Nelice Pompeu: Não adianta desejar Feliz Dia dos Professores e votar em inimigos da Educação

Tempo de leitura: 4 min
Professora ergue cartaz em protesto durante greve da categoria no Rio de Janeiro Foto: Pablo Vergara

Não adianta desejar Feliz Dia dos Professores e votar em inimigos da Educação

Por Nelice Pompeu*

Hoje é o dia em que muitas homenagens são feitas, mas não podemos romantizar a data.

O 15 de outubro deveria ser sinônimo de reconhecimento e valorização, mas há muito tempo virou um espelho rachado que reflete o cansaço, o adoecimento e o abandono de quem ainda insiste em educar.

A origem da data remonta ao decreto de 15 de outubro de 1827, assinado por Dom Pedro I, que determinava a criação das chamadas “Escolas de Primeiras Letras”.

Mais de um século depois, em 1947, o educador Salomão Becker, em São Paulo, deu início à comemoração que mais tarde se tornaria feriado nacional. Becker ficou marcado por duas frases eternas: “Professor é profissão, educador é vocação” e “Em Educação, não avançar já é retroceder.”

Tristes ironias do tempo. Hoje, retrocedemos e muito.

Não podemos deixar de destacar que a origem do Dia do Professor no Brasil se deve à Professora Antonieta de Barros, jornalista, escritora e primeira deputada negra eleita no país.

Em 1948, ela criou a lei que instituiu a data em Santa Catarina, quinze anos antes do reconhecimento nacional, demonstrando profundo respeito e valorização pelo trabalho dos professores.

Visionária, Antonieta via na educação um instrumento de liberdade e transformação social, e seu legado de coragem, pioneirismo e defesa da igualdade atravessa gerações, lembrando que ensinar é um ato de esperança e resistência.

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Em trinta e cinco anos de magistério, nunca vivi um período tão difícil.

Fiz recentemente uma pergunta nas minhas redes: que conselho você daria a quem está começando agora na carreira docente?

As respostas foram um retrato doloroso da realidade e do tamanho da nossa desesperança: “Saia enquanto é tempo”, “Procure outra área”, “Fuja”, “Se ainda acredita na educação, organize-se para a luta”.

Essa é a fotografia de uma categoria exaurida. Uma profissão que já foi sonho e hoje se tornou sinônimo de resistência cotidiana. O que antes era vocação agora é sobrevivência. Falta ânimo, brilho nos olhos e sobram relatórios, cobranças, violência e medo.

O apagão de professores não é ficção. Ninguém mais quer ser professor. A carreira virou “bico”, refúgio temporário ou última opção. Muitos chegam à sala de aula sem qualquer formação adequada, fruto de um sistema que transformou a docência em mercadoria barata e rápida.

E mesmo entre nós, há os que resistem e aqueles a quem falta consciência de classe. A categoria se fragmenta, enquanto os direitos escorrem pelas mãos. Esquecemos que tudo o que conquistamos veio da luta, porque a luta faz a lei.

Hoje, há professores morrendo dentro das escolas. A professora Silvaneide Monteiro Andrade, em Curitiba, tombou diante de metas absurdas e pressões desumanas. Morreu na sala de coordenação, entre cadernos e relatórios, vítima de um infarto fulminante.

O corpo dela, estendido no chão, é o retrato de um colapso silencioso. A escola virou campo de batalha, a sala dos professores se transformou em muro das lamentações, e o sistema, em uma engrenagem fria que cobra, adoece e descarta.

Eu já alertava: a educação de São Paulo ia feder, e fedeu mesmo.

Desde o início de 2023, denunciei a tragédia anunciada com a chegada de Renato Feder à Secretaria de Educação. Empresário do ramo tecnológico, defensor do ensino privatizado e inimigo declarado dos servidores.

Disse ele: “Não bateu a meta, tchau.” Sob sua gestão, a escola pública foi reduzida a um PowerPoint. A pedagogia virou planilha. A avaliação, punição. Não é coincidência que professores estejam se afastando, exonerando-se, desistindo. É o resultado de uma política de destruição.

Denunciei também o discurso de ódio que tenta transformar o professor em inimigo.

Pedi investigação contra o deputado Eduardo Bolsonaro após comparar docentes a traficantes. Não foi um ato pessoal, mas uma defesa da dignidade da categoria. Quem criminaliza o pensamento crítico, ameaça a própria democracia.

E não bastasse o ataque à liberdade de cátedra, vivemos em São Paulo um cenário de perseguição política. O afastamento de diretores e gestoras é um ataque a toda a categoria. O medo virou instrumento de governo. A pedagogia da opressão venceu o diálogo.

Mas há resistência. O Movimento Escolas em Luta, plural, combativo e comprometido com a formação crítica, tem sido um farol nessa travessia. Informamos, mobilizamos, organizamos formações e oferecemos, de forma gratuita, cursos preparatórios com grandes nomes da educação. É o nosso modo de reafirmar que educar é também um ato de coragem.

Enquanto no Estado e no município de São Paulo prevalece a dobradinha inimiga dos professores, o governo federal segue na contramão, com políticas que valorizam a profissão docente.

A Prova Nacional Docente (PND), por exemplo, surge como resposta concreta ao apagão de professores, tentando reconstruir a ponte entre o sonho e a prática. É pouco ainda, mas é um passo. E passos importam.

Paulo Freire nos ensinou que a esperança não é espera.

“Esperançar é se levantar, é ir atrás, é construir, não desistir.” E é isso que seguimos fazendo, mesmo cansados, mesmo feridos, mesmo com o coração apertado. Esperançar, hoje, é continuar acreditando que o ato de educar é também um ato de transformação. É recusar o silêncio.

O 15 de outubro não deve ser apenas de flores e homenagens. É um dia para refletir, denunciar e resistir.

Porque quem educa não pode ser silenciado, desrespeitado ou descartado. Porque não há futuro sem escola pública. E porque não adianta desejar Feliz Dia dos Professores e votar em inimigos da Educação.

*Nelice Pompeu é professora da rede pública de São Paulo e do Movimento Escolas em Luta.

*Texto atualizado, para incluir as informações referentes à professora Antonieta de Barros, jornalista, escritora e primeira deputada negra eleita no país.

ste artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Comentários

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Zé Maria

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Na realidade, a tal ‘Deforma Adeministrativa’
privilegia este tipo de Relação de Compadrio:

“Coordenador do Grupo de Trabalho (GT)
da Reforma Administrativa, o Deputado
Pedro Paulo (PSD-RJ) tem a Sogra em Cargo Comissionado no Gabinete de um Vereador
no Rio de Janeiro.

Segundo reportagem, a Sogra, em horário comercial, administra as Empresas das quais é Proprietária.

Mas Pedro Paulo diz que a reforma, gestada pelo
presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
(PSD-RJ), vai ‘moralizar’ os serviços públicos, embora
o projeto faça justamente o oposto:
dificulta concursos públicos, reduz salários e ameaça
a estabilidade.

A Sogra, Ângela Márcia de Souza Infante Vieira,
foi nomeada como assistente no gabinete do
Vereador Márcio Ribeiro (PSD) em novembro
de 2024.

O Vereador é Amigo Pessoal e Principal Aliado
de Pedro Paulo na Câmara de Vereadores
do Rio de Janeiro.

Ângela recebe R$ 7,4 mil líquidos mensalmente,
mas não cumpre expediente regular:
a reportagem a encontrou em uma de suas duas
empresas na segunda-feira à tarde, e ela declarou
que não ia à Câmara há cerca de 15 dias.

A reportagem vai além:
mostra que, em 2021, Ângela foi contratada como
coordenadora de um projeto de uma Organização
Não Governamental [ONG], com verba que saiu
de Emenda Parlamentar do Genro e remuneração
de R$ 4 mil mensais brutos.

E não foi apenas a sogra.
A reportagem conta que “a esposa de Pedro Paulo,
Tati Infante, também chegou a ser nomeada, em
5 de janeiro de 2021, no gabinete do vereador
Márcio Ribeiro.
A nomeação, contudo, foi cancelada no mesmo dia,
após ter sido divulgada pela colunista Berenice Seara,
no jornal Extra”.

Por outro lado, em outubro do ano passado, a Filha
do Vereador Márcio Ribeiro, Giovanna Marques Ribeiro,
ainda segundo reportagem inicialmente mencionada
acima, “foi contratada pela ONG ICA em abril de 2024
como ‘Coordenadora de Atividades Educativas’, com
salário de R$ 5.500 por 44 horas semanais de trabalho.
Ela permaneceu na função até abril deste ano, quando
recebeu R$ 13.600 em verbas rescisórias”.

O projeto da ONG foi financiado por Emenda Parlamentar
do Deputado Federal Pedro Paulo.

[Fonte: SINTRAJUFE]
.

Zé Maria

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“Reforma Administrativa Fere Profundamente
o Serviço Público, as Servidoras, os Servidores
e o Direito da População ao Estado Presente”.

Na manhã dessa terça-feira, 14, a diretora do Sintrajufe/RS
Arlene Barcellos, falando em nome da Fenajufe, disse que
a reforma administrativa “fere profundamente o serviço
público, as servidoras, os servidores e o direito da população
ao Estado presente”.

A audiência ocorreu no auditório Nereu Ramos em sessão
conjunta da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e da Comissão de Administração e Serviço Público (CASP)
da Câmara dos Deputados, a partir de requerimentos da
Deputada Ana Pimentel e do Deputado Rogério Correia, ambos do PT de Minas Gerais, e da Deputada Professora
Luciene Cavalcante (PSOL-SP).

Estavam presentes mais de 40 entidades representativas
de diversas categorias do serviço público, além de centrais
sindicais, como a CUT.

Além dos três requerentes, compareceram à audiência as
Deputadas Alice Portugal (PCdoB-BA), Carol Dartora (PT-PR)
e Talíria Petrone (PSOL-RJ) e os Deputados Luiz Gastão (PSD-CE), Chico Alencar (PSOL-RJ), Pedro Uczai (PT-SC),
Tadeu Veneri (PT-PR), Tarcísio Motta (Psol-RJ) e Túlio
Gadêlha (Rede-PE).

A ‘Deforma’ “é, Sim, um Cavalo de Troia”
Arlene afirmou que a reforma administrativa é uma sequência
das Deformas trabalhista, de 2017, e da Previdência,
de 2019;
a primeira fragilizou direitos e vínculos de trabalho e
a segunda restringiu as possibilidades de uma aposentadoria digna.

A reforma administrativa é uma reforma fiscalista, porque
retira dinheiro de investimentos em saúde e educação,
a fim de “economizar” nos serviços públicos e nos servidores
e servidoras para “garantir dinheiro para os super-ricos,
para as elites que vivem à custa da miséria do povo e
de seus serviços sucateados”.

A diretora chamou a atenção para a falta de informações
que envolveu a atuação do grupo de trabalho, resultando
em um texto que foi “praticamente secreto”.

O discurso dos defensores da reforma é que ela acabaria
com privilégios.

“Sim, privilégios têm que acabar”, afirmou Arlene, mas questionou:
“por que os militares não estão incluídos na reforma?

A reforma “é, sim, um cavalo de Troia”, pois, apesar do discurso,
tem alvo: servidores e servidoras e os serviços públicos.

Isso por meio de propostas de avaliações e metas como
critério para tudo, desde concursos até a destinação de
recursos para investimento em infraestrutura, sem
considerar as condições de trabalho, as escolas sem luz
nem banheiro, os hospitais e postos de saúde que atendem
pacientes em corredores lotados, sem estrutura para
um atendimento digno.

Reforma tem “viés puramente
fiscalista, punitivista e autoritário”

O secretário adjunto de Relações de Trabalho
da Central Única dos Trabalhadores (CUT),
Pedro Armengol, criticou a falta de debates
sobre a reforma administrativa, afirmando que
a proposta foi elaborada pela Faria Lima – uma
alusão à região de São Paulo que reúne instituições
do mercado financeiro – não suporta debate de
conteúdo.

Segundo Armengol, “quando observamos quem elaborou
essa proposta e quem a financia, fica evidente que não
se trata de uma proposta para melhorar o serviço público.
É uma proposta com viés puramente fiscalista, punitivista
e autoritário, que visa desmontar o Estado, precarizar
o serviço público e retirar direitos dos servidores”.

O sindicalista afirmou que a reforma é uma farsa,
um falso combate aos privilégios, e ignora projetos
já existentes, inclusive no próprio Congresso, que
tratam de combater super-salários, férias de 60 dias,
entre outros.

“A proposta manipula a opinião pública, fazendo parecer
que o problema do serviço público são esses privilégios,
que, na verdade, são concentrados em uma minoria”,
afirmou.

Além disso, segundo ele, a reforma retira a autonomia
de estados e municípios, “ferindo de morte o pacto
federativo”, com uma lógica de meritocracia extrema
que “amplia as desigualdades, adoece os servidores
e impõe quantidade no lugar da qualidade”.

A reforma representa uma ameaça direta aos
investimentos sociais, tendo como objetivo central
diminuir os investimentos públicos para que sobre
mais dinheiro ao sistema financeiro, disse Armengol.

Segundo ele, movimentos recentes na Câmara comprovam
essa afirmação, a exemplo das emendas parlamentares,
das votações contra a taxação dos super-ricos de impostos.

“Marcha Nacional Contra a Reforma”
No dia 29, as Três Esferas da CUT e a Frente Parlamentar Mista do Serviço Público [FPMSP] realizarão a “Marcha
Nacional do Serviço Público” contra a Reforma Administrativa.

Conforme a CUT Brasil, a Marcha deve marcar “a resistência
contra o desmonte do Estado” e será “um marco da
luta das categorias pela defesa dos direitos e da
valorização do serviço público no Brasil”.

Na audiência pública, Arlene Barcellos e Pedro Armengol
fizeram chamadas para que servidores e servidoras das
três esferas participem da atividade.

[Fonte: SINTRAJUFE]
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Leia também:

“Carta de Hugo Motta sobre ‘Reforma’:
O Cinismo Como Linguagem de Poder”

https://fonasefe.org/carta-de-hugo-motta-sobre-reforma-administrativa-o-cinismo-como-linguagem-de-poder/

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