Weissheimer: Os fantasmas no sótão da velha mídia

Tempo de leitura: 4 min

11 de Novembro de 2010 – 10h59

Marco Aurélio Weissheimer: os fantasmas no sótão da velha mídia

Franklin Martins, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, abriu o Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias com uma observação que justificou o título do encontro. A convergência de mídias é um processo irreversível e já faz parte da vida cotidiana.

Por Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior, via Vermelho

Um telefone celular não é mais meramente um telefone. Tornou-se também um meio para acessar internet, rádio e televisão. Essa convergência de tecnologias e meios de comunicação em um pequeno aparelho abre novas possibilidades para a comunicação humana, mas essas possibilidades vêm acompanhadas de problemas. Boa parte desses problemas é causada por conflitos de mercado entre os diferentes setores que fazem da comunicação seu bezerro de ouro.

No Brasil, alguns desses setores reagem fortemente ao debate sobre a necessidade de regular esse novo mundo tecnológico, social e econômico, que já é uma realidade. Essa reação aparece revestida por um verniz ideológico que vê na ideia da regulação uma tentativa de censurar e controlar a imprensa. Isso é uma bobagem, disse Franklin Martins. E é mesmo. Não é difícil mostrar.

O Brasil acaba de sair de um duro processo eleitoral onde, em um determinado momento, entidades empresariais do setor das comunicações e seus respectivos veículos ensaiaram uma mobilização nacional contra perigosíssimas ameaças à liberdade (de imprensa e outras) que estariam pairando sobre a vida democrática do país. O motivo? Uma crítica feita pelo presidente da República à cobertura sobre as eleições. Houve alguma censura por parte do governo? Nenhuma.

Houve, de fato, dois episódios de cerceamento à liberdade de expressão na campanha este ano: um praticado pelo jornal O Estado de São Paulo, que demitiu a colunista Maria Rita Kehl por não tolerar a opinião dela publicada em suas páginas; e o outro praticado pelo jornal Folha de S.Paulo que entrou na Justiça para tirar do ar o site Falha de São Paulo, que fazia uma paródia às capas e manchetes da publicação.

Esses jornais e outros veículos da chamada grande imprensa seguem repetindo mantras ultraconservadores contra um debate que já foi feito na imensa maioria dos países apontados por eles mesmos como exemplos de liberdade de modernidade. Mas por trás de todo esse conservadorismo, há uma razão mais pragmática: o avanço das empresas de telecomunicação sobre o mercado da radiodifusão.

Só esse dado mercadológico já justificaria um interesse mais positivo do setor de radiodifusão no debate da regulação. Franklin Martins falou sobre isso ao saudar os participantes do seminário. O faturamento das teles hoje é aproximadamente 13 ou 14 vezes maior que o da radiodifusão. Sem regulação, a radiodifusão vai ser atropelada por uma jamanta, resumiu o ministro. E as grandes empresas do setor sabem disso.

A Folha de S.Paulo publicou um editorial, dia 15 de novembro de 2009, defendendo a restrição, em 30%, da presença de capital estrangeiro nos portais de notícias no Brasil. A proposta também é defendida pelas principais entidades do setor: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Nacional de Jornais (ANJ).

A posição defendida por essas entidades oferece, na verdade, argumentos em defesa da necessidade de um novo marco regulatório para o setor. Para elas, a restrição ao capital estrangeiro, previsto no artigo 222 da Constituição Federal, aplica-se a qualquer negócio que explore conteúdos, independentemente do meio utilizado, seja TV, rádio, jornais ou a internet.

“Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício da imprensa independente no país”, protestou a Folha no editorial, acrescentando: “Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga – a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como TVs, revistas e jornais – alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados atores que não lhe sejam convenientes”.

“Nossa legislação é um cipoal de gambiarras”

Do ponto de vista dessas empresas, portanto, o debate sobre um novo marco regulatório para o setor envolve, sobretudo, uma disputa de mercado com as grandes corporações do setor de telecomunicações. Mas essa agenda não se resume a uma questão de mercado. Há interesses públicos em jogo – como o direito à uma informação de qualidade que contemple a diversidade cultural e política do país – que vem sendo bloqueados pela intransigência do grande capital privado do setor.

Para quem ainda tinha alguma dúvida, a dimensão pública do tema ficou evidenciada nos relatos das experiências de países como França, Inglaterra, Espanha, Portugal, Argentina e Estados Unidos. A existência de um marco regulador na área da comunicação é hoje um indicador da qualidade da democracia de um país.

O Brasil ainda engatinha nessa área. A nossa legislação de telecomunicações, lembrou Franklin Martins, é absolutamente ultrapassada, remontando a 1962, “quando havia mais televizinho do que televisão”. Essa legislação é hoje um “cipoal de gambiarras”, ilustrou o ministro. Ele deu outro exemplo: “Todos nós sabemos que deputados e senadores não podem ter canal de televisão. E todos sabemos que têm. O que vamos fazer?”

Os conferencistas internacionais contaram o que seus países fizeram e seguem fazendo para proteger e incentivar a produção independente nacional e regional, para evitar a concentração de propriedade ou para defender crianças e adolescentes de publicidades de bebidas e medicamentos, apenas para citar alguns conteúdos. Propostas estas que seguem enfrentando forte resistência no Brasil.

Uma resistência alimentada por preconceitos e fantasmas arrastando correntes, na imagem adotada pelo titular da Secretaria de Comunicação Social do governo brasileiro. “Só um debate público transparente afasta os fantasmas. Queria convidar todos a deixar os fantasmas no sótão. É lá que devem ficar”. Trata-se de um debate irreversível, repetiu, fazendo uma previsão: “Estou convencido que a área da comunicação no governo Dilma terá o mesmo tratamento que a área de energia teve no primeiro governo Lula”.

Os primeiros meses de 2010 dirão se a previsão poderá ser realizar ou não. O que parece certo é que dificilmente a velha imprensa conseguirá bloquear esse debate usando seus fantasmas empoeirados a acenar com a ameaça da censura, ameaça esta que só vem se materializando nas suas próprias redações.


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Comentários

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Claudio Ribeiro

Empresário dá como garantia aquilo que não pagou um centavo (a concessão original do SBT)
http://palavras-diversas.blogspot.com/2010/11/con

????

rudimar pedro

Quero te perguntar a muito tempo, voce é de Passo Fundo?
abraço

Baixada Carioca

A cantilena de agressão à liberdade de imprensa é mais uma tentativa da velha mídia de influir na subjetividade dos indivíduos, prática amplamente conhecida.

dm22

Querem que continuemos este país de vozes uníssonas. A riqueza cultural do país continuará encurralada e muda. Seremos uma cultura enlatada e sem força.

Michel

Bom dia a todos. Gostaria apenas de acrescentar ao relato do Weissheimer mais um episódio de cerceamento à liberdade de expressão durante a campanha eleitoral. Refiro-me à censura imposta à Revista do Brasil, da Editora Atitude, que foi alvo de uma ação do PSDB deferida pelo TSE. O despacho suspendeu a distribuição da distribuição do número 52 da revista e impôs a retirada total de seu conteúdo da internet.
A ação, porém, foi atendida em parte, pois o PSDB pretendia que todo o processo ocorresse 'em segredo de justiça', justamente para que o episódio fosse desconhecido do público, ao menos o da blogosfera. Até hoje a editora não conseguiu derrubar a liminar.

Rafael Andrade

A velha mídia insiste na tática da cortina de fumaça, está ficando manjado …

Fabio_Passos

Ótima a entrevista do Franklin Martins:

[youtube C8N684O1VYs http://www.youtube.com/watch?v=C8N684O1VYs youtube]

    Archibaldo S Braga

    Fábio, tenho a impressão que se o ruy mesquita ouviu a entrevista do monistro Martins, infiou a cabeça no vaso da privada e deu discarga!! Não deve ter ido,pois por lá só passa coisa melhor do que ele!!! A. S. Braga

    Fabio_Passos

    Franklin Martins deu um banho.
    Ele desmonta os neura na maior tranquilidade.

Rafael

A globo sempre defende neoliberalismo, que é contra o monopólio, mas é detentora do monopólio da comunicação. Duvido que qualquer outra área do país alguma empresa tenha tido um monopólio como a globo detém.

El Cid

Para quem vê algo de "progressista" na Marina Silva, esse é um militante da campanha dela: http://bit.ly/cBMP50

… é de enojar !!!

    Baixada Carioca

    Não se pode atribuir à ela as atitudes dos militantes do PV que, aliás, já o era neofascista antes da chegada da Marina por lá. O que se deve questionar é porque ela foi para um partido com práticas tão fascistas.

easonnascimento

Franklin Martins Ministro das Comunicações é tudo que a mídia e a Globo em particular mais temem. O que elas mais temem ainda é que esta regulação ao ser implantada traga prejuízos para seus bolsos. É com a possibilidade da desconcentração da informação que as grande empresas mais se preocupam. Preferem esta "reserva de mercado" que ilegalmente detém, para deleite de sue patrimônio. Basta de Capitanias Hereditárias. Estamos ou não estamos no século 21?
http://easonfn.wordpress.com

tito bahiense

Para e egemônia, para o oligopólios e para aqueles que ainda não fizeram a ficha devidamente se tornar caída, cantem um pouco do nosso rei, Roberto Carlos: "já está chegando a hora de ir…"

vinicius Garcia

Ou a TV incorpora a internet, ou a internet engole a TV, a cada dia mais e mais pessoas no mundo obtem acesso a informação via web, indiferente da qualidade ou da posição da mesma. Aqueles que apostam na manutenção do atual sistema da televisão serão atropelados pela própria natureza do processo, dure um ano ou dez a TV digital com seus plenos recursos, não essa que agora comercializam tentando nos enganar, surgirá. Aí nada segurará o dedo de apertar o botão do controle remoto.

Wellington_Vibe

"Direito a informação de qualidade que contemple a diversidade cultural e política do país". isso é o que precisamos e isso só pode ser garantido por um novo marco regulatório no setor de telecomunicações. Como já havia comentado aqui, no sistema ainda é herdado e fruto do período ditatorial, onde os grandes grupos que hoje controlam a informação se fundaram ou consolidaram, sendo fiadores desse processo.
É ponto pacífico a penetração da internet no cotidiano nacional, os dados comprovam isso. Logo, esse debate só está existindo porque aqui esse monopólio já não existe mais e só a transferência de um cenário diversificado tal qual existe aqui para a mídia tradicional pode garantir o direito a informação colocado no texto.
É a liberdade e a capacidade de multiplicação da internet que garante que essa discussão se torne primordial para o próximo governo e que vai impedir que os fantasmas que estão nos porões e sotãos desses órgãos sejam soltos e façam o estrago que eles esperam na opinião pública.

dukrai

o esperneio era previsível, o latifúndio da velha imprensa sente o chão esboroar sob os pés com, desculpem o chavão, o avanço democrático das massas populares. ainda falta encarar o latifúndio da terra e da grana, completando o trio da opressão no Brasil, segundo Emir Sader.

Anonymous

Prevejo capas da Veja com um homem amordaçado, entre outros.

Diogo

Atenção Dona Dilma: Franklin para Ministro das Comunicações!!

    Archibaldo S Braga

    Diogo, tenho certeza ABSOLUTA QUE VAI CONTINUAR!!! Um abraço democrático A. S. Braga

Marcelo Ramos

Prezado Weissheimer, no último parágrafo acho que você quis dizer 2011, ao invés de 2010. De resto, fecho 100% com a descrição da situação.

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