Izaías Almada: Somos milhões de Cunhas.Chega de hipocrisia e do jogo de faz de conta!

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Somos milhões de Cunhas

por Izaías Almada, no Blog da Boitempo, publicado em 08/10/2015 

Penso que há bons anos não via uma frase sintetizar tão bem o estágio político e civilizacional de boa parte da sociedade brasileira.

A faixa estendida durante uma das últimas manifestações contra o governo, mirando alvo esquerdista – mais especificamente os governos do ex-presidente Lula, da atual presidente e o Partido dos Trabalhadores – foi de uma precisão mais que cirúrgica, e porque não dizer profética, sobre as entranhas de um país que, desde a sua colonização, continua a se revelar perverso, covarde e hipócrita.

Atirou no que viu e acertou no que não viu. A cordialidade brasileira é um mito para inglês ver.

E não adianta alguém dizer que estou generalizando, que é um exagero, porque é exatamente isto o que estou fazendo: generalizando.

Chega de bom mocismo, hipocrisia e do jogo do faz de conta. O vandalismo e as frases excretadas em folhetos atirados no funeral de ex-presidente da Petrobrás José Eduardo Dutra há poucos dias não me deixam mentir.

Saímos das margens da ditadura de fato para nadarmos até a outra margem, a da democracia consentida, feita de uma justiça mais do que cega e de discursos ocos de justiça social. De análises feitas em cima da perna e de uma inacreditável esperança de “união do país” pela democracia, dos lugares comuns como “o Brasil é maior que a crise que enfrenta” e coisas do gênero.

Somos uma mistura de cidadãos como o “Marrudo” e um pouco como o Ernesto, fiscal da prefeitura. Querem ver?

01 – Marrudo, cujo nome verdadeiro ninguém sabia ao certo, era exímio caranguejeiro. Tão exímio que, na sua última proeza, conseguiu esconder numa velha garagem da zona norte da cidade um Nissan Sentra, ano 2014, sem que os vizinhos dessem por isso. Esperou três meses para tirar o carro da garagem, tendo tomado o cuidado de trocar-lhe as placas. Por experiência própria e até por discretos contatos em delegacias de bairros sabia ser três meses o tempo mais do que suficiente para o dono do veículo surrupiado receber o dinheiro do seguro.

No dia de estrear o novo carrão, Marrudo acordou cedo, engoliu o café às pressas e foi até a papelaria comprar o adesivo especial que escolhera para colocar no vidro traseiro do carro. Aí pelas dez e meia da matina, com o coração palpitando, ligou a máquina, abriu a porta da garagem com cuidado e saiu sem muito estardalhaço de casa. No vidro de trás o adesivo vistoso refletia a confiança e a fé de seu novo dono: PRESENTE DE DEUS.

02 – Tão logo se aposentou, o “seu” Napoleão, com a ajuda da mulher Diná, montou a sonhada lojinha de doces e salgados para os lados de Vila Formosa, onde a máquina de fazer café, novinha em folha, era o orgulho dos donos. Inaugurada a lojinha, a freguesia foi aparecendo, inclusive o fiscal da prefeitura, de nome Ernesto, há trinta anos como fiscal, servindo a vários partidos de diferentes prefeitos. Passou para ver “se estava tudo em ordem”. E estava.

Para não perder a viagem, o tal Ernesto, pediu uma “contribuição” para a inspeção feita, no que foi logo contestado pelo dono. Com jeito o fiscal encontrou logo a maneira delicada de dizer que, se não recebesse a contribuição, viria alguém para aplicar uma multa ao estabelecimento. “Nós, os fiscais, somos uma família há muitos anos e dessa o senhor não escapa”, sentenciou. E saiu porta afora. Dona Diná, que ouvira a conversa, sentou-se ao lado do marido e desabafou: “é isso aí, só podia ser com um prefeito do PT… Tudo ladrão”.

Perceberam, não, irmãos? Que tal orar num templo de seiscentos milhões de reais, ou até em outro mais simples, bater no peito e levantar as mãos para os céus? Apontar o dedo para a corrupção alheia e fazer aquela carinha “de não tenho nada a ver com isso”. Ou de “Deus ajuda a quem cedo madruga”. Como alguns milhões de outros brasileiros que se têm na conta de bem informados, Marrudo, “seu” Napoleão e dona Diná, adoram a novela das oito e o Jornal Nacional. O Faustão, o Fantástico, o BBB… Mas vamos adiante.

marta-e-cunha03 – A senadora Marta Suplicy, descontente com o rumo tomado pelo Partido dos Trabalhadores ingressa no PMDB e em solenidade no Congresso, ao lado dos presidentes das duas casas legislativas, ambos do PMDB, afirma que irá combater firmemente a corrupção no país. Nada como a coerência, a abnegação e a convicção ideológica da maioria dos nossos representantes no Congresso Nacional. No caso, a luta de classes um dia acabaria vindo à tona.

04 – Jurandir, que graças ao hábito de só ir para a cama por volta das três da madruga depois de umas latinhas de cerveja, ganhara o carinhoso apelido de “vigilante noturno”.

Considerava Fernandão seu melhor amigo, desde que este lhe proporcionara ir trabalhar como free-lance numa produtora de filmes publicitários. Fernandão era um entre vários produtores da Cosmopolitan Filmes e Vídeos Ltda., encarregado, entre outras tarefas, de conseguir locais para filmagens e contratação de modelos. Várias vezes fora aconselhado a abrir sua própria firma para dar notas fiscais de seus cachês. Teimoso, Jurandir disse que comprava suas notas e não queria complicações com contadores. Resolvia tudo o mais rápido possível. Como muitos à sua volta o Fernandão gostava de dizer: “pagar imposto para que? Não ganho nada com isso e os políticos é que metem a mão na grana…”.

A senhora Marta Suplicy, veterana política e sexóloga paulista, e o Fernandão sabem onde metem os bedelhos, com certeza. Sempre ao lado do bem, a senadora não iria trocar de partido se não soubesse que a troca continuaria a lhe granjear louvores pelos seus esforços contra a corrupção, os chamados desvios do seu antigo partido.

Afinal, nem todo dinheiro enviado para a Suíça poderá ser considerado um dinheiro “sujo”.

Sob “certos aspectos”, grande parte da elite econômica brasileira já introjetou na sociedade, através de seus principais porta-vozes na imprensa, e isso desde o final do império pelo menos, que existe uma “corrupção do bem” e uma “corrupção do mal”. E, portanto, transferir conceitos para frases como “bandido bom é bandido morto” para “petista bom é petista morto” é apenas uma questão de tempo e loquacidade. Impressiona, sobremaneira, o silêncio do Ministério da Justiça.

Natural que se construísse também no país uma “justiça para o bem” e outra “justiça para o mal”. Justiça para o bem é aquela que solta ‘habeas corpus’ em 48 horas para meliantes de gravata Hermés, que deixa nas gavetas do judiciário alguns processos que irão prescrever num prazo previsto e favorecerão construtores de aeroportos em causa própria, mas com dinheiro público. Justiça que partidariza a própria justiça e, nos últimos anos, transformou o STF num anfiteatro de peças e shows, alguns deles impróprios a menores de idade, deixando de lado a discrição com a qual devem se comportar os mais altos magistrados da nação. Já não tão altos assim, é verdade… Justiça para o bem é essa que tem a qualidade moral do governador de São Paulo que torna secretos por 25 anos os documentos do ‘metrolão’ paulista. Documentos secretos de uma obra pública? Estranho, não?

Justiça para o mal é aquela que vê – além de negros, pobres, nordestinos e algumas minorias – comunistas e petistas para todos os lados. Ou bolivarianos, como gostam de dizer alguns que não entendem nada de bolivarianismo. Justiça para o mal é aquela que permite a um delegado da PF (não confundir com Prato Feito) abrir processo contra uma faxineira que comeu um de seus bombons sem autorização. É aquela justiça que prende petistas por “ouvir dizer”, julga-os e os condena mesmo sem provas, mas não investiga bandidos com contas secretas na Suíça, por exemplo. Ou o Banestado, ou Furnas, ou a Privataria, ou, ou, ou… Que não vê nada de mais em juízes relatarem e julgarem processos em que têm interesses pessoais em jogo.

E assim caminha o Brasil nesse já quase final do ano de 2015. Entre a irresponsabilidade política da direita, esse ajuntamento de intolerantes que resolveu achincalhar com a constituição do país em nome de uma democracia que ninguém sabe qual é, e a inabilidade da esquerda, até o momento, para enfrentar essa intolerância e os desatinos que se cometem diariamente. Desatinos de um moralismo que nada mais faz do que tentar esconder os dejetos mal cheirosos da desigualdade social que já dura entre nós há mais de quinhentos anos.

É verdade: somos milhões de Cunhas. Pena que a maioria de nós não tenha contas na Suíça ou outros paraísos fiscais, não é mesmo?

Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

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Comentários

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anac

Coxinhas são tão ignorantes e analfabetos que SEM CONTA na Suíça de MILHÕES se acham Cunha. Não são. São cunha apenas na vontade de roubar impunemente e se dar bem com o produto do crime. Se dizem cunha porque são contra a CORRUPÇÃO. Ignorância monumental. E são religiosos como Cunha, o Marrudo da politica. A extrema direita que se diz cunha foi desmascarada pela Justiça Suíça. Nisso acredito que foi obra de DEUS.

FrancoAtirador

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A CUNHA DO PARANÁ, A CUNHADA DE VACCARI E A MULHER DE CUNHA
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(http://wwwterrordonordeste.blogspot.com.br/2015/10/um-peso-duas-medidas.html)
(http://abre.ai/forca-tarefa-otan-parana_prisao-preventiva-por-engano)
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FrancoAtirador

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O Atual Advogado de Cunha foi o Promotor do Mensalão
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que incluiu Inocentes na Ação, para fechar a Conta dos 40.
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(http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/contas-de-cunha-na-suica-foram-usadas-para-despesas-pessoais-a8ywawz1zkhctwxib15y671v2)
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Joca de Ipanema

Quer dizer que só nos resta o suicídio? Desacreditar de tudo, deixa o indivíduo oco. És oco, Izaías?

    Edgar Rocha

    Não acho que ele esteja oco. Talvez esteja, como muitos, vazio. E pronto pra preencher-se de coisas novas, de tentar outras análises, outros ângulos. A começar por fazer, de forma absolutamente sincera, sem escamotear a realidade, a crítica necessária. Olhar-se com sinceridade e entender a verdadeira essência de certos sentimentos que acalentamos cotidianamente enquanto brasileiros que somos.
    De minha parte, me encho de raiva e indignação quase que integralmente. Imagine (se é que não consiga ver com seus próprios olhos) a maioria das pessoas com as quais você conviveu por uma vida, assimilando de maneira passiva todos os discursos que sublimem sua própria desgraça, na esperança de, ao entrar no “esquema” imposto sobre toda a sociedade, possa se locupletar de alguma forma sem o menor peso de consciência, já que um dos paradigmas essenciais desta nova ordem é a de que “se todos fazem, não há porque eu ser diferente”. Imagine quase todos os seus vizinhos serem de alguma forma, beneficiados pelo crime organizado, pelo PCC, tendo sido estes, muitos deles, agentes ativos de conquistas e de melhoria das condições de seu bairro através de lutas justas, pacíficas e repletas de idealismos. Imagine que todos te chamem de otário, zé-povinho, louco, doente mental, esquemão da sociedade, coitado, e outros adjetivos pouco auspiciosos, simplesmente porque você se recusa a enfiar o pé na jaca e aproveitar oportunidades únicas, como a de um funcionário público dos mais violentos lhe oferecendo ingresso num esquema de falsificação de documentos do DETRAN, pra encher a burra de dinheiro. Agora, avalie os resultados: depressão profunda, síndrome de pânico, saúde totalmente debilitada, medo da própria sombra, desconfiança em relação a tudo e a todos… e a certeza de que a única coisa pela qual vale à pena lutar é pela sobrevivência das crianças de sua família, apavorado com imagens terríveis de adolescentes despedaçados na rua (quanto sangue já lavei em minha calçada, meu Deus!).
    Tudo que faço é esperar que, num momento em que eu não coloque em risco os que amo, eu possa revidar de alguma forma. Cansei de ser solidário com quem pode oferecer meu escalpo ou o de minha família pelo simples prazer de agradar a algum protetor e, ainda exige de mim um sorriso simpático quando me encontra na rua.

Urbano

Há o adágio: ombreia-te aos bons e serás um deles: ombreia-te aos maus e serás pior do que eles.

    Urbano

    Após ‘um deles’ coloquei dois pontos, quando não verdade é para ser ponto e vírgula.

Messias Franca de Macedo

“Aqui é só sob meu juízo próprio. E eu vou persistir” Por [eduardo] ‘CU(nha)’ do ‘Aécio Furnas Forever’!

Flutuando entre a cafajestice e o ultra-autoritarismo!

Do protagonismo de gângster a fanfarrão!

(…)

Julio Silveira

Quando eu teimosamente, repetidamente, critico sobre o nosso principal problema, o cultural, acredito que muitos devam achar coisa de maluco. Mas é esse que acredito onde os governos com viés de esquerda deveriam colocar seu principal foco, o unico que pode trazer uma real mudança de paradigmas. Mas antes devem reconhecer que até eles são resultado desse caldo cultural nefasto, e caldo cultural forjado pelo grupos conservadores que dominam a séculos o cenário nacional. Caldo cultural que tem forjado uma cidadania que se adapta para sobreviver, de pouco altruismo e muito oportunismo. E tenho certeza absoluta, todos reconhecem os defeitos, nos outros, mas poucos os reconhece em sí. E que se olharem as próprias carraras nos espelhos (sentido figurado) vão distorce-la para com elas conviverem bem. A maioria da cidadania, que herdou essa cultura, no fundo reconhecem que não gostam do veem em sí proprios, como fruto dessa cultura, e esse tipo de critica, que leio de uma maneira geral, mostra isso. Apenas não conhecem o caminho para sair dela, já que ela é parametro geral para a vida.

FrancoAtirador

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“Aécio Furnas Neves e Agripino Detran Maia dão Total Apoio
a Augusto Zelotes Nardes e Eduardo Lava Jato Cunha
no Processo de Cassação de uma Presidenta
Sobre a Qual Não Pesa Acusação.
Ê Brasilzão Velho de Guerra”…
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LCA no FB Viomundo
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(https://www.facebook.com/109725279084911/photos/pb.109725279084911.-2207520000.1444366383./1010810272309736/?type=3&theater)
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FrancoAtirador

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Filme sobre Sexo com Mulheres Suecas é Patrocinado pelo Governo…
…da Suécia (http://player.mais.uol.com.br/embed_v2.swf?mediaId=5285535)
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