Mauro Santayana: O Brasil não é feito só de ladrões

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povo brasileiro

FELIZ ANO NOVO ! O BRASIL NÃO É FEITO SÓ DE LADRÕES

por Mauro Santayana, em seu blog, sugestão via e-mail de Mendel Rabinovitch

(Jornal do Brasil) – Inaugura-se, nesta quinta-feira, novo ano do Calendário Gregoriano, o de número 2015 após o nascimento de Jesus Cristo, 515, depois do Descobrimento, 193, da Independência, e 125, da Proclamação da República.

Tais referências cronológicas ajudam a lembrar que nem o mundo, nem o Brasil, foram feitos em um dia, e que estamos aqui como parte de longo processo histórico que flui em velocidade e forma muitíssimo diferentes daquelas que podem ser apreendidas e entendidas, no plano individual, pela maioria dos cidadãos brasileiros.

Ao longo de todo esse tempo, e mesmo antes do nascimento de Cristo, já existíamos, lutávamos, travávamos batalhas, construíamos barcos e pirâmides, cidades e templos, nações e impérios, observávamos as estrelas, o cair da chuva, o movimento do Sol e da Lua sobre nossas cabeças, e o crescimento das plantas e dos animais.

Em que ponto estamos de nossa História ?

Nesta passagem de ano, somos 200 milhões de brasileiros, que, em sua imensa maioria, trabalham, estudam, plantam,  criam, empreendem, realizam, todos os dias.

Nos últimos anos, voltamos a construir navios, hidrelétricas, refinarias, aeroportos, ferrovias, portos, rodovias, hidrovias, e a fazer coisas que nunca fizemos antes, como submarinos – até mesmo atômicos – ou trens de levitação magnética.

Desde 2002, a safra agrícola duplicou – vai bater novo recorde  este ano –  e a produção de automóveis, triplicou.

Há 12 anos, com 500 bilhões de dólares de PIB, devíamos 40 bilhões de dólares ao FMI, tínhamos uma dívida líquida de mais de 50%, e éramos a décima-quarta economia do mundo.

Hoje, com 2 trilhões e 300 bilhões de dólares de PIB, e 370 bilhões de dólares em reservas monetárias,  somos a sétima maior economia do mundo. Com menos de 6% de desemprego, temos uma dívida líquida de 33%, e um salário mínimo, em dólares, mais de três vezes superior ao que tínhamos naquele momento.

De onde vieram essas conquistas?

Do suor, da persistência, do talento e da criatividade de milhões de brasileiros. E, sobretudo, da confiança que temos em nós mesmos, no nosso trabalho e determinação, e no nosso país.

Não podemos nos iludir.

Não estamos sozinhos neste mundo. Competimos com outras grandes nações, que conosco dividem as 10 primeiras posições da economia mundial, por recursos, mercados, influência política e econômica, em escala global.

Não são poucos os países e lideranças externas, que torcem para que nossa nação sucumba, esmoreça, perca o rumo e a confiança, e se entregue, totalmente, a países e regiões do mundo que sempre nos exploraram no passado – e ainda continuam a fazê-lo –  e que adorariam ver diminuída a projeção do Brasil sobre áreas em que temos forte influência geopolítica, como a África e a América Latina.

Nosso espaço neste planeta, nosso lugar na História, foi conquistado com suor e sangue, por antepassados conhecidos e anônimos, entre outras muitas batalhas, nas lutas coloniais contra portugueses, holandeses, espanhóis e franceses; na Inconfidência Mineira, e nas revoltas que a precederam como a dos Beckman e a de Filipe dos Santos; nas Conjurações Baiana e Carioca, na Revolução Pernambucana; na Revolta dos Malês e no Quilombo de Palmares; na Guerra de Independência até a expulsão das tropas lusitanas; nas Entradas e Bandeiras, com a Conquista do Oeste, da qual tomaram parte também Rondon, Getúlio e Juscelino Kubitscheck; na luta pela Liberdade e a Democracia nos campos de batalha da Europa, na Segunda Guerra Mundial.

As passagens de um ano para outro, deveriam servir para isso: refletir sobre o que somos, e reverenciar patriotas do passado e do presente.

Brasileiros como os que estão trabalhando, neste momento, na selva amazônica, construindo algumas das maiores hidrelétricas do mundo, como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio; como os que vão passar o réveillon em clareiras no meio da floresta, longe de suas famílias, instalando torres de linhas de alta tensão de transmissão de eletricidade de centenas de quilômetros de extensão; ou os que estão trabalhando, a dezenas de metros de altura, em nossas praias e montanhas, montando ou dando manutenção em geradores eólicos;

ou os que estão construindo gigantescas plataformas de  petróleo com capacidade de exploração de 120.000 barris por dia, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, como as 9 que foram instaladas este ano; ou os que estão construindo novas refinarias e complexos petroquímicos, como a RENEST e o COMPERJ, em Pernambuco e no Rio de Janeiro; ou os que estão trabalhando na ampliação e reforma de portos, como os de Fortaleza, Natal, Salvador, Santos, Recife, ou no término da construção do Superporto do Açu, no Rio de Janeiro;

ou os técnicos, oficiais e engenheiros da iniciativa privada e da Marinha que trabalham em estaleiros, siderúrgicas e fundições, para construir nossos novos submarinos convencionais e atômicos, em Itaguaí; os técnicos da AEB – Agência Espacial Brasileira, e do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que acabam de lançar, com colegas chineses, o satélite CBERS-4, com 50% de conteúdo totalmente nacional; os que trabalham nas bases de lançamento espacial de Alcântara e Barreira do Inferno;

os oficiais e técnicos da Aeronáutica e da Embraer, que se empenham para que o primeiro teste de voo do cargueiro militar KC-390, o maior avião já construído no Brasil, se dê com sucesso e dentro dos prazos, até o início de 2015; os operários da linha de montagem dos novos blindados do Exército, da família  Guarani, em Sete Lagoas, Minas Gerais, e os engenheiros do exército que os desenvolveram; os que trabalham na linha de montagem dos novos helicópteros das Forças Armadas, na Helibras, e os oficiais, técnicos e operários da IMBEL, que estão montando nossos novos fuzis de assalto, da família IA-2, em Itajubá; os que produzem novos cultivares de cana, feijão, soja e outros alimentos, nos diferentes laboratórios da EMBRAPA; os que estão produzindo navios com o comprimento de mais de dois campos de futebol, e a altura da Torre de Pisa, como o João Candido, o Dragão do Mar, o Celso Furtado, o Henrique Dias, o Quilombo de Palmares, o José Alencar, em Pernambuco e no Rio de Janeiro;

os que estão construindo navios-patrulha para a Marinha do Brasil e para marinhas estrangeiras como a da Namíbia, no Ceará; os engenheiros que desenvolvem mísseis de cruzeiro e o Sistema Astros 2020 na AVIBRAS; os que estão na Suécia, trabalhando, junto à Força Aérea daquele país e da SAAB, no desenvolvimento do futuro caça supersônico da FAB, o Gripen NG BR, e na África do Sul, nas instalações da DENEL, e também no Brasil, na Avibras, na Mectron, e na Opto Eletrônica, no projeto do míssil ar-ar A-Darter, que irá equipá-los; os nossos soldados, marinheiros e aviadores, que estão na selva, na caatinga, no mar territorial, ou voando sobre nossas fronteiras, cumprindo o seu papel de defender o país, que precisam dessas novas armas;

os pesquisadores brasileiros das nossas universidades, institutos tecnológicos e empresas privadas, como os que trabalham ITA e no IME, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, ou no projeto de construção e instalação do nosso novo Acelerador Nacional de Partículas, no Projeto Sirius, em São Paulo;   os técnicos e engenheiros da COPPE, que trabalham com a construção do ônibus brasileiro a hidrogênio, com tubinas projetadas para aproveitar as ondas do mar na geração de energia, com a construção da primeira linha nacional de trem a levitação magnética, com o MAGLEV COBRA; nossos estudantes e professores da área de robótica, do Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, várias vezes campeões da Robogames, nos Estados Unidos.

Neste momento, é preciso homenagear esses milhões de compatriotas, afirmando,  mostrando e lembrando – e eles sabem e sentem profundamente isso – que o Brasil é muito, mas muito, muitíssimo maior que a corrupção.

É esse sentimento, que eles têm e dividem entre si e suas famílias, que  faz com que saíam para trabalhar, com garra e determinação, todos os dias, cheios de  orgulho pelo que fazem, e pelo nosso país.

E é por causa dessa certeza, que esses brasileiros estão se unindo e vão se mobilizar, ainda mais, em 2015, para proteger e defender as obras, os projetos e programas em que estão trabalhando, lutando, no Congresso, na Justiça, e junto à opinião pública, para que eles não sejam descontinuados, destruídos, interrompidos, colocando em risco seus empregos, sua carreira, e a  sobrevivência de suas famílias.

Eles não têm tempo para ficar teclando na internet, mas sabem que não são bandidos, que não cometeram nenhum crime e que não merecem ser punidos, direta ou indiretamente, por atos  dos quais não participaram, assim como a Nação não pode ser punida pelos mesmos motivos.

Eles têm a mais absoluta certeza de que a verdadeira face do Brasil pode ser vista nesses projetos e empresas – e no trabalho de cada um deles – e não na corrupção, que se perpetua há anos, praticada por uma ínfima e sedenta minoria. E intuem que, às vezes, na História, a Pátria consegue estabelecer seus próprios objetivos, e estes conseguem se sobrepor aos interesses de grupos e segmentos daquele momento, estejam estes na oposição ou no governo.

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Comentários

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Eduardo

Este é o editorial que o Globo deveria ter publicado, se fosse de fato um jornal comprometido com o povo brasileiro e não somente com seus acionistas! Nada a ver Globo e Brasil e seu povo!

Cezar Gouvêa

Estou de pleno acordo com o comentário do Eduardo. Esse texto deveria ser impresso em todos os jornais e revistas, deveria ser lido em todos os canais televisivos e em todas as escolas. Deveria ser referência na abertura dos trabalhos em todas as Assembleias, nas duas casas do Congresso, nos tribunais e nos quarteis. Para que os brasileiros, sobretudo os jovens, não creiam que o Brasil é esse bordel que se propaga diariamente nos telejornais, esse reduto de criminosos, assassinos e tarados que se assiste desde o primeiro noticioso do dia, até o último programa em que os ‘especialistas’ interpretam, pelo molde do grupo mafioso que os emprega, as notícias que ilustram a informação que esses grupos perniciosos pretendam ressaltar. São litros de soro venenoso que se instila no corpo e na mente de nossos compatriotas menos informados, todo santo dia. Vamos a um pouco de antidoto?

Eduardo

Este artigo deveria ser o editorial dos Marinho, da Globo no primeiro dia de 2015. Na Globo ninguém enxerga a grandeza Brasil! Este é um verdadeiro editorial que interessa ao povo brasileiro! Santayana! Obrigado, voçê tem o dom de exprimir, escrever, o que sentimos! Faca isso sempre aos brasileiros!

Sérgio

Obrigado por esse seu artigo. Que diferença do que se lê nos
jornalões, que só fazem desmerecer os brasileiros e nossa grande
Nação.

Nelson Sales e Silva.

Meu caro missivista: Tu não louvarias as usinas hidro életricas, Para possivelmente louvar o apagão .É?

Iukio Hasegawa

UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL.

PARA MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

FAUSTO DE SANCTIS

Vamos espalhar pela blogosfera.

    Lafaiete de Souza Spínola

    Já sugeri, também: Fausto de Sanctis para o STF!

Iukio Hasegawa

UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL.

PARA MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

FAUSTO DE SANCTIS

Vamos espalhar pela blogosfera.

Messias Franca de Macedo

… [MAIS] Um crime do PIG fascigolpista/antinacionalista:

omitir do Brasil os(as) verdadeiros(as) brasileiros(as)!

Desprezar – deliberada e covardemente – uma nação em constante construção!

Suor, sangue, trabalho, vidas…

lando carlos

Que texto maravilhoso não e o Brasil de m… que a mídia querem nos fazer acreditar

Nelson

Louvo o Santayana por ele estar tentando “levantar o moral” dos brasileiros. O texto está muito bom, porém, a meu ver, resvala em demasia para o ufanismo.

Eu não colocaria o Juscelino entre os “patriotas do passado” e não exaltaria a construção de grandes usinas hidrelétricas na Amazônia, “como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio”.

FrancoAtirador

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ARAMBATERAPIA

Estive Ausente por um Breve Período,

Para tomar um Banho de Civilização.

(http://imgur.com/fuVXtMn)
(http://imgur.com/zdiIUR3)
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Em Tempo:

À Família Viomundo

Feliz 2015!

Um Abraço Camarada e Libertário a Tod@s!
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(https://www.facebook.com/629991893693634/photos/p.1065331750159644/1065331750159644/?type=1&theater)
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Julio Silveira

Para mim a economia do país esteve maravilhosa neste ano que passou. Consegui pagar todas as minhas contas. E quando olho para o País acho que nunca esteve tão bom. Mas essa analise é logico que não considera as opiniões dos agentes, muito bem remunerados, dos bilionários senhores da mídia nacional e até internacional. Para esses apesar de dizerem o contrário é claro que o Brasil também está e sempre esteve muito bem, apesar do mantra da dificuldade, mas para um observador atento vê-se logo que nunca aparecem em trajes andrajos, estão sempre bem alinhados aparentando sucesso e prosperidade, inclusive com tempo para amenidades fúteis, como reparar a roupa da posse da presidenta, coisa de dos ricos, da nossa elite e seus estranhos conceitos sobre conteúdo humano.
Quanto a cidadania de meu país, a maior parte, essa que as politicas econômicas governamentais de fato atingem, dá pra se dizer que nunca estiveram tão bem. Índices de desemprego que variam, mas que sempre nestes últimos 12 anos estiveram mais baixos que em muitos períodos das ditas pujanças nacionais, quer querem maquiavelicamente repetir, e que repetem pelo menos em mantras descolados da realidade, para a maioria de cidadãos brasileiros é que não foi, pujança para quem? só pode ter sido para os estatísticos, para os economistas e para os televisivos, para a rede que sustenta os financistas, aqueles que não conhecem necessidades, e a fome é uma figura linguística usada de forma retórica, citada mais para cumprir discursos politicamente corretos, que lhes coloquem em pseudo paz com suas pseudo consciências hipócritas, hipócritas. Não, não acredito neles, o Brasil em relação ao mundo, em relação aos problemas mundiais, em relação as flatulências mundiais (para ficarmos no linguajar que os agrada, digamos mais coloquial e menos popular como o tradicional peido) nunca esteve tão promissor, com tantas perspectivas, nunca despertou tantas ambições, tanta inveja internacional, então por que eu haveria de me preocupar, se o mundo e meu dia a dia me estimulam a confiar? Não sou masoquista.

Fani figueira

O artigo, perfeito, nos redime como nação, pois que não há nele uma única filigrana de exagero.

edson tadeu

São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Para economistas, “Brasil caminha para a inadimplência”

“País precisa de US$ 40 bi do FMI”, dizem analistas
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O FMI precisa abrir os cofres ao Brasil. Do contrário, o país vai mergulhar numa crise econômica de longa duração, arrastando consigo toda a América Latina. O Brasil necessita de, no mínimo, US$ 40 bilhões, segundo os economistas Carlos Quenan e Luis Miotti, ambos analistas de conjuntura da América Latina do banco estatal francês CDC-Ixis, uma das maiores instituições financeiras européias.
“A situação de fim de governo de Fernando Henrique Cardoso não facilita a concretização de um novo acordo. Pode acontecer, porém, que, com o aumento da crise na América Latina e o contexto tornando-se um pouco explosivo, acabe ocorrendo uma mudança da política do FMI”, diz Quenan.
O acordo com o FMI será capital para restabelecer a confiança dos investidores no Brasil, hoje bastante deteriorada.”Os mercados consideram que as condições estão dadas para que haja uma moratória”, diz Miotti.
Quenan e Miotti, ambos com 47 anos, são argentinos e vivem há quase 20 anos na França. O primeiro é também professor na Universidade Paris-3, o segundo na Paris-8. Estão entre as principais autoridades em economia latino-americana na França. Juntos, são responsáveis pelas análises a respeito desse continente para o Serviço de Estudos Econômicos e Financeiros do CDC-Ixis.
As avaliações que Quenan e Miotti realizam servem para informar e aconselhar não apenas o “staff” do banco estatal, mas também órgãos do governo francês e a iniciativa privada. O CPC-Ixis controla no Brasil a Caixa Seguros, por meio da CNP Assurances.
Miotti e Quenan redigiram há cerca de um mês um estudo sobre a conjuntura brasileira, que chamaram de “Terminal do Brasil?” aludindo ao filme de Walter Salles e ao estado crítico da economia. Nele, argumentam que o país tem meios de superar um “choque transitório”, mas não de suportar um “choque durável”. Escrevem que “o peso crescente da dívida, e a incapacidade de refinanciamento, são ameaças reais” para o futuro econômico do Brasil e que a moratória “permanece possível”.
Um dos agravantes da crise, para ambos, é a situação eleitoral -agora mais nebulosa com a escalada de Ciro Gomes. “Chegamos a um ponto em que, aparentemente, não vemos qual dos candidatos é mais próximo e qual é mais distante do mercado. Há investidores que julgam Ciro pior ainda do que Lula”, diz Quenan.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por ele e Miotti, nos escritórios do CPC-Ixis, em Paris.
Folha – Por que vocês chamaram a sua análise sobre a economia brasileira de “Terminal do Brasil”? A economia brasileira está em fase terminal?
Luis Miotti – Não, não acreditamos que esteja numa fase terminal. No momento, o Brasil vive um choque financeiro transitório, mas que corre o risco de se transformar num choque durável. Nosso diagnóstico é que há muitas incertezas e que a resolução da crise não depende só do Brasil. Depende do mercado internacional, dos Estados Unidos, do FMI, da situação dos países vizinhos e do clima político no Brasil.
Folha – Quais as conclusões da nova análise que vocês estão fazendo sobre o país?
Carlos Quenan – Há sobretudo um agravamento da situação, infelizmente. O que se temia, a degradação das variáveis financeiras, está se acentuando e já começa a produzir efeitos sobre a dívida externa do setor privado e também sobre a dívida pública interna. Isso piora as fragilidades estruturais da economia brasileira: a necessidade elevada de financiamento externo e o peso da dívida pública interna.
Há também um agravamento da falta de visibilidade política. Há um mês, estávamos numa situação em que Lula poderia ganhar, e talvez mantivesse os acordos com o mercado. Agora não se sabe mais o que pode acontecer: se é ele ou se é Ciro Gomes. O mercado não gosta desta incerteza.
Folha – O que ainda está evitando que a economia brasileira tenha um choque de tipo durável?
Miotti – O Brasil tem um superávit primário, e o Banco Central continua confiável. Mas nos surpreenderam muito desagradavelmente as declarações de Paul O’Neill, secretário do Tesouro americano. Foi uma atitude irresponsável.
Folha – Vocês escreveram que os investidores passaram a temer uma moratória do Brasil. É por isso que os bancos estrangeiros estão secando o crédito para as empresas brasileiras?
Miotti – Sim, claro. Os mercados consideram que as condições estão dadas para que haja uma moratória, que se traduz por um risco muito elevado. Isso significa que o governo brasileiro viu o financiamento internacional ser cortado completamente e que agora toda empresa privada brasileira não tem mais acesso ao mercado internacional.
Folha – Se um investidor francês vem até vocês para saber se deve ou não emprestar a brasileiros, o que dizem?
Miotti – Dizemos que ele não empreste, porque as incertezas fazem com que tenhamos medo do pior, mesmo se a crise parece até o momento transitória. Mas não se pode excluir uma moratória no Brasil. Há todas as condições no país para que isso aconteça. Para as empresas privadas, isso poderá ocorrer brevemente. Para o Estado brasileiro, ainda não.
Quenan – Está claro que o empréstimo a um empresário brasileiro implicaria em rendimentos elevados, mas a isso corresponde um risco muito elevado. Em termos do setor privado, grosso modo, há uma grande reticência face a um país que tem uma forte tendência à moratória, embora ela não seja inevitável. Aqui, na Europa, há uma importante inquietação a respeito da situação brasileira. Nos países mais próximos da problemática sul-americana, como a Espanha, são numerosas as empresas e autoridades políticas que pensam estar havendo um fenômeno regional de contágio a partir da crise argentina.
Folha – Que tipo de contágio?
Quenan – Digamos que não é um contágio financeiro puro, do tipo observado no momento da crise russa -um contágio pelo credor comum, quer dizer, o mercado financeiro. Também não há um efeito de contágio comercial importante no Brasil, como ocorre no Uruguai, do qual a Argentina é um parceiro comercial decisivo e onde, por exemplo, a receita do turismo caiu pela metade. Então, a crise argentina afeta o Brasil sobretudo por uma ruptura de antecipações. Se a Argentina entrou em insolvência, porque não o Brasil?
Folha – As novas negociações do Brasil com o FMI podem acalmar os investidores e restabelecer a confiança no país?
Miotti – Não, porque infelizmente o Tesouro americano não está demonstrando uma vontade firme de ajudar.
Quenan – Vê-se que a posição do Tesouro americano e do FMI é de não dar mais ajudas automaticamente, como fizeram no passado. Eles não irão colocar US$ 40 bilhões na mesa, como foi feito para o México ou para a Rússia.
Folha – O que fazer então para recompor a confiança no Brasil?
Miotti – É preciso continuar a manter uma certa disciplina, tal como foi lançada pelo Banco Central. É preciso tentar acalmar os mercados, na medida do possível, mesmo se o grosso das incertezas provém do campo político, e não necessariamente da política econômica. É necessário sobretudo um novo acordo com o FMI.
Quenan – Deveria ser um acordo de maior volume que correspondesse ao raciocínio simples que diz que “problemas de dinheiro se resolvem com dinheiro” -o que no Brasil pode funcionar, pois é um caso diferente da Argentina, que é um país em insolvência e afetado por uma grande crise de credibilidade. Em vista do perigo atual, seria preciso que o Brasil recebesse US$ 40 bilhões, US$ 50 bilhões.
Folha – Sua análise “Terminal do Brasil?” discute os efeitos de um segundo turno entre Lula e José Serra. O que mudaria se o confronto for entre Lula e Ciro Gomes?
Miotti – Não mudaria muita coisa. O quer quer o mercado? Ele quer continuidade, pois assim os investidores estarão seguros de que os contratos não serão rompidos.
Folha – Ciro causa menos inquietação no mercado do que Lula?
Miotti – Causa um pouco menos que Lula, mas não sabemos realmente o que ele pretende. Uma vez que a engrenagem da desconfiança foi ativada fica muito difícil conseguir estancá-la.

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Fani figueira

A mídia tem, mesmo, razões para ficar louca com essa liberdade de imprensa, que não é a sua.

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