por Gilberto Scofield Jr, em O Globo
SÃO PAULO – Luis Roberto Barroso, professor de Direito Constitucional da UERJ e advogado que representa a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) na ação constitucional que busca descriminalizar o aborto de fetos anencefálicos – que deve ser votada nesta quarta-feira pelo STF – está otimista. Para ele, o tempo ajudou o Supremo – e a sociedade – a amadurecerem a ideia de que, em determinadas hipóteses, é legítima a interrupção de uma gravidez.
Seus argumentos são lógicos e científicos: “A interrupção da gestação deve ser tratada como antecipação terapêutica do parto e não como aborto, por inexistir potencialidade de vida. A definição legal que se dá no Brasil sobre o fim da vida é a morte encefálica. E o feto anencefálico não tem vida encefálica”.
O GLOBO: Os conservadores buscam transformar a questão num briga contra o aborto e pelo direito à vida.
LUÍS ROBERTO BARROSO: A interrupção da gestação não é um aborto, é um fato atípico que está fora do alcance do Código Penal, criado quando os diagnósticos de anencefalia eram incertos ou inconclusivos. Hoje o diagnóstico é feito com 100% de certeza na rede pública de hospitais. A interrupção da gestação deve ser tratada como antecipação terapêutica do parto e não como aborto, por inexistir potencialidade de vida. A definição legal que se dá no Brasil sobre o fim da vida é a morte encefálica. E o feto anencefálico não tem vida encefálica. O aborto é a interrupção da vida. E não se pode falar de vida num feto anecefálico, que não tem vida cerebral, não tem dor ou rudimentos de consciência. E que irá morrer assim que sair do ventre materno.
O Código Penal não pune abortos no caso de gravidez decorrente de estupro ou de grave risco à saúde da mãe, casos em que o feto está vivo. Por que puniria o caso da anencefalia?
BARROSO: Porque a tecnologia não permitia o diagnóstico da anomalias fetais desta natureza. Mas o Código Penal não está acima da Constituição, que estabelece o preceito constitucional da dignidade da pessoa humana. Não se pode obrigar uma mulher a carregar um feto morto por nove meses dentro de si. Isso é uma escolha que varia de mulher para mulher. Umas não se importam. Outras não aceitam. Isso tem que ser uma escolha da mulher, não do Estado.
Entidades chamam a anencefalia de deficiência e o aborto seria eugenia.
BARROSO: É um argumento falso e moralmente abusivo. A anencefalia é uma questão de letalidade, não de deficiência. Não há crianças ou adultos com ancencefalia, enquanto a deficiência é uma expressão da diversidade humana.
Religiosos afirmam que isso é uma porta que se abre ao aborto.
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BARROSO: O pensador Immanuel Kant afirmava que a dignidade consiste em toda a pessoa ser tratada como um fim em si mesmo e não como um meio para atingir um fim social. A mulher é titular de seus direitos reprodutivos, portanto o Estado não tem o direito de obrigá-la a manter uma gestação enquanto e quando o feto não seja viável. Isso é tolher a sua liberdade existencial e subordiná-la a um projeto de vida que não é o dela.
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