convocará um governo de união nacional, com os chavistas incluídos?
9. O senhor teria o Congresso controlado pelo chavismo e, também, as principais instituições do Estado…
10. E como imagina sua relação com os demais governos da região?
11. O governo atual tem outros fortes aliados, como a Argentina…
As perguntas, um tanto simpáticas, remetem ao otimismo e entusiasmo popular com a campanha de Capriles, ao descompasso de Maduro com o chavismo, à atitude das Forças Armadas diante do resultado das eleições, ao clima de violência no país, ao governo de “união nacional” e as relações internacionais do candidato… E, mais uma vez, houve uma tentativa de obter uma crítica ao ex-presidente Lula.
Nada sobre o golpe de 2002 contra Chávez, sobre os boicotes ao governo por empresários ligados à oposição, sobre a continuidade dos programas sociais do atual governo, sobre a divisão das forças de oposição… Nada sobre qualquer tema que poderia causar algum constrangimento ao candidato.
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