Pepe Escobar: Liberdade ou morte

Tempo de leitura: 5 min

12/2/2011

por Pepe Escobar, Asia Times Online

Anunciei que permaneço no posto e que
continuarei a arcar com minhas responsabilidades.
[Presidente Hosni Mubarak]

Vamos arrancá-lo daí!
[Cantado, na praça Tahrir]

O que deve fazer uma revolução, quando esperava que um ditador decrépito arrumasse as malas e partisse, ao vivo, pela al-Jazeera? Principalmente quando, horas antes, esperava um golpe militar?

“Voltar para casa”? Pode esquecer.

O fantasmagórico faraó Mubarak é de fato uma inamovível velha estátua enterrada nas areias do deserto. “Fui bem claro”? As reformas serão “implementadas por nossas forças armadas”? Artigo 179 – base da lei de emergência – será alterado, quem sabe, algum dia? Vagos poderes garantidos ao vice-presidente Omar “Sheikh al-Tortura” Suleiman?

(A fala deliberadamente vaga do octogenário presidente Hosni Mubarak significava qualquer coisa, de “delegar poder” – não todo o poder – a “delegar as autoridades” de presidente, a tal ponto que o embaixador do Egito nos EUA teve de telefonar à CNN para explicar que Mubarak passou a ser presidente de direito, com Suleiman como presidente de fato. Tradução: Mubarak virou fantasma oficial. Cabeça de fantoche. Ou, sabe-se lá, nada disso.)

Noutro registro, a ditadura militar (Suleiman, o ministro da Defesa marechal-de-campo Mohammed Hussein Tantawi e o comandante do exército tenente-general Sami Annan) esteve em todas as bocas ao longo dessa 5ª-feira. E nada fez sentido.

Então veio o “Sheikh al-Tortura”, sinistro feito ator B em papel de Nosferatu. Como se o Sheikh al-Tortura anunciasse que, dali em diante, todas as práticas monstruosas que ele  supervisiona seriam conduzidas ordeiramente, para serem mais democráticas. Abrimos “as portas do diálogo”? “Não ouçam” a “subversão” das “redes de televisão por satélite”? “Voltem para casa”? A mesma conversa ‘nós, ou o caos’? O Sheikh al-Tortura pelo menos não trocou de fantasia. Afinal de contas, já ameaçara soltar “as bestas feras da noite… para aterrorizar as pessoas”. A rua sabe que ele mal se aguenta de vontade de por-se a matar à moda medieval.

O regime como um todo ameaçara que o exército imporia lei marcial. O ministro do Exterior Ahmed Aboul Gheit disse à rede al-Arabiyya que “queremos que as forças armadas assumam a responsabilidade por estabilizar a nação mediante lei marcial, com o exército nas ruas”.

Essam al-Erian da Fraternidade Muçulmana temia que o exército estivesse preparando o golpe. O New York Times, em mais um característico surto de amnésia, destacou que “Os militares planejam assumir o controle” (os militares jamais saíram do governo em toda a história moderna do Egito).

Apesar daquele Nilo de esperanças, a rua não sabia se se preparava para uma grande festa ou para um banho de sangue. No fim, nem  uma nem outro.

O Alto Comando Egípcio – o importante é que sem Mubarak e Suleiman – havia lançado um bayan raqm wahad (“Declaração n. 1”, em árabe), coisa que, no mundo árabe é a expressão-código para golpe militar. A declaração, a duras penas, anunciava “apoio às legítimas demandas do povo”. É a ideia que têm para um novo brilhante futuro para o Egito (idade média no país: 24 anos); comunicado vagabundo.

Fato é que parte da rua considerava um “golpe de transição” melhor do que um Sheikh-al-Tortura de transição. A rua já havia deixado claro que não aceitaria governo de transição chefiado pelo Sheikh al-Tortura – vulgo mubarakismo com maquiagem leve.

Ontem, o próprio Mubarak anunciou que passava o bastão para o Sheikh al-Tortura – mas talvez não. Assim, do ponto de vista da rua, preparou-se o cenário para “negociações” controladas pelo regime. A rua sabe que Suleiman manipulará essas conversações como perfeita cobertura para impor-se, maquiagem leve, e perpetuar o regime dos torturadores. Adeus, democracia. Afinal, o Sheikh al-Tortura em pessoa já disse que o Egito não está preparado para a democracia.

E o exército? Saiu de cena? Rachou?

Antes da dupla aparição Mubarak/Suleiman na televisão estatal, o boato mais quente que circulava no Cairo dizia que Washington não economizou conversas e ameaças para conseguir que Mubarak transferisse seus poderes – todos – para Suleiman. Annan e uma maioria de altos oficiais militares se opunham à proposta de Washington, mas os comandantes da Força Aérea e da Guarda Republicana aprovavam. Tantawi sentou no muro. Dica de cocheira, era que Annan venceria.

Até agora, não venceu. O exército se dividirá? Imediatamente depois da fala de Mubarak, muita gente no Cairo começou a receber mensagens de texto nos celulares, do Alto Comando do Egito, dizendo que estavam “monitorando” a situação e “decidiremos como agir” – mensagem mais ambígua nunca houve. Demora, até construírem o comunicado n. 2.

Tudo sugere que esteja em curso uma dura guerra civil palaciana no Cairo. Talvez uma dupla divisão: dentro da ditadura militar (o exército contra os serviços secretos militares), mais o exército contra Mubarak. É receita certa de banho de sangue a qualquer momento. O exército não pode continuar a fazer jogo duplo e assistir à disputa sentado no muro. Restou à rua a estratégia de aumentar ao máximo a pressão sobre os comandantes militares e os soldados recrutas, para obrigá-los a alinhar-se com a democracia.

Enquanto isso, a narrativa dominante em Washington é que a Casa Branca foi outra vez horrorosamente humilhada por um sátrapa. Há precedentes, como já escrevemos, do primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu ao presidente do Paquistão. Mas considerando as apostas estratosfericamente altas, Washington, Telavive e Riad estão, mais ou menos, conseguindo o que queriam, tendo apostado no pangaré da “transição ordeira”.

Até agora, estão com o Sheikh al-Tortura como novo rais de fato; com Mubarak como fantasma, cabeça-sem-mula, ou manobrador invisível de fantoches, e o exército, pelo menos teoricamente está apoiando o novo homem forte. O único detalhe que não se considerou é o povo.

Interessante é que a rede al-Arabiyya – que é a voz amplificada da Casa de Saud – sabia exatamente o que Mubarak diria, desde, pelo menos, uma hora antes de o discurso ir ao ar. O resto do mundo, a Casa Branca e a CIA-EUA inclusive, tinha certeza de que ele renunciaria.

Num plano paralelo, o mais próximo que Barack Obama dos EUA jamais chegou de apoiar com clareza o poder popular, ou quase, é uma frase patética, da declaração feita depois do fiasco de Mubarak/Suleiman pela televisão, em que disse que “os que exerceram o direito de reunir-se pacificamente (…) são amplamente representativos da sociedade egípcia”. Mr. President, a rua egípcia está de olho no senhor.

A bola maior-que-a-vida voltou para o campo da rua egípcia. A luta agora é conseguir o completo desmonte da polícia secreta. Nas palavras de muitos manifestantes na praça Tahrir: “Liberdade ou morte”. É possível que o Egito arda, porque o regime está apostando no incêndio. O que deve fazer a revolução? Avançar sobre a Bastilha, ou insistir na resistência passiva sem fim? Vá para o lado que for, o tempo de liberdade ou morte é hoje.

________________

* Orig. “Give me liberty or give me death”. É frase atribuída a Patrick Henry (1736-1799), um dos Pais Fundadores dos EUA, orador e político que liderou o movimento de independência da Virgínia, nos anos 1770s. É frase muito conhecida nos EUA (uma espécie de “Independência ou Morte” no Brasil). Uma versão do discurso, datado de 23/3/1775 (em inglês), pode ser lida em http://libertyonline.hypermall.com/henry-liberty.html  [NTs].


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Bonifa

Vamos pensar: Obama fez um discurso para o mundo e também para os americanos. Um único discurso o qual, que se queira ou não, será histórico. Isso não é como a Folha, que tem uma edição para São Paulo e outra para o resto do Brasil. O discurso foi geral. Então vejamos: em primeiro lugar Obama quer atingir aos americanos, é claro. Foi um discurso pensado em 90% para o público interno e 10% para o resto. Obama quer fazer o povo americano pensar o quê exatamente? Que os EEUU devem verdadeiramente disseminar e apoiar a democracia mundo afora, mesmo que isso possa ferir posições estratégicas de um ultrapassado conceito colonial. De fato, ter que apoiar-se em regimes desumanos é nojento, segundo o povo americano pensa que os EUA se relacionam com o resto dos povos. A revolução egípcia libertou Obama dos horrores do apoio a monstruosidades, e isso não é pouca coisa. Obama hoje está com a palavra, e não os neocons. Isto é fantasticamente inesperado.

Silvio

Vamos a esperar. Os militares egípcios, tem sido formados nas escolas militares dos EUA. Todo o armamento durante 35 anos tem sido fornecido pelos EUA. Esse tem sido o apoio dos EUA. E muito provável que se troque sô a coleira do cachorro. Vamos a ver como vai ser esse chamado a eleições livres.

    wagner souza

    Bilhoes de dollares todos os anos, Moooobarak rouba metade para si e seus chegados mais proximos e o resto volta aos EUA para comprar balas ja com tempo de validade expirado, tanques de guerra usados e obsoletos, avioes de geracao antiga enfim, o poder militar do egito e uma farsa, com pare o que tem Israel e o Egito e se pode rir!

SILOÉ

As forças armadas de lá é bancada pelos EUA , portanto… será o que o Obama determinar.

monge scéptico

O sr PAULO surtou. É preciso conhecer muito bem CUBA para falar se eram inocentes
os que foram passados pelas armas. Mas isto é outra "estória".
Haverá mudanças de fato? Não creio; o títere substituto, será apenas mais um pau man-
-dado por washigton. Vão a parede suja e, dizer que está nova. Nem os egípcios sabem
o que querem. Um islamismo não fanático e democrático seria desejável; mas isso é com
eles. BOA SORTE!!

    wagner souza

    Eu nao diria que os egipcios nao sabem o que querem, eu acho que eles sabem o que nao querem neste momento, vamos olhar o Brasil, milhoes queriam o Serra, o PSDB e suas ideias, e muito facil enganar gente que nao tem nada na cabeca, independente do partido vencedor, no nosso caso o PT. O PT nao ganhou facil, muita ignorancia misturada com religiao, aborto, fricotes da vizinha etc etc, nao somos nem um pouquinho melhores que o Egito, pelo menos os que idealizaram o Serra como o salvador da patria, cria de FHC o privatizador da patria…ha nos Brasileiros!

Acabou para Mubarak, com a força do povo | A Tal Mineira – Blog da Sulamita

[…] Pepe Escobar, Ásia Times Online: Liberdade ou morte […]

aurélio

Admiro muito os romanticos e os idealistas, tipo Pepe e vc. Azenha, mas infelizmente o mundo não é como nós desejamos, ou queremos, é real. Seria muito melhor um ditador acuado do que militares renovados em uma nova ditadura, o que ocorreu foi um "golpe branco", os" valorosos" militares egipcios atenderam a demanda principal dos desorganizados manifestantes, tão rachados que só tinham em comum a derrubada de Mubarak. Agora ou voltam para seus afazeres e deixam os "profissionais" tomarem conta, ou serão classificados como "agitadores terroristas", e logicamente para o bem da transição democratica, garantia da recuperação economica, a policia e o exercito vão baixar o pau nestes "desordeiros" para que eles entendam o que é democracia.

Bonifa

Caro Azenha, está todo mundo falando mal do discurso do Obama, que foi vazio e genérico, que ele esteve em cima do muro até o fim, que a Clinton apoiou explicitamente o Mubarak. Não penso assim. Clinton não é Obama. Acredito que o discurso foi de enorme importância. Ressaltou que a revolução egípcia foi bela, pacífica, plural e altamente carregada de significado pela força das aspirações populares ao se levantarem para exigir democracia. Ressaltou também que um novo governo deverá ser composto por todas as correntes de pensamento do Egito. Acreditamos que para o Obama esta vitória revolucionária foi algo de maravilhosamente inesperado. Exatamente porque foi uma derrota formidável para a Clinton. E uma derrota fatal para os neocons. Os neocons foram abalados pelos alicerces com a revolução egípcia, e o Obama em sua fala aproveitou para fazer o povo americano sentir a pulsação de seu compromisso primal com a democracia, acima das geoestratégias repulsivas dos neocons. Isso vai fortalecer muito o Obama em sua sofrida tentativa de implementar um mínimo dos seus compromissos de campanha.

    betinho2

    Bonifa
    Concordaria totalmente com você se Obama tivesse enfaticamente feito um "mea culpa" em nome dos EE.UU, por terem ajudado a criar e engordar essa "anomalia" chamada Hosni Mubarak. É isso que faltou para que o pronunciamento de Obama tivesse um mínimo de sinceridade. Estão na verdade rejeitando o "filho" caido em desgraça, mas que eles sempre souberam que era uma desgraça para o Egito e para a região. Estão, através de Obama, "lavando as mãos", como eu intuitivamente antecipei num comentário em outro post.
    Quero ver ele ter a dignidade que teve Lula em pedir desculpas aos países africanos pelo tráfico de negros e a escravidão que o Brasil praticou.
    Fora isso é conversa para manter lá no Egito seus tentáculos de poder e manipulação.

    Bonifa

    Compreendo suas observações, Betinho, mas acredito que o discurso de Obama não foi feito para o mundo e sim para os americanos. É um discurso para efeito interno. Está havendo em Washington uma briga feia entre obanistas e neocons. É neste cenário que Obama tenta galvanizar um mínimo de compromisso com teses democráticas fundamentais, que ultimamente foram grosseiramente substituidas por um descarado cinismo em relação aos métodos de dominação americana de outros povos, métodos jogados inescrupulosamente ao conhecimento do próprio povo, como a tentar envolvê-lo na cumplicidade da ferocidade e da mentira. Neste contexto, contexto interno, as palavras de Obama são verdadeiras punhaladas nas teses neocons. É preciso muito cuidado para, ao atacar Obama, não se estar fazendo favores aos neocons.

Paulo Amaral

Cuba… liberdade ou morte…

Fora tirano genocida do seu próprio povo.

Fora Castro assassino de inocentes.

    Gerson

    Não é o que pensa o povo cubano Paulo, esqueça.

    É mais fácil colocar 2 milhões de cubanos nas ruas para defender o regime do que você imagina.

    Fernando – Osasco

    O Paulo é um agitador anti lulista, um fanático neocom.
    Mas, …ditadura é ditadura, seja de direita ou esquerda.
    Sempre discuto com quem chama Chaves de ditador, afinal ele foi eleito e re-eleito pelo voto popular (inclusive e diferente do FHC, a re eleição foi aprovada sob consulta popular e não com o Sérgião no congresso).
    Mas, Cuba é uma ditadura e poder não se passa para irmão, o poder deve ser do povo.
    Viva a Democracia, Viva o Lula, Viva a Dilma e Viva o Brasil

    betinho2

    Acho que temos de analisar os conceitos do que é realmente uma ditadura.
    Não me consta que os antigos "reinados" que não só passaram para irmãos, mas também de pai ou mãe pra filho ou filha, tenham sido históricamente classificados como ditadura.
    E Cuba, pela sua história e sua posição geográfica e pela resistência contra a volta de um Fulgêncio "Mubarak" Batista, pode-se até dizer que está ha 50 anos em guerra contra um opressor a poucas milhas de distância. isso justifica a manutenção do poder, sem no entanto caracteriza-la como uma ditadura, na acepção que se costuma dar. Um governo, por mais que se mantenha por décadas, mas que tem como prioridade o amparo a seu povo, à soberania da nação, jamais pode ser comparado com um governo déspota e alinhado a interesses alienígenas, como foi o do Egito, por 30 anos, que esperamos se encerre definitivamente.

    Leider_Lincoln

    O sistema eleitoral de Cuba difere pouco do dos EUA e seu colégio eleitoral. Nos lembremos que Bush, filho de outro Bush, também presidente, foi "eleito" duas vezes mediante fraude. Ou você acha que a plutocracia bipartidária é democrática?

    rogerio

    QUE QUI É ISSO PAULO…??? TÁ MALUCO??? EGITO,CARA!!! EGITO!!! EGITO!!!

    ratusnatus

    Qual sua opinião sobre a atitude de Rodrigão perante Adriana?

    betinho2

    Poderia também perguntar qual o motivo de Reinaldo e Jabour passarem a se bicar frente ao cocho. Seria racionamento se ração?..rsrs

    Gersier

    Como tem alienado pelo PIG que gosta de escrever babaquices.Dias atrás tive o prazer de conhecer uma senhora cubana.Perguntei a ela o que achava de Fidel.Fiquei surpreso ao ouvi-la dizer que a "imprensa" brasileira é "subserviente" e defende os interesses americanos e é por isso que muitos brasileiros tem uma idéia errada sobre Cuba e o seu povo.Disse ela que Cuba seria hoje mais um "quintal americano" caso Fidel não tivesse corrido com o corrupto Batista.Disse ainda que não fosse o embargo e a perseguição do governo americano ao povo cubano,a vida dos cubanos seria bem melhor.

    Paulo Amaral

    Queres uma passagem só de ida ao ""paraíso""" dos Castros??? eu pago na hora… vai encarar uma passagem só de ida pra "ilha do paraíso"""…. vamos lá… eu pago… qual a companhia.??? ""Foice Air"??

    Pedro

    EU queria lhe dar uma passagem pra longe. E ainda o deixo escolher. Disney? Projac? Blog do Uncle King? Do professor Hariovaldo?

    Wsouza

    Meu Deus…uma voz clara no meio de tanto grito!

    luiz pinheiro

    Já vi antes essa forma de atacar algum governante dizendo que ele faz mal "ao seu próprio povo".
    Era o Bush Junior que falava assim.
    Paulo Amaral, voce apenas copia o Bush Junior..
    O Bush Junior usava essa expressão quando queria atacar um governante que considerava inimigo.
    É que, para o Bush Junior, só faz sentido fazer mal aos outros povos.

Deixe seu comentário

Leia também