
Imagem, no século 21, é tudo; Marina é tudo para todos, até Obama de xale
por Luiz Carlos Azenha
Não pude ler, ainda, na íntegra, todos os capítulos do programa de governo de Marina Silva, do PSB. Focando apenas nas prioridades, trata-se de um programa conservador no campo econômico e avançado nos temas relativos à Cidadania e Identidades. Este, sim, o sexto eixo do programa, li na íntegra.
Mas antes de comentar vamos qualificar as metas socialistas do programa.
Lá atrás, quando Franklin Delano Roosevelt assumiu o poder nos Estados Unidos, nos anos 30, o país ainda estava sob o impacto da profunda crise econômica de 1929. FDR tinha de lidar com um forte desafio da esquerda organizada, de um lado, e com os oligopólios, inclusive o midiático, do outro. O New Deal, como sugere o nome, era um novo acordo, um novo acerto mediado pelo Estado, com fortes investimentos públicos e regulamentação de setores como Wall Street e transportes. Os conservadores travaram uma luta ferrenha contra o novo presidente, através da Justiça, a tal ponto que FDR tentou mudar a composição da Suprema Corte. O combate aos barões da mídia, que faziam a defesa dos grandes interesses através dos jornais, Roosevelt fez usando o rádio.
Este caminho “centrista”, vamos dizer, do Partido Democrata, foi de novo o vencedor durante a luta pelos direitos civis dos anos 60, quando grupos como os Panteras Negras adotaram táticas revolucionárias na luta pela igualdade racial. Germinou ali a chamada política identitária. Os negros defenderão os direitos dos negros; as mulheres, os das mulheres; os indígenas, dos indígenas e assim sucessivamente. Foram todos se organizando em grupos de pressão para atuar pela via institucional, seja elegendo seus próprios representantes, seja organizando a população e cobrando deputados e senadores.
Ou seja, aquela frente comum que em algum momento havia ganhado força, lutando pelos direitos civis e contra a guerra do Vietnã, identificando o “sistema” como inimigo comum — um sistema capitalista que gera desigualdade e injustiça intrinsicamente — foi aos poucos desfeita e incorporada pelo Partido Democrata, se não institucionalmente, em alianças pontuais. Setores organizados da chamada sociedade civil partiram para o lobismo identitário e, como sabemos, as atividades ligadas ao lobby e à organização dependem de financiamento. Algumas causas, por isso, avançaram mais que outras. O anticapitalismo foi varrido para as bordas, quando não para a criminalização explícita.
O programa do PSB, no campo da Cidadania e Identidades, adota este socialismo identitário. Para o Brasil, são ideias avançadas.
Um futuro governo Marina promete, entre outras coisas:
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— Aprofundar a participação da sociedade civil organizada e dos movimentos de direitos humanos no aprimoramento da Política Nacional de Direitos Humanos;
— Apoiar a adoção, pelo poder público e pela iniciativa privada, de política de ação afirmativa como forma de combater a desigualdade;
— Propor nova redação para o artigo 149 do Código Penal, de modo a tipificar de forma mais precisa o crime de submeter à condição análoga a escravo;
— Regulamentar o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico encontrado nas propriedades que sejam flagradas utilizando trabalho escravo e verificar a possibilidade de usar imóvel na reforma agrária ou em programas sociais;
— O passe livre para estudantes é um passo para se chegar a políticas mais abrangentes, como o atendimento à demanda por tarifa zero;
— Difundir o parto humanizado e criar condições concretas para que ele possa ocorrer também na rede pública;
— Consolidar no Sistema Único de Saúde (SUS) os serviços de interrupção da gravidez de acordo com a legislação em vigor;
— Apoiar propostas em defesa do casamento civil igualitário, com vistas à aprovação dos projetos de lei e da emenda constitucional em tramitação, que garantem o direito igualitário na Constituição e no Código Civil;
— Comprometer-se com a aprovação do Projeto de Lei da Identidade de Gênero Brasileira, que regulamenta o direito ao reconhecimento da identidade de gênero das “pessoas trans”, com base no modo como se sentem e se veem, dispensando a morosa autorização judicial, os laudos médicos e psicológicos, as cirurgias e as hormonoterapias;
— Eliminar obstáculos à adoção de crianças por casais homo-afetivos;
— Exigir o cumprimento efeito da Lei de Cotas [para deficientes] nas empresas;
— Estabelecer mecanismo de gestão de conflitos para finalizar a demarcação de Terras Indígenas, como previsto na Constituição Federal;
— Acelerar os processos de reconhecimento e titulação das Terras Quilombolas;
— Regulamentar o processo de consulta prévia e informada aos povos indígenas — prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — sobre obras públicas e projetos de desenvolvimento regional que afetem as suas terras;
— Criar mecanismo que viabilize pagamento pelo uso econômico, com fins comerciais, da iconografia e da padronagem dos povos indígenas;
— Propor lei que torne crime inafiançável não só a prática da discriminação, mas também a injúria, que afeta a autoestima e a dignidade do cidadão negro;
— Reafirmar as cotas para a população negra brasileira, como medida temporária, emergencial e reparatória da dívida histórica, como data prevista para terminar (leia aqui o que três jovens eleitores de Marina escrevem sobre as cotas);
— Implantar efetiva Política Nacional de Participação Social, pelo aumento da participação da sociedade civil nos conselhos e instâncias de controle social do Estado;
— Desenvolver programas de apoio aos movimentos populares para que tenham acesso assegurado a veículos de informação como forma de defender suas causas.
Não há dúvida de que são ideias progressistas, a maioria delas contemplada em programas de outros partidos de esquerda.
Aliás, fosse esta uma plataforma recém-lançada do PT, ganharia as manchetes como “bolivariana”, editoriais raivosos e uma hora do tempo de José Paulo de Andrade desancando o avanço comunista no Brasil. Penso, neste momento, no choque que vai sentir o professor Hariovaldo, que recém escreveu Marina Silva é a melhor para remir o país.
Ao falar em movimentos sociais, o programa de Marina trata elogiosamente o MPL (Movimento Passe Livre), o MST (com o qual ela tem ligações históricas) e o MTST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, com os quais pretende dialogar. Cita outros movimentos organizados, mas curiosamente omite o nome do FNDC, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, que confronta abertamente os barões do setor por uma lei da mídia democrática.
Sei que muitos de vocês vão dizer, nos comentários, que o papel aceita qualquer coisa. Fato, tanto que a Constituição de 1988 completou 25 anos sem que capítulos essenciais dela tivessem sido regulamentados. Tudo depende da famosa “correlação de forças”, tantas vezes usada por líderes do PT para sentar sobre assuntos que ameaçavam — verdadeiramente ou não — as alianças, a tal “governabilidade”.
Do ponto-de-vista meramente eleitoral, lançado quando foi, na minha opinião o programa de Marina visa atrair os votos de ativistas que se dedicam à política identitária; foi uma antevisão do “fundamentalista, retrógrada e obscurantista”, que Dilma Rousseff já usou para definir Marina na questão do pré-sal, em evento de campanha.
Além disso, torna praticamente impossível ao PT, lá na frente, não dar apoio pontual a Marina nestas questões, num eventual governo liderado por PSB, Rede ou qualquer que seja o partido em que ela estiver se e depois de chegar ao Planalto.
Obviamente que as metas acima descritas, clássicas da esquerda, são contraditórias com trechos do programa econômico, que enfatiza entre outros pontos autonomia do Banco Central. Fica implícito que, se isso for necessário ao combate à inflação, o BC vai aumentar os juros e provocar desemprego, quando sabemos que o emprego numa sociedade capitalista é a base de todos os outros direitos sociais.
O que nos leva a imaginar, cumprido integralmente o programa de Marina, um negro desempregado processando alguém por injúria ou um casal homoafetivo pagando juros extorsivos aos bancos para manter a criança que adotou.
Li, por dever de ofício, todo o programa do candidato a candidato Barack Obama, quando ele ainda disputava a indicação do Partido Democrata contra Hillary Clinton. Aquele, em que ele falava em fechar Guantánamo e adotar uma política externa que valorizasse a distribuição de renda na América Latina — o que sugeria que seria aliado de presidentes progressistas da região, como Hugo Chávez, Evo Morales e Lula.
Comparei, depois, com o programa do já candidato Obama à Casa Branca, depois que Hillary Clinton foi integrada à campanha: o apoio à distribuição de renda na AL sumiu e, no lugar, surgiu de forma enfática o apoio ao combate à criminalidade nas metrópoles regionais (brinquei, na época, que a mudança foi provavelmente provocada por fabricantes de armas e de tecnologia contra o crime desenvolvida por empresas dos Estados Unidos, que queriam conquistar mercado na América Latina).
Como não disse o ex-ministro José Dirceu, com este programa de governo Marina demonstra a astúcia do Lula de saias, mas não só. É também Aécio Neves e Barack Obama de xale.
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