William Deresiewicz: Capitalistas e outros psicopatas

Tempo de leitura: 4 min

Capitalistas e outros psicopatas

por  WILLIAM DERESIEWICZ*, em 12.05.2012, no New York Times

Existe um debate em andamento no país sobre os ricos: quem eles são, qual o papel social deles, se eles são bons ou ruins. Bem, considerem o seguinte. Um estudo recente descobriu que 10% das pessoas que trabalham em Wall Street são “psicopatas clínicos”, exibindo falta de interesse ou empatia pelos outros e uma “capacidade sem paralelo para mentir, fabricar e manipular”. (A proporção para a população em geral é de 1%). Outro estudo concluiu que os ricos são mais inclinados a mentir, enganar e violar a lei.

A única coisa que me surpreende sobre estas alegações é que tem gente que acha que são surpreendentes. Wall Street é o capitalismo em sua forma mais pura, e o capitalismo é baseado em mau comportamento. Isso não deveria ser notícia. O escritor britânico Bernard Mandeville disse isso quase três séculos atrás num poema-satírico-com-pretensões-de-tratado-filosófico chamado “A fábula das abelhas”.

“Vícios privados, benefícios públicos” é o subtítulo do livro. Um maquiavélico no campo econômico — um homem que nos mostrou como somos, não como gostaríamos de pensar que somos — Mandeville argumentou que uma sociedade comercial cria prosperidade ao aproveitar nossos impulsos naturais: fraude, luxúria e orgulho. Por “orgulho” Mandeville quis dizer vaidade; por “luxúria”, o desejo por indulgência sensual. Ambas criam demanda, como todo publicitário sabe. No lado da oferta, como diríamos, estava a fraude, dizia o poema:  “De todos os negócios a fraude era parte/ Nenhuma profissão era isenta dessa arte”.

Em outras palavras, Enron, BP, Goldman, Philip Morris, G.E., Merck, etc., etc. Fraude contábil, evasão fiscal, lixo tóxico, violações na segurança de produtos, fraude em concorrências públicas, superfaturamento, perjúria. O escândalo de propinas da Walmart, o escândalo da violação de telefones da News Corp. — abra a seção de negócios do jornal em um dia qualquer. Golpeando seus trabalhadores, causando danos aos seus consumidores, destruindo a terra. Deixando o público ficar com a conta. Estas não são anomalias; é assim que o sistema funciona: você sai ileso com o que puder e tenta escapar quando te pegam em flagrante.

Sempre achei estranha a ideia de uma escola de negócios. Que tipos de cursos poderia oferecer? Roubar viúvas e órfãos? Esmagar a cara dos pobres? Alimentar-se com dinheiro público? Foi lançado anos atrás um documentário chamado “Corporação”, que aceitou a premissa de que as corporações são pessoas e em seguida perguntou que tipo de pessoas eram. A resposta foi, precisamente, psicopatas: indiferentes aos outros, incapazes de sentir culpa, devotadas exclusivamente a seus próprios interesses.

Existem corporações éticas, sim, e pessoas de negócio éticas, mas a ética no capitalismo é opcional, puramente extrínseca. Esperar moralidade do mercado é cometer um erro categórico. Os valores capitalistas são incompatíveis com os cristãos. (Como alguns dos cristãos mais barulhentos de nossa vida pública também são os belicosos proponentes do livre mercado sem qualquer regulamentação é uma questão para a consciência deles). Os valores capitalistas também são incompatíveis com os valores democráticos. Como a ética cristã, os princípios de um governo republicano requerem que consideremos os interesses dos outros. O capitalismo, que se dedica à perseguição do lucro, nos faz pensar que é cada um por si.

Tem havido muita conversa sobre os “criadores de empregos”, uma frase criada por Frank Luntz, um guru de propaganda da direita, para classificar Ayn Rand. Os ricos merecem nossa gratidão, assim como tudo o que têm, em outras palavras, e o restante é inveja. Em primeiro lugar, se empreendedores são criadores de empregos, os trabalhadores são criadores de riqueza. Os empreendedores usam a riqueza para criar emprego para trabalhadores. Trabalhadores usam os empregos para criar riqueza para os empreendedores — os excessos de produtividade que superam o salário e outras compensações representam o lucro das corporações. Não é objetivo de nenhum deles beneficiar o outro, mas isso acontece de qualquer forma.

Além disso, empreendedores e ricos são duas categorias diferentes que nem sempre se misturam. A maioria dos ricos não é de empreendedores; eles são executivos de corporações, gerentes institucionais de outros tipos, os médicos e advogados mais ricos, os mais bem sucedidos atletas e artistas, pessoas que simplesmente herdaram dinheiro e, sim, pessoas que trabalham em Wall Street.

Mais importante, nem os empreendedores nem os ricos têm o monopólio do saber, do suor ou do risco. Existem cientistas — e artistas e acadêmicos — que são tão inteligentes quanto qualquer empreendedor, apenas estão interessados em outras recompensas. A mãe solteira que usa o emprego para ir à faculdade comunitária trabalha tão duro quanto o gerente de um fundo hedge. Uma pessoa que consegue um empréstimo imobiliário — ou um empréstimo para educação, ou que tem um filho — contando com um emprego que pode perder a qualquer momento (graças, talvez, a um daqueles criadores de empregos) assume tanto risco quanto alguém que abre um novo negócio.

Questões fundamentais na política dependem destas percepções: quem vamos taxar e quanto; quanto vamos gastar e com quem. Mas se “criadores de empregos” é um termo novo, a adulação que expressa — e o desprezo que claramente assinala em relação a outros — não são. “Os norte-americanos pobres são chamados a detestar a si”, escreveu Kurt Vonnegut em “Abatedouro número 5”. E, assim, “eles se diminuem e glorificam os outros”. Nossa mentira mais destrutiva, ele acrescentou “é que é fácil para qualquer norte-americano ganhar dinheiro”. A mentira persiste. Os pobres são preguiçosos, estúpidos e diabólicos. Os ricos são brilhantes, corajosos e bons. Eles espalham sua beneficência sobre o resto de nós.

Mandeville acreditava que a busca pela satisfação de interesses individuais poderia trazer benefícios públicos mas, ao contrário de Adam Smith, não acreditava que faria isso por si só. A “mão” de Smith era “invisível”– a operação automática do mercado. A de Mandeville exigia “o gerenciamento multifacetado de um político hábil” — em termos modernos, legislação, regulamentação e taxação. Ou, como ele escreveu em verso, “Assim, o vício o bem vai causar/ Se a Justiça o atar e podar”.

*O autor é ensaista, crítico e autor de “Uma educação de Jane Austen”


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Comentários

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“Conspirações” e o sistema socioeconômico – MZ Blog

[…] é coincidência o mundo ser dirigido por psicopatas sádicos dispostos a qualquer coisa, já que são eles os principais beneficiados pelo sistema capitalista em que vivemos, pois possuem as caract…ariedade não são recompensados. Isto promove um mecanismo de seleção interno, onde os maiores […]

Roberto Locatelli

Os próceres do capitalismo europeu falaram sem meias palavras: as políticas de “austeridade” (tirar dos pobres para dar aos banqueiros) é incompatível com eleições livres.

Che

“Efetivamente, valores humanistas e capitalismo, água e óleo…”

Exatamente, companheiro! Água e Óleo! E o que nós comunistas queremos é água e SANGUE!

Por isso precisamos instituir o SOCIALISMO e com ele, os GULAGS, os CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO, A FOME e o PAREDÓN!!!

Viva la Revolución!

assalariado.

O autor deste post afirma que: “Além disso, empreendedores e ricos são duas categorias diferentes que nem sempre se misturam.”

Qual é o pecado original ideologico da economia de mercado? Por acaso esta riqueza que as elites do capital conseguiram acumular veio do nada? Ou veio por intermédio dos seus lacaios(gerentes, executivos, …) e, da propriedade particular dos meios de produção que são usados de forma coletiva na produção de mercadorias para obter lucros individualistas, através do suor alheio. Sim, as riquezas são produzidas de forma coletiva pelos assalariados nas linhas de produção nas empresas porém, é expropriada pela burguesia patronal.

Ora, um é consequencia do outro, farinha do mesmo saco. Sim, são faces de uma mesma moeda, em estágios diferentes da exploração capitalista. Empreendedor é sinonimo de burguesia capitalista que, por sua vez, são os proprietários dos meios de produção, também conhecidos como donos do capital, que é o mesmo que dizer: são os donos particular das fabricas, terras, bancos, grande comércio enfim, … O Sr. william disse tudo, porém, não foi à raiz da arvore capitalista para explicar seus frutos, digo, suas doenças, e as pscopatias da burguesia capitalista.

Haveremos de socializar os meios de produção. Portanto, deveremos acabar com a propriedade particular das empresas e do lucro individualista do capital sobre o trabalho, produzido coletivamente. Assim, começaremos acabar com a exploração do homem pelo homem. A psicopatia morrerá junto!

Saudações Socialistas.

CLAUDIO LUIZ PESSUTI

Pois e, o marketing realmente explora estes sentimentos ai em cima:uma propaganda de carros pega 2 atores famosos e coloca eles para disputarem um “racha”.Outra , sem meias palavras , passa a ideia de que se você não comprar o carro deles, e como se você estivesse morto e esquecido.Efetivamente, valores humanistas e capitalismo, água e óleo…,

Serrote

Num livro sobre os pobres na Idade Média, que li há muitos anos, constava que, naquela época, pregava-se que os pobres existiam para que os ricos pudessem salvar suas almas por meio da esmola, caso contrário iriam para o inferno. Pelo menos em teoria, tinham alguma utilidade. Hoje, ainda que sejam essenciais na prática, desapareceram da teoria, como se fosse bom que morressem todos.

Pedro

O livro do Mandeville está para sair em tradução brasileira. Vai ser publicado pela editora Top-Books. É um livro que Marx usou frequentemente no Capital. É importante precisamente pelo que diz o artigo acima.

Geysa Guimarães

Texto magnânimo. Só discordo quanto ao percentual de “psicopatas sanguessugas”. Eles abundam não só em Wall Street, mas até nas esferas “caipiras” do capitalismo.

HEBER

Modernidade foi acabar com a iniciação profissional em todas as áreas. Hoje não existe mais aprendizado profissional porque foi extinto o auxiliar. o aprendiz, o junior. Extinguiu-se via tecnologia o início de carreira e os cargos de supervisão e gerência intermediários através da fusão avassaladora de empresas. Na verdade o jovem de hoje não conhecerá o processo empresarial, nem visualizará uma escada de carreira. Alguns diretores de banco atuais, começaram com office-boy e foram subindo na instituição, essa possibilidade desapareceu, na indústria, no comércio e principalmente nos serviços, os cargos ficaram estanques e a maior parte das oportunidades são reservadas a parentes e amigos.

Paciente

Eu não falo muito isso porque tenho medo de tomar um tiro, mas…

Ser democrata é, por motivos lógicos (contradição de termos básica), incompatível com ser a favor da propriedade privada.

Duvida? E se a maioria das pessoas da sociedade decidir, democraticamente, acabar com a propriedade privada?

Ora, vivemos esse “risco” diuturnamente. O orçamento militar e de segurança dos estados capitalistas explicam o resto…

Jaime

Grandes verdades em pequenas frases. Há um livro do Eduardo Gianetti, que se chama Vícios Privados, Benefícios Públicos, mais ou menos na mesma linha, mas este texto é muito mais objetivo – sem meias palavras.
Além disso, penso que mesmo o capitalismo da teoria da concorrência já não existe há muito tempo; o que temos é um socialismo empresarial, difícil de perceber atrás do biombo da mídia.
Finalmente, tenho sempre em mente o seguinte: o motor do capitalismo, o egoísmo cujas somas individuais provocariam benefícios coletivos, não passa de um vício (avareza – um dos sete pecados capitais), enquanto a solidariedade, motor do socialismo, é uma virtude. Virtudes são difíceis de praticar, ao passo que vícios são espontâneos, é fácil justificá-los com racionalizações.

Cláudio

Acho que os psicopata$$ que trabalham para Wall $$treet são em maior número: 11%, 23%, 25% ou 45%…

Fabio Passos

Quem são os tiranetes corporativos que governam o mundo?

“psicopatas clínicos”, exibindo (…) uma “capacidade sem paralelo para mentir, fabricar e manipular”.

É preciso dar cabo deste regime que está destruindo o planeta e a humanidade.
Esta “democracia ocidental” é uma completa farsa.

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