Robert Fisk: Querem nos vender outra vez a ponte do Brooklyn!

Tempo de leitura: 4 min

por Robert Fisk, no britânico Independent

Tradução de Caia Fittipaldi

Embora sempre me recuse a pagar para ler o Wall Street Journal, vez ou outra dou uma espiada, se encontro um jornal esquecido por aí.

Aconteceu mês passado, quando um casal deixou o jornal no banco do trem à minha frente. E bingo! Jornalismo ruim, como sempre. “Funcionários da Defesa preveem longo progresso no Afeganistão”. Fontes, para essa manchete absolutamente previsível, sem novidade? “Militares norte-americanos de alto escalão”, “funcionários do Pentágono”, “veterano militar de alta patente”, “assessores militares do governo Obama”, “funcionários da Defesa”, “os militares”, “inúmeros militares”, “militares norte-americanos de alta patente” (outra vez), “militares” (outra vez), “funcionários do Pentágono” (outra vez) e “militares” (de novo).

Por que, diabos, escrevem esse monte de esterco? Meu velho camarada Alexander Cockburn chama esse jornalismo de “vender a Ponte do Brooklyn” e diz que Michael Gordon, principal correspondente militar do New York Times, sempre compra (a ponte). É verdade.

Em 2002, Mike batia o tambor incansável: repetia e repetia que canos de alumínio, no Iraque, seriam provas de que Saddam tinha “programa nuclear”. Depois, em 2007, “militares norte-americanos” – claro! – disseram a Mike que o Irã estaria abastecendo guerrilheiros iraquianos com “explosivos em dispositivos de penetração (uns tais penetrators)” a serem usados contra soldados dos EUA no Iraque. Mike não se incomodou com o fato de que a maioria dos guerrilheiros que atacam soldados dos EUA são sunitas. Oh Yes! Os iranianos também abasteciam seus aliados do Hizbollah no Líbano, com armas a serem usadas contra Israel. Bom, pelo menos o Hizbollah, partido xiita, está bem armado pelo Irã. Mas será preciso esperar a próxima guerra do Líbano, para saber se os tais misteriosos “penetradores” penetrarão mesmo.

O verdadeiro problema, é claro, é que não fazem outra coisa além de nos vender a Ponte do Brooklyn, outra vez, outra vez. Aqui, um caso claro: “O Irã é o centro do terrorismo, do fundamentalismo e da subversão e, na minha opinião, é mais perigoso que o nazismo, porque Hitler não tinha bomba atômica, e os iranianos estão aperfeiçoando uma opção nuclear.” Essa predição não saiu da boca de Benjamin Netanyahu mas – e, graças a Deus, Roger Cohen detectou esse especial caso de vendedor querendo nos vender a Ponte do Brooklyn – pelo então primeiro ministro Shimon Peres, hoje presidente de Israel, em 1996. E quatro anos antes, o mesmo Peres previra que o Irã teria uma bomba atômica em 1999.

Em outras palavras, o Irã – se a previsão alucinada de Peres se confirmou – já tem bomba atômica há 11 anos. Em 2007, “militares norte-americanos” disseram que em seis anos o Irã já teria a bomba atômica. E, ano passado, Israel disse que demorará menos de dois anos. Não podemos esquecer: será em 2013. Ou 2011. Ou 1999, e pouco me importa.

O mesmo Peres jurou que o Hizbollah comprara mísseis Scud da Síria – provavelmente adaptados para disparar os tais penetrators de Mike do New York Times – para penetrar em Israel. Acho, isso sim, que o Hizbollah tem armas muito mais sofisticadas que aqueles velhos, antiquados foguetes russos que Saddam usou contra Israel na Guerra do Golfo de 1991. O Hizbollah já brinca com aviões-robôs não tripulados e até despachou um desses, em voo experimental, que sobrevoou Israel – e voltou, são e salvo, para o Líbano. Isso, sim. Mas… Scuds lata velha?!

Claro, claro, esse caso pegou fogo. Os EUA meteram-se na conversa, com ameaças veladas à Síria, apesar de não haver nem um fio de prova de que algum Scud lata velha entrara no Líbano. Mas venderam, outra vez, a Ponte do Brooklyn. Agora, essa semana, foi a vez de Netanyahu. “O problema da segurança”, disse ele, “não está só nos novos (palavras dele!) foguetes que entrarão (estou citando!) na área e ameaçarão centros urbanos. Não sei se estão informados, mas hoje já mal conseguimos sobrevoar áreas próximas de Gaza, porque eles mantêm ali equipamentos antiaéreos.” Calma. Só falta, então, o Hamás ser tão ineficiente e corrupto, a ponto de já ter encontrado meio para trazer “equipamentos antiaéreos” do Egito, pelos túneis. Ou quem sabe, já têm lá os lança-mísseis portáteis que se provaram tão militarmente inúteis quando os palestinos tentaram usá-los contra Beirute em 1982.

Não faz diferença. Já venderam e já compramos, outra vez, a Ponte do Brooklyn. A Associated Press escreveu, da sucursal em Jerusalém, que o ‘pronunciamento’ de Netanyahu teria sido “desenvolvimento com potencial para virar o jogo, que informa sobre o risco real de a força aérea israelense já estar incapacitada de atacar o grupo militante islâmico”. Muito engraçado.

Fosse assim, por que o Hamás não usou essas armas-maravilha em janeiro do ano passado, quando Israel destruiu o que ainda havia, em pé, na Gaza ocupada? Ou por que os israelenses não encontraram as tais armas-maravilha quando ocuparam Gaza? Oh! Ia esquecendo! Por que Israel ainda não localizou, sequer, seu soldado capturado, Gilad Shalit (que o Hamás capturou há mais de quatro anos!), quando Israel tentou entrar em Gaza, abrindo caminho a ferro e fogo?

Claro que não são só norte-americanos e israelenses empenhados em nos vender a Ponte do Brooklyn. Quando o ridículo presidente do Irã, em visita ao sul do Líbano, semana passada, informou aos israelenses que Israel “já era” – há 33 anos, Yasser Arafat costumava vender essa mesma ponte, praticamente no mesmo lugar em que se viu Ahmadinejad, semana passada, no sul do Líbano –, jornais de todo o mundo repercutiram a ‘nova’ ameaça contra Israel, como se Ahmadinejad tivesse trazido, na bagagem, na visita ao Líbano, uma de suas afamadas bombas atômicas.

Imediatamente, BINGO!, Israel decretou que o Líbano seria “um novo centro do terror regional”. Imediatamente, a ‘notícia’ correu o mundo!

Vivo há 34 anos no Líbano, e já ouvi exatamente a mesma frase, vinda de Israel, em 1978, 1981, 1982, 1993, 1996 e 2006. Vai-se ver, os perigosos libaneses não fazem outra coisa na vida além de reconstruir novos centros de terror regional, cada vez que uma extraordinariamente bem-sucedida força de elite do exército de Israel ataca e devasta território libanês.

Novas promoções à vista, para nos vender a Ponte do Brooklyn? Claro que sim! Afinal, faz pouco tempo que aquele grande, emérito vendedor de pontes, Daniel Pipes, aconselhou o governo dos EUA, pelo Jerusalem Post, em manchete: “Única salvação para o governo Obama: bombardear o Irã”. Pode-se supor que, dado o crescimento da oposição interna no Irã, logo se lerá também por lá: “Única salvação para o governo Ahmadinejad: bombardear Israel”. Sempre haverá jornalistas otários que compram ponte.


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Comentários

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J. Carlos S. Pereira

Que artigo de altíssimo nível! Não há a menor chance de alguma vez na vida algum jornalista do nosso PiG escrever algo parecido.
Com o arquivo de informações que Robert Fisk tem, faz lembrar os, igualmente lúcidos, comentários de Noam Chomsky.

Querem nos vender outra vez a ponte do Brooklyn! «

[…] do Robert Fisk, traduzido por Caia Fittipaldi e publicado no Vi o Mundo, trocando algumas palavras seria uma ótima crítica ao jornalismo brasileiro também. O problema […]

Hag

Sensacional e lúcido Post. Sempre denuncio essa falcatrua que é demonizar o Irã, para legitimar e naturalizar mais uma guerra furada, que vai derretendo a economia dos EUA, exceto os acionistas das empresas de armas. Os EUA se afundaram no Afeganistão e no Iraque. Israel chantageou e os EUA pagam as despesas. Parece que Israel ou a AIPAC mandam nos EUA. O objetivo de Israel é e sempre foi a expansão hegemônica e racista. Atacar o Iraque (cadê as armas de destruição em massa) foi uma estratégia para fortalecer o Irã, já que Iraque e Irã se sustentavam em equilíbrio, sob a ditadura de Saddam Husseim. Com a queda deste, restou a "opção" de atacar aquele. Ridícula a mídia manipulada. Abaixo a guerra!

carmen silvia

Lendo Robert Fisk ,começo a pensar que a Organização Mundial da Saúde,deveria observar com muita atenção esse virus que anda infectando as cabeças de uma parcela de jornalistas no mundo todo,os sintomas podem ser detectados pelo súbito comprometimento intelectual do indivíduo provocando uma confusão mental que leva a confundir "Contos da Carochinha" e realidade Esse virus pode ser aqueles desenvolvidos no laboratório do Coringa o arquinimigo do Batman,essa pode ser tb uma pandemia tão letal quanto a da peste negra na idade média,com uma diferença,só se desenvolve em cabeça de alguns jornalista.O que fazer ?é uma particularidade do vírus.Alerta vermelho a OMS.

elizabeth

Brilhante mais uma vez o Robert Fisk. E a leitura desse artigo caiu muito bem porque eu tinha acabado de assistir à já famosa entrevista de Zé Dirceu no Roda Viva e agora descobri uma possível explicação para aquelas perguntas estúpidas do Augusto Nunes sobre o Irã: ele compra a ponte de Brooklyn todo dia !!!! tava na cara, certo?

Robert Fisk: Querem nos vender outra vez a Ponte do Brooklyn! « CartaCapital

[…] *Matéria publicada originalmente no site Vi o mundo […]

Mário

Robert Fisk (Maidstone, Reino Unido, 12 de julho de 1946) é um premiado jornalista inglês, correspondente no Oriente Médio do jornal britânico The Independent. Fisk vive em Beirute, onde mora há mais de 25 anos.
[editar] Biografia

Filho de um ex-soldado britânico da Primeira Guerra Mundial, Robert Fisk estudou jornalismo na Inglaterra e Irlanda. Trabahou como correspondente internacional na Irlanda – cobrindo os acontecimentos no Ulster – e Portugal. Em 1976, foi convidado por seu editor no The Times para substituir o correspondente do jornal no Oriente Médio. Fisk trabalhou para o The Times até 1988, quando se mudou para o The Independent – após uma discussão com seus editores sobre a modificação de seus artigos, sem seu consentimento.

Robert Fisk cobriu a guerra civil do Líbano (iniciada em 1975), a invasão soviética de Afeganistão (1979), a guerra Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano (1982), a guerra civil na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e a Segunda Guerra do Golfo Pérsico (2003). Fisk notabiliza-se também pela cobertura ao conflito israelo-palestino. Ele é um defensor da causa palestina e do diálogo dos países árabes e do Irã com Israel.

Considerado como um dos maiores especialistas nos conflitos do Oriente Médio, Fisk contribuiu para divulgar internacionalmente os massacres na guerra civil argelina e nos campos de refugiados libaneses de Sabra e Chatila, os assassinatos de Saddam Hussein, as represálias israelenses durante a Intifada palestina e as atividades ilegais do governo dos Estados Unidos no Afeganistão e Irak. Fisk também entrevistou Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al-Qaeda, em 1993 (no Sudão) e 1997 (no Afeganistão).

Robert Fisk é o correspondente estrangeiro britânico mais premiado. Ele recebeu o Prêmio Correspondente Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e 1996). Também ganhou o Prêmio à Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido em 1998 e 2000.

Lucas

Esse cara é fantástico!

Substantivo Plural » Blog Archive » Querem nos vender outra vez a Ponte do Brooklyn!

[…] aqui […]

Marcos

Ou seja, não são apenas os jornais brasileiros que publicam qualquer bobagem, qualquer spam.

    Luca K

    Na mosca! Jornalismo vagabundo é feito no mundo inteiro.

Mauro Toshiuki

O que mais gosto de seu blog é a lucidez e o brilhantismo dos artigos que são postados aqui, esses "especialistas" que aparecem como alguns "Peritos" que nos caem no colo e nem sabemos sua procedência estão matando a arte do jornalismo e transformando esses veículos em sopa de letras para confundir a cabeça dos leitores. Nossos veículos de comunicação também às vezes tentam nos vender "Pontes do Brooklyn" e muitos leitores parecem comprar.

    Conceição Lemes

    Mauro, em vez de achismos, sugiro que pesquise quem é Robert Fisk. sds

    Luca K

    Acho q nem vc Conceição, nem nenhum dos que votaram negativamente o post do Mauro, sequer entenderam o q ele disse.

    Conceição Lemes

    Por favor, explique, Luca. Será que ele vai concordar com a sua "tradução"?

    Cesar Ferreira

    Não querendo me meter e já me metendo… Pelo que interpretei, o Mauro Toshiuki não está criticando o Robert Fisk, mas concordando com ele.
    No caso os especialistas entre aspas que o Mauro colocou não seria referência a Robert Fisk, mas justamente a concordância com o Robert Fisk de que nos vendem verdades baseadas em “fontes” (especialistas) nada confiáveis e claramente parciais e previsíveis.

    Tenório

    Fisk é apenas o maior jornalista vivo.

Daniel Nascimento

Qualquer semelhança com o tipo de "jornalismo" praticado aqui é mera coincidência…

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