Antônio David: Resposta de Luciana Genro soa como confissão

Tempo de leitura: 7 min

Luciana Genro

Resposta de Luciana Genro soa como uma confissão

por Antônio David, especial para o Viomundo

A ex-deputada federal pelo PSOL e principal figura pública do partido, Luciana Genro, pretendeu responder às críticas por mim dirigidas a ela em artigo publicado no Viomundo.

Naquela ocasião, critiquei Luciana por conta de seus comentários e tomada de posição nas redes sociais em face da condução coercitiva do ex-presidente Lula, e, de um modo geral, das acusações que este vem sofrendo por parte de certos promotores e delegados, com o apoio ativo da mídia.

Centralmente, argumentei que Luciana, em seus comentários, mostrava ignorar “a diferença entre dirigir uma crítica política a Lula e aplaudir promotores públicos usando seu cargo para incriminá-lo sem provas”.

Argumentei que “defender Lula não é defender suas ideias políticas nem seu governo. Defender Lula nesse momento e nesse caso é defendê-lo de denúncias sem provas”, e que “Luciana poderia tranquilamente ter criticado politicamente Lula e, ao mesmo tempo, tê-lo defendido da perseguição que vem sofrendo”, coisa que ela não fez.

Luciana tentou refutar meus argumentos, mas a emenda saiu pior do que o soneto. Diferentemente dos comentários nas redes sociais, em sua resposta a meu artigo Luciana demonstra não ignorar a diferença entre erros políticos e crimes; no entanto, mesmo não ignorando a diferença, Luciana mantém sua posição em face das acusações contra Lula.

Falsa polêmica

Em sua resposta, publicada também com exclusividade pelo Viomundo, Luciana afirma: “oportunistas são os que dizem ser contra a corrupção, mas acham que se ela for feita pelo PT deve ser tolerada – pois, afinal, a corrupção do PSDB nunca foi investigada”. Nisso Luciana e eu estamos de acordo.

Apoie o VIOMUNDO

Também estamos de acordo quando Luciana afirma “não [haver] dúvida também que [Lula] deve ser investigado”. Que fique claro: investigado, algo bastante diferente de acusado sem provas.

Portanto, essas não são polêmicas, não entre mim e Luciana. Nosso desacordo começa quando o debate sai da esfera política – do abstrato “corrupção feita pelo PT” – e entra na esfera criminal: qual ato de corrupção foi cometido, quando, como, por quê e, sobretudo, por quem? Ou seja, quando se passa da crítica política para a acusação criminal (coisas muito diferentes).

Reconhecimento tardio

O que tem ela a dizer sobre isso, no caso do ex-presidente Lula?

Luciana reconhece que “a condução coercitiva do Lula foi desnecessária, autoritária e pode até ser entendida como ilegal”. Lamentavelmente, no dia 4 de março Luciana absteve-se de dizer isso.

Não haveria problema se seus comentários nas redes sociais não tivessem tido como motivação imediata a condução coercitiva de Lula, ocorrida naquele dia. Pior, naquela ocasião, Luciana demonstrou apoiar o que, hoje, ela própria reconhece como desnecessária, autoritária e talvez “ilegal”.

“Lula foi tratado com dignidade pelos policiais”

Em face do autoritarismo e da possível ilegalidade da ação, Luciana afirma: “isso, entretanto, não é novidade no Brasil. Pessoas presas sem julgamento são 30% da massa carcerária do país. Lula não foi preso, e foi tratado com dignidade pelos policiais, coisa que não acontece com os acusados pobres”.

Não há dúvida sobre a situação da imensa maioria dos detentos no Brasil. Mas onde Luciana quer chegar ao fazer essa comparação? A não ser que comecemos a raciocinar em termos de autoritarismo digno e ilegalidade digna – o que seria esdrúxulo -, o fato de Lula não ter sido torturado em nada diminui o autoritarismo e ilegalidade da ação.

Se é verdade que os detentos, em sua maioria, são constantemente submetidos a tortura física, Lula está sendo acusado sem provas por motivação político-partidária (prejudicar o governo e o PT) e político-eleitoral (tirar Lula do caminho em 2018), aqueles não. Portanto, são situações diferentes. “O problema não é só com o Lula”, mas se trata de outro problema.

Que conclusão podemos tirar? Compete à esquerda, assim penso, enfrentar ambos os problemas, entendendo bem a diferença entre um e outro. Agora, evocar um com o propósito de abster-se de enfrentar o outro, e para coroar lançar mão do argumento de que “Lula foi tratado com dignidade pelos policiais”, é uma grande incoerência.

E mesmo que se discorde do argumento de que entre uma e outra situações não há diferença, ainda assim a atitude de Luciana é incoerente. Afinal, se Luciana de fato “[tem] lutado muito pelo amplo direito a defesa como advogada criminal, coisa que os acusados pobres não têm e nunca tiveram de fato”, por que deveria ser diferente com Lula?

Presunção de culpa

Para Luciana, deveria. E aqui entra a parte mais extravagante de seu argumento.

Luciana argumenta: “se Lula cometeu ou não diretamente o crime de corrupção, ainda está por ser provado” (o destaque é meu).

A ex-candidata à presidência pelo PSOL poderia ter afirmado não haver provas contra Lula, como poderia ter afirmado – como os promotores estaduais e federais têm feito – haver provas contra Lula. Todavia, ela resolveu empregar a curiosa expressão “ainda está por ser provado”.

Afinal, “ainda está por ser provado” significa o quê exatamente? Há provas ou não há provas? A pergunta não é pouco relevante. É central. Se há provas, cabe acusar; se não há provas, não cabe acusar. No entanto, Lula está sendo acusado.

A expressão empregada por Luciana não é inofensiva. Quando dizemos que algo ainda está por ser feito, queremos induzir nosso interlocutor a crer que esse algo será feito. Quando empregamos essa expressão, não dizemos explicitamente que algo “será feito”; nós o dizemos implicitamente. Ora, se “o crime” cometido por Lula “ainda está por ser provado”, implicitamente é dito que ele será provado.

Se Luciana teve ou não a intensão de induzir o leitor a assim pensar, o fato é que ela o fez. Com esse dispositivo retórico, a presunção da inocência é sutilmente substituída pela presunção da culpa. Para uma advogada criminal que “[tem] lutado muito pelo amplo direito a defesa”, é um deslize imperdoável.

Malabarismos argumentativos

Contra tudo o que ela própria diz, Luciana ainda tenta convencer o leitor de que ela luta contra a arbitrariedade, mesmo para Lula: “o que ocorre é que as elites políticas e econômicas estão sendo vitimas, na operação Lava Jato, do mesmo tipo de sistema penal que a maioria do povo já conhece há tempos. Eu luto contra isso, e não só para o Lula, mas para todos” (o destaque é meu). Para bom entendedor da língua portuguesa, “não só para o Lula” significa “também para o Lula”.

Todavia, logo na sequência, Luciana entra em contradição com o que ela acabara de dizer: “Mas ser contra este tipo de tratamento aos acusados não significa defender o Lula”. Por que não, se ela própria diz “não só para o Lula” e se ela própria reconhece não haver provas contra ele? (É que, como vimos, a convicção de que “as provas ainda estão por vir” exclui a presunção da inocência para, em seu lugar, introduzir a presunção da culpa).

Mais adiante, Luciana volta atrás e afirma: “o direito à ampla defesa de Lula deve ser garantido. E devemos criticar qualquer excesso, como devem ser criticados todos os excessos que são cometidos contra qualquer acusado”.

Note-se que foi exatamente isso o que eu disse em meu anterior artigo: “Qualquer um, seja de que partido for, merece ser defendido quando for alvo de perseguição política, sobretudo quando a perseguição vem disfarçada de crimes tipificados no código penal”.

Luciana sustenta que “o direito à ampla defesa de Lula deve ser garantido”. Só faltou ela dizer se, para ela, o direito à ampla defesa de Lula está de fato sendo garantido, ou se, inversamente, esse direito está sendo sistematicamente violado. Como Luciana não quer defender Lula, melhor é abster-se de entrar na polêmica.

Que conclusão podemos tirar dos malabarismos argumentativos de Luciana? Ou bem ela pretende ao mesmo tempo defender e não defender Lula, ou bem ela pretende defender todos contra as arbitrariedades do nosso sistema penal, menos Lula. Ou seja, ou bem se trata de contradição, ou bem se trata de incoerência.

Qual alternativa?

Como explicar tamanha extravagância e tais malabarismos?

A chave para entender a atitude de Luciana reside na frase final de sua resposta: “Por isso temos que construir uma alternativa. /…/ E não será defendendo um líder sustentado pelas empreiteiras corruptas que vamos conseguir por de pé esta alternativa”.

Luciana faz-se aqui de desentendida, pois ninguém reivindicou de Luciana que ela defendesse um “líder sustentado pelas empreiteiras corruptas”. Isso – “ser sustentado por empreiteiras corruptas” – é um equívoco político da maior grandeza, e não há dúvida de que Lula não só não deve ser defendido por isso, como deve ser criticado.

Ocorre que “ser sustentado por empreiteiras” não um crime tipificado no código penal. E, no entanto, Lula está sendo acusado de crimes. Ou seja, Luciana afirma não defender alguém acusado de crimes por conta de seus erros políticos. É honesto misturar as coisas?

Haverá quem creia ser sim honesto em razão da finalidade: construir uma alternativa. Nesse caso, abster-se de defender um adversário político que está sendo acusado sem provas, se desonesto sob um aspecto, seria politicamente válido sob outro. Não é como penso.

A preocupação de Luciana com o horizonte político é legitima e justa. No entanto, e justamente por isso, cabe inverter a indagação proposta de Luciana: vamos conseguir pôr de pé uma alternativa abstendo-nos de defender um líder político de quem discordamos, nosso adversário, mas que sabemos estar sendo acusado sem provas? Pior: vamos construir uma alternativa surfando na onda, dando a entender que somos favoráveis à incriminação de Lula sem que haja provas contra ele?  

A frase final de sua resposta é escandalosamente clara: para construir uma alternativa, é preciso não defender Lula.

Assim, Luciana dá-me razão quando, em meu anterior artigo, concluí: “o raciocínio de Luciana é simples: pouco importa se Lula está sendo acusado sem provas; sendo ele seu principal adversário político, vale é surfar nessa onda”. Sua resposta soa como uma confissão. Na esperança de “construir uma alternativa”, vale surfar nessa onda.

Infelizmente, há que reconhecer: se a alternativa que se quer construir precisa disso, então a alternativa nasceu morta. Como o PSOL não é Luciana Genro, quero crer que não seja assim.

Oportunismo

Vendo-se forçada, em face das críticas recebidas, a explicitar suas convicções como advogada criminalista – convicções essas ocultadas em suas tomadas de posição anteriores -, a emenda saiu pior do que o soneto. Em sua resposta, Luciana oscilou entre essas convicções (como criminalista) e a negação dessas mesmas convicções (como líder de uma tendência do PSOL e candidata), para negá-las integralmente na conclusão.

“E não será defendendo um líder sustentado pelas empreiteiras corruptas que vamos conseguir por de pé esta alternativa”.

O que a advogada criminalista Luciana Genro teria a dizer sobre essa frase? Não sei. O que sei é que a atitude de Luciana Genro (não a criminalista apenas nem a candidata apenas, mas Luciana Genro em sua integralidade, criminalista e candidata) faz lembrar a célebre frase de Marx – não o Karl Marx, mas Groucho Marx: “Estes são os meus princípios. Se você não gosta deles, eu tenho outros”.

PS. Em sua resposta, Luciana afirma: “Alguns petistas têm classificado as posições de PSOL como oportunistas”.

Se a frase faz menção a mim, Luciana enganou-se. Eu nunca classifiquei as posições do PSOL como oportunistas. Classifiquei, sim, as posições de Luciana Genro como oportunistas

Leia também:

Janio de Freitas: Ação que levou Lula a Congonhas faz lembrar a Operação Bandeirantes, da ditadura militar 

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Leia também