Osvaldo Coggiola explica a origem do Movimento Passe Livre

Tempo de leitura: 6 min

Sobre vândalos, antropófagos, canibais, tucanos, petistas e pessoas

por Osvaldo Coggiola, via e-mail

Depois da quarta jornada de protestos, em que uma manifestação de 20 mil pessoas em São Paulo foi atacada de modo selvagem pela PM (com um saldo de 150 detidos e 55 feridos), fomos informados que “o comando do PT está insatisfeito com a atuação do prefeito Fernando Haddad em relação aos protestos contra a tarifa. E, temendo a nacionalização do problema, decidiu intervir para evitar que contamine a imagem do partido em todo o país”.

Tarde demais, Lula. A presidente Dilma Rousseff foi vaiada (três vezes) na abertura da Copa das Confederações. A “contaminação” chegou a Brasília. Mais significativo talvez, Joseph Blatter (presidente da FIFA e mafioso internacional, segundo Diego Maradona, que alguma coisa aprendeu a respeito em Nápoles) pediu respeito e foi vaiado mais ainda.

O problema já está “nacionalizado” (Rio de Janeiro, Goiânia, Natal e Porto Alegre tiveram manifestações, além de São Paulo) e até “internacionalizado” (Blatter que o diga), com piquetes solidários com os manifestantes brasileiros em várias capitais do mundo (França, Alemanha, Portugal e Canadá).

Os torcedores do Estádio Mané Garrincha foram só os (circunstancialmente) últimos da lista. Até a juventude do PT já declarou seu apoio aos protestos. E a viúva do Mané (Elza Soares) cantou um novo samba: “R$0,20 eu não pago não”. O Brasil se põe em pé de luta, os jornais do mundo inteiro se fazem eco.

A PM “despreparada” (na verdade, preparada demais para sua função precípua) desceu o sarrafo até em um jornalista que carregava vinagre, declarado material para preparação de explosivos por um comandante da corporação, numa linha de pensamento inaugurada há dez anos, quando comandantes militares do superpreparado exército dos EUA no Iraque exibiram tambores de inseticida como “armas de destruição em massa”, aderindo, talvez de modo involuntário, à campanha ecológica mundial contra o uso de agrotóxicos. Ninguém foi poupado, em São Paulo.

Pessoas desmaiando, gritaria, centenas de homens e mulheres presos e feridos gravemente, inclusive idosos e crianças. “Segurança”.  E já nos informaram também que o principal saldo da Copa das Confederações, da Copa 2014 e da Olimpíada 2016, além das vitórias brasileiras, claro, será a institucionalização dos “novos esquemas de segurança”…

O MP pediu 45 dias de trégua para se chegar a um acordo (R$ 3,10?). Os administradores estatais do partido de número 45 já anunciaram que, trégua ou não, não haverá cessar fogo da parte da corporação militar/estatal dotada de armas calibre 45.

Fernando Haddad, exemplo perfeito do tecnocrata petista que cresceu à sombra de cargos administrativos, obtidos a cavalo do esforço de milhares de militantes populares na década de 1980 (e dos resistentes contra a ditadura nas décadas de 60 e 70), declarou, desde a inspiradora Paris, que aceitaria sentar para discutir e negociar, mas sem abrir mão dos R$ 3,20.

Doutor (e docente) em Ciência Política pela USP, onde será que aprendeu o sentido das palavras “discussão” e “negociação“? A longa licença para cargos comissionados parece tê-lo feito esquecer noções básicas de vestibular.

Sentado ao seu lado estava o governador do Estado, que meteu o bedelho nos assuntos metropolitanos e deu carta branca para a PM estadual atuar, como se seu partido não tivesse perdido as eleições municipais, e que demonstrou que leva bem a sério sua filiação à Opus Dei, ao declarar os manifestantes “vândalos”, para honra retroativa do nobre e pagão povo guerreiro das estepes europeias.

Já o governador de Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), qualificou as manifestações de ”políticas”, e invocou sua condição de ex militante do Partido Comunista para justificar a repressão.

Ele sabe das coisas, vejam só. No Rio, todos os usuários do metrô estão sendo submetidos a revistas policiais ex comunistas.

Desde as páginas da Folha de S. Paulo (e de outros jornais brasileiros que compram sua coluna), jornal que, como de hábito, tomou seu tempo para mudar o qualificativo de “vândalos” pelo de “manifestantes”, Elio Gáspari também incursionou pelo campo histórico/antropológico, qualificando os enfrentamentos nas ruas paulistanas de “luta entre canibais e antropófagos”, ignorando que os primeiros são só uma variante dos segundos.

A luta entre a tribo caribenha que usava esse nome e os colonizadores europeus concluiu na aniquilação total desse povo, em razão declarada de 100 x 1 pelos evangelizadores espanhóis (100 canibais mortos para cada espanhol idem), os quais, depois de realizado o massacre, cristiana e civilizadamente, não os comeram.

No início da manifestação de quinta-feira 13, frente ao Teatro Municipal, tudo estava pacífico, exceto pelas revistas feitas pelos policiais prendendo qualquer um que estivesse com algo que considerassem suspeito, inclusive vinagre.

Muitos manifestantes distribuíam flores entre as ativistas e à própria polícia. Mas havia muitos de “P2”, policiais disfarçados, entre os manifestantes.

A marcha seguiu organizada, sem qualquer violência; quando os manifestantes já caminhavam havia cerca de 30 minutos, a palavra de ordem era: “sem violência”, ou seja, sem provocações. Quando a manifestação chegou à Praça Roosevelt, a Tropa de Choque irrompeu pela parte da frente do ato e outra parte por trás, encurralando os manifestantes.

A Polícia Militar (PM) começou a reprimir de forma violenta e generalizada.

A tropa de choque deu tiros e atirou contra a multidão: bala de borracha, gás de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo.

A repressão generalizada durou cinco horas, aterrorizando também os populares que passavam pela região.

Nem os jornalistas identificados se salvaram: sete repórteres da Folha de S. Paulo ficaram feridos, incluindo uma jornalista que feriu um olho com o tiro de uma bala de borracha.

Os estudantes que saíam de uma faculdade eram revistados um a um. Alguns poucos tentaram improvisar, como defesa, barricadas de sacos de lixo, as quais se ateava fogo.

A “violência” dos manifestantes não passou disso. No mesmo dia 13, Rio de Janeiro também parou e teve manifestações contra o seu próprio aumento da tarifa.

R$ 0,20? Uma nova “revolta do vintém”? Que seja. Já foi (bem) dito que a revolta, agora, é por muito mais: pela dignidade, pela juventude, pelo direito democrático a manifestar na rua (existe outro lugar?). Mas é também por 0,20. Ou por mais. R$ 0,20 multiplicado por milhões, diariamente, numa cidade de 19,2 milhões de habitantes.

Nos últimos 15 anos, o custo da passagem de ônibus triplicou. Quem recebe um salário mínimo em São Paulo e utiliza um ônibus e um metrô para ir e retornar do trabalho tem um gasto que equivale a quase 27% de sua renda, e passa mais três horas por dia em meios superlotados, isto é, um mês por ano.

0,20 foi a gota d’água (pesada). Afinal, foram uns 0,20% a mais de matéria sobre antimatéria os que provocaram o big bang.

R$3,20 equivalem a US$ 1,50.

Passagens mais caras do que no “Primeiro Mundo”. Em Roma, por exemplo, qualquer cidadão (ou turista) tem direito a um passe mensal de 30 euros (R$ 80), para usar qualquer meio de transporte público (ónibus, trem, metrô).

Noventa viagens por mês (três por dia) custam menos de R$ 0,90 cada. Os estudantes (de qualquer nível) tem direito a um passe anual, em que essa quantia cai para menos da metade. Mas, claro, são estudantes europeus; não são estudantes, trabalhadores ou jovens de periferia brasileiros. Que têm, como se sabe, um poder aquisitivo muito maior.

A grande imprensa achou um arcano a destrinchar: a identidade do Movimento Passe Livre (MPL), no qual é contabilizada a presença de alguns partidos (de esquerda) conhecidos, e de outras siglas menos conhecidas (ou simplesmente desconhecidas).

Plinio de Arruda Sampaio, único político midiático que teve a honra de estar presente na manifestação do dia 13, apontou que “quem faz vandalismo é um grupo anarquista”, uma associação duvidosa de dois adjetivos.

Um jornalista do Metrô, jornal que, como outros, é subversivamente distribuído de modo gratuito (se há jornais gratuitos, porque não ónibus gratuitos também?), chegou a elencar a presença da LER, “Liga da Estratificação (sic) Revolucionária”. Atualização urgente, vai precisar cada vez mais.

O Movimento Passe Livre, principal articulador dos protestos, teve sua origem em uma revolta popular espontânea na cidade de Salvador, em 2003, a “Revolta do Buzu”.

Estendeu-se nacionalmente, protagonizou a “revolta da catraca” em Florianópolis, conheceu fortes debates políticos internos. A força da mobilização juvenil assustou uma parte dos governos das prefeituras, a ponto de várias cidades abaixarem as tarifas (Campinas), ou obedeceram decisão judicial nesse sentido (Goiânia).

O movimento já tem dez anos de história. No Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005, ”institucionalizou” sua organização em torno de ir e vir na cidade como direito básico que deve ser assegurado pelo poder público, assim como a educação e a saúde, reivindicando a mudança do modelo de transporte, sob a forma de concessões a empresários privados, para um modelo público. O que exigiria, como outras transformações igualmente necessárias (a remodelação da cidade e do espaço), atacar o atual regime social (capitalista).

Logo de cara, exige discutir a espantosa dívida de municípios e estados (R$ 177,5 bilhões, só a do estado de São Paulo, ou mais de 150% de sua receita fiscal) e seus beneficiários (os tubarões financeiros), o controle público dos lucros espantosos das empresas adjudicatárias do transporte urbano, sem falar no orçamento das forças de repressão, em primeiro lugar a PM. Mas não é nada disso que discutem as siglas que todo mundo conhece.

Os jovens que lutam pelo passe livre iniciaram uma virada política no país. 35 grupos de vários Estados convocam a sociedade para participar de marchas nesta semana.

Além das capitais já mobilizadas,estão previstas manifestações em Belém (PA), Viçosa (MG), Juiz de Fora (MG), Bauru (SP) e Foz do Iguaçu (PR) no mesmo dia. No exterior, haverá protestos solidários em Bruxelas (Bélgica), Chicago (EUA), Berlim (Alemanha), Dublin (Irlanda), Cambridge (EUA), Nova York (EUA), Montreal (Canadá), Boston (EUA), San Diego (EUA), Los Angeles (EUA).

Já não era sem tempo. O inverno brasileiro está acabando: já se sentem no ar os cheiros da primavera.

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Dilma e os jovens: Não é apenas um problema de comunicação


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Comentários

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andre ferreira

Texto complicado…. parece comunista e muito politico ! Amensagem nas ras é clara, queremos melhor emprego do dinheiro píblico e mais transparencia nos contratos firmados entre prefeitura e empresariosdo transporte ! Só lamento que a única reinvidicação dos protestos ocorridos na cidade só tenha um objetivo mais concreto que é o reahusteda trifa do transporte sendo que na verdade dos males esse é o menor. Eu quero é acabar com cmara municipal, aquele bando de encostado que passa o mandato todinho trabalhando para sua reeleição e que nem projeto faz e sim compra pela iternet sem falar nos seus acessores que ganham até 7.000 reais e fazem o que? tem porteiro na camara que ganha 16.000,00 reais ACORDA BRASIL! 0,20 centavos diante de tanta sacanagem chega a ser até infantil…..e a saúde, educação, codigo penal recisa ser reforado com leis mais severas , e o assistencialismo barato atraves de uma infinidades de bolsas…e a maioridade penal…ACORDA BRASIL façam uma paua de reinvidicções mais objetivas e não vamos sair das ruas até conquista-las

Dilma e os jovens: Não é apenas um problema de comunicação | Jornal A Verdade

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Pedro

O articulista menciona cinco (5)cidades brasileiras em que haverá manifestações. Já os “protestos solidários” acontecerão em dez (10) cidades no exterior. Um delas é Nova York! E vejam a falta de solidariedade dos protestantes brasileiros – esses que protestam – com o movimento Occupy Wall Street que tem levado porrada da polícia civilizada de Nova York, não sei se mais ou tão truculenta como a do Alkmin. O fato é que já mataram gente por lá.

Maria Izabel L Silva

Pobre Coggiolla. Chegou atrasado. Passe Livre uma ova. É um bando de porras loucas atacando tudo que vem pela frente. Desde 7 da noite estão tentando incendiar a Alerj. Vão conseguir, por que a Policia não pode tocar neles. Só tem branco de classe media. E eles são intocábveis desde que o PIG aderiu ao movimento e a policia foi neutralizada pelos fascistas de plantão nas redações dos jornais, achando que, contra o PT e contra Dilma tudo é permitido. Mas os alvos não são somente Dilma e o PT. É uma lambança geral. Uma manifestação de selvageria praticada não pelos traficantes do morro, mas pela classe media do Rio de Janeiro. Estão barbarizando a Alerj e o antigo Paço Imperial. Muito democratico. Azenha nos poupe dos Coggiola da vida, tentando justificar o injustificavel.

    Jose Mario HRP

    Velhice de espirito.

    Adelena Vieira da Silva

    Parabéns pela sua lucidez. Mas as manifestações também merecem respeito( as que são pacíficas(. Gostaria de ver a cidade de Contagem(Bairro Nacional, ACORDA!!), PROTESTANDO CONTRA OS ASSALTOS…das tarifas também.

Luiz Fortaleza

Um tapa na cara do PT e de sua militância cega apaixonada das redes sociais.

Leo V

Comandante-geral da PM pede protesto contra mensalão

Ao iG, dois participantes da reunião da SSP com o MPL relatam que Benedito Meira sugeriu incluir na manifestação de hoje pedido de prisão dos condenados no processo do Mensalão

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-06-17/comandante-geral-da-pm-sugere-politizacao-de-protestos-em-sao-paulo.html

(A direita tenta manipular os manifestantes, há boatos de que PT e PCdoB farão tentativa também de mudar o foco dos protestos.. tarefa difícil… ingenuamente eles acham que são jovens que saíram à rua por conta de chamado em facebook, e não fruto de um movimento e de militância que tem quase 10 anos).

Ely Veríssimo

Coggiola, cuidado, neste espaço as críticas ao Pt são respondidas prontamente com desqualificação e falta de argumentos. Mesmo assim, foi uma análise muito boa, tanto quanto a do Azenha aqui http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/governo-dilma-nao-e-apenas-um-problema-de-comunicacao.html

Isabela

Leitura provocadora e histórico-informativa: dissemine-se!

Urbano

Salvo raríssimas exceções no contigente mundial, a quantidade de neurônios ó… Só pode ser adrede a convocação. A que tem fama de possuir dois neurônios a mais assassinou um brasileiro a troco de nada, apesar do serviço de inteligência. Olhem que nesse serviço só os crânios, e deu no que deu.

    Urbano

    … contingente…

    Urbano

    Acima temos um bom exemplo do que digo…

carlos saraiva e saraiva

Lembro ao Sr. Coggiola, que o PT, sempre foi favorável ao protesto pois é uma agenda sua. Os militantes petistas e sua juventude participaram dos eventos. O prefeito Haddad, chamou os representantes do movimento para discussão.A executiva municipal do PT, se pronunciou, rapidamente em favor dos protestos. Gostaria que o Sr. Coggiola, se é um militante de esquerda, deixe de lado a luta politica intraesquerda e antipetista, e venha participar , junto com o PT e os companheiros , na luta contra a direita e sua mídia golpista. Para que possamos pressionar os governos , sobretudo o governo federal e os estaduais e municipais, comprometido com as mudanças à avançarem nas rupturas necessárias e na democratização das politicas públicas. Esta pauta é nossa e não do oportunismo da direita e sua mídia golpista.

    Willian

    Movimento social, manifestações e protestos, só sob as asas e o comando do PT. Se não, não é legítimo.

    Aprendam.

Vinicius Garcia

Já vi encheção de linguiça melhor que isso…

Dilma e o jovens: Não é apenas um problema de comunicação – Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Osvaldo Coggiola explica a origem do Movimento Passe Livre […]

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