Jeferson Miola: O que está faltando para o impeachment de Gilmar Mendes?

Tempo de leitura: 6 min

O que é preciso para o impeachment do Gilmar?

por Jefferson Miola

A decisão do Gilmar Mendes de livrar da cadeia os empresários da máfia dos transportes do Rio de Janeiro escandalizou até mesmo a mídia hegemônica — a mesma que tem como procedimento padrão acobertar os desatinos, os desvios funcionais e as ilegalidades deste juiz do STF de participação essencial na engrenagem do golpe e na sustentação da cleptocracia do Michel Temer.

Com a concessão de habeas corpus em favor do empresário mafioso Jacob Barata Filho, Gilmar ultrapassou todos os limites do decoro exigido para o exercício do cargo, e roçou o fundo do esgoto para salvar — com o perdão do trocadilho — o Barata.

A suspeição do Gilmar para atuar no caso do empresário é claríssima e indiscutível.

São notórios os vínculos familiares, sociais e societários entre este empresário,preso numa etapa da Lava Jato,e Gilmar, sua esposa Guiomar e um sobrinho dela:

— Gilmar foi padrinho de casamento da filha do Barata, em 2013, com o sobrinho da sua esposa, a advogada Guiomar Feitosa Mendes;

— Chiquinho Feitosa, o irmão de Guiomar que,assim como Barata,também explora serviços de transportes interurbanos e interestaduais, tem sociedade com Barata numa administradora de cartões de crédito de vale-transporte em Fortaleza;

— a esposa de Gilmar integra o escritório de advocacia que defende os interesses de empresas do Barata;

— a CNT [Confederação Nacional dos Transportes], quando Barata exercia a vice-presidência, patrocinou evento promovido pelo Instituto de Direito Público, do qual Gilmar é fundador e sócio.

Apesar destes motivos bastante robustos, Gilmar não se considerou suspeito: julgou e concedeu o habeas corpus para o Barata, mesmo que o Código de Ética, a Lei da Magistratura e o Código de Processo Civil digam textualmente que ele estaria impedido de fazê-lo.

Em países civilizados e nas nações onde vige o Estado de Direito, um desvio desses seria causa suficiente não somente para a suspeição de qualquer juiz e seu consequente afastamento do caso concreto, mas justificaria o impeachment do juiz de qualquer Corte Suprema.

Muito mais grave que a não suspeição, contudo, foi a concessão de habeas corpus para réus contra os quais são irrefutáveis as provas de práticas de crimes graves e de afronta à justiça.

Além do Barata, preso no aeroporto do Rio de Janeiro quando embarcava para fugir do país, Gilmar também liberou da prisão Rogério Onofre, ex-presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do RJ, que foi gravado fazendo ameaças de morte a outros integrantes da máfia para receber seu butim.

Gilmar Mendes debocha do país.

Ele já fez o possível e o impossível que justificaria seu afastamento do cargo para o qual nunca teve os predicados necessários para exercê-lo, uma vez que lhe falta a “imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência e decoro” requeridas de um juiz [Código de Ética da Magistratura].

Ao longo da trajetória como militante do PSDB no STF — e, especialmente no último período, atuando como artífice do golpe e conselheiro político do bloco golpista e do usurpador Michel Temer — Gilmar violou praticamente todas as regras e leis que um magistrado deve obedecer.

Durante o golpe de 2016 o ex-presidente Lula advertiu, com razão, que o STF tinha se acovardado diante do arbítrio dos procuradores, policiais federais e juízes da Lava Jato.

Caso os dez juízes e juízas que integram a Suprema Corte não agirem para punir o colega Gilmar Mendes, estarão confirmando outra vez aquela afirmação do Lula.

Assim como para o STF, ao Senado não resta alternativa: ou executa o inciso II do artigo 52 da Constituição Federal, que lhe dá competência para processar e julgar Gilmar Mendes pelo crime de responsabilidade, ou então dará mostras do seu acovardamento diante de um dos personagens mais nefastos e asquerosos do Brasil contemporâneo.

Degradação do Judiciário

por DALMO DE ABREU DALLARI, na Folha, em 08.05.2002

Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.

Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.

Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.

Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional.

Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.

Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato.

Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte.

Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga –, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.

É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.

É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo.

Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito.

Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas.

Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações.

Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.

Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.

Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.

Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001).

Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.

E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.

A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético.

Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público — do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários — para que seus subordinados lá fizessem cursos.

Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.

A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”.

É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.

Dalmo de Abreu Dallari, 70, advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios do município de São Paulo (administração Luiza Erundina).

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Comentários

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Elizabeth Pretel

C O R A G E M e, principalmente, I M P A R C I A L I D A D E, palavras ou adjetivos que atualmente não existem em instituição nenhuma deste país. PS. com raríssimas, mas raríssimas exceções.

lando carlos

ME DESCULPE NÃO E O GILMAR MENDES QUE DEBOCHA DO PAÍS E O STF.

Hildermes José Medeiros

Não falta pouco, essa a verdade. Há outros. mais Gilmar Mendes, Sérgio Moro, Aécio Neves, José Serra e Temer, enquanto o golpe não for enfraquecido, vencido, não serão atingidos (a não ser por ovos, essas coisas, quando ousam ficar diante do povão), porque fazem parte dos que induziram o golpe do impeachment, e veem conduzindo suas ações, mesmo sofrendo acusações, que nunca serão verificadas na polícia, no Judiciário. A exceção destes é o Eduardo Cunha, figura das mais importantes do golpe, mas ao que parece não se conformava com posição subalterna apos seu desfecho, razão porque está preso, sem direito a dedurar ninguém, porque muitos destes, hoje intocáveis, podem ter rabo preso com esse também canalha

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