A “guerra contra as drogas” derruba o general Manuel Noriega

Tempo de leitura: 3 min

por Luiz Carlos Azenha

Se você vibra com homem de preto disparando fuzil…

Se você vibra com homem de preto fincando bandeira…

Se você vibra com homem de preto subindo o morro…

Você está no lugar certo. Talvez eu não te ajude tanto a vibrar, mas eu prometo ao menos alguma ilustração sobre a “guerra contra as drogas” e as consequências da militarização da interdição ao tráfico.

Nos anos 80 eu era correspondente da TV Manchete nos Estados Unidos.

Foi nessa condição que segui para o Panamá, para cobrir a crise que envolvia o governo do general Manuel Noriega.

Se você conhece um pouquinho da História sabe que o Panamá é uma invenção dos Estados Unidos.

Sim, meu caro, o Panamá era parte da Colômbia.

Reconhecendo a importância de uma futura ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico — ligação, afinal, entre as duas costas dos Estados Unidos — o presidente americano Theodore Roosevelt incentivou a independência do Panamá. Que tratou de garantir através da chamada “gunboat diplomacy”. Tchau, Colômbia.

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Fast forward para os anos 70. Neles, o presidente americano Jimmy Carter fez um acordo com o líder panamenho Omar Torrijos para por fim a uma antiga reivindicação nacionalista — com repercussão em toda a América Latina — dos panamenhos: a soberania sobre o canal do Panamá. O acordo, fechado em 1977, previa que a autonomia sobre o canal seria entregue aos panamenhos no primeiro minuto do ano 2000.

Estamos em 1989. O presidente é George W. Bush. Bush é acusado de ser um “wimp”, um fracote, o que pode vir a comprometer as chances dele de se reeleger. Bush é sucessor de Ronald Reagan, o presidente durão que enfrentou a União Soviética e deu gás à corrida armamentista.

Manuel Noriega é o presidente do Panamá. Ele foi um “asset” da Central de Inteligência Americana (CIA), um informante. Ironicamente, ele foi informante da CIA quando Bush era diretor da agência, nos anos 70.

Noriega, nos anos 90, se sustenta no poder apelando para o nacionalismo de Torrijos.

Ele é acusado de levar dinheiro dos cartéis de Medellin, na Colômbia, para facilitar o trânsito de carregamentos de drogas que passam em direção aos Estados Unidos.

A “guerra contra as drogas” está bombando.

Em breve teremos o Plano Colômbia, através do qual os Estados Unidos injetarão centenas de milhões de dólares na Colômbia para militarizar a interdição do tráfico de cocaína rumo ao Norte. Detalhe: o dinheiro é gringo; os “professores” são gringos; o equipamento é gringo.

Deixa eu ver se eu entendi: os Estados Unidos usam dinheiro do contribuinte para um país-cliente comprar equipamento e expertise de empresas privadas dos Estados Unidos para combater o tráfico de drogas.

As vítimas da guerra? Estas são colombianas.

Mas, na verdade, eu e o cinegrafista Hélio Alvarez, da TV Manchete, desembarcamos na cidade do Panamá.

Noriega manobra para se manter no poder. Faz concessões à oposição civil.

Mas Washington não tem mais paciência com clientes militares. Washington descobriu, nos anos 80, que as ditaduras militares da América Latina eram boas aliadas contra a União Soviética mas pouco flexíveis. Washington preferia, a esta altura, governos civis mais flexíveis, especialmente em um país como o Panamá, ao qual entregaria em breve entregaria a soberania do canal.

Estamos no hotel, na cidade do Panamá, quando somos convocados para uma entrevista no comando do canal. O comando do canal do Panamá é exercido por militares dos Estados Unidos. Vamos. Lá, o porta-voz do comando acusa Noriega de ter recebido algumas centenas de milhares de armas de Fidel Castro, para se defender em caso de invasão dos Estados Unidos. O militar estadunidense não apresenta uma prova sequer. Fico em dúvida sobre a acusação, mas me surpreendo no dia seguinte ao ver a capa do Washington Post: a acusação está lá, sem qualquer prova. Sinal de que o destino de Noriega está selado?

Meses depois, quando já estávamos de volta a Nova York, os Estados Unidos invadem o Panamá e derrubam Noriega. Acusação formal: envolvimento com o tráfico internacional de drogas.

Lição deste segundo capítulo: a “guerra contra as drogas” é um álibi. Nem sempre é o que parece. Por trás dela se escondem outros interesses.

Lição apreendida.

No próximo capítulo, a “guerra contra as drogas” na Colômbia e o cartel de Medellin.

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