Elaine Tavares ouviu Merval e Sardenberg?

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Foto Felipe Cabral

Há que derrotar o oligopólio informacional

Aos grandes meios não há que pedir melhorias, há que tomá-los! Como? Essa pergunta ainda não tem resposta, mas é para ela que temos de caminhar

12/07/2013

por Elaine Tavares, no Brasil de Fato

O Primeiro Seminário Unificado de Imprensa Sindical, promovido por um grupo de sindicatos de Florianópolis, partiu de uma pergunta, praticamente retórica: por que os trabalhadores não são notícias? Ora, essa questão tem uma resposta óbvia.

Vivemos em processo de luta de classe no sistema capitalista que é predador. E, nesse sistema, quem detém o poder é quem determina o que sai na imprensa.

A mídia comercial nada mais é do que uma ventríloqua do sistema. Através das bocas alugadas sai a matéria prima que sustenta a classe dominante. Por isso, as lutas dos trabalhadores não interessam à mídia, a não ser como possibilidade de sujar, embaralhar e enganar a população. Trabalhadores em luta são sempre vândalos, baderneiros, bando.

Agora, nos protestos das últimas semanas, em Santa Catarina, ouvimos o coronel da polícia dizer claramente: “protegemos os manifestantes porque não são sindicatos, nem movimentos de trabalhadores, é a sociedade”. Ora, e o que são os trabalhadores senão a sociedade? Para a classe dominante não. Assim, compreendendo isso parte do problema se esclarece.

Os trabalhadores não são notícia porque suas lutas não interessam ao sistema. Dito melhor, essas lutas, que aparecem como desestabilizantes, precisam ser escondidas ou deturpadas.

Por isso aparece quase como uma ingenuidade a ideia de “mais democracia” nos meios de comunicação. Aos grandes meios não há que pedir melhorias, há que tomá-los! Como? Essa pergunta ainda não tem resposta, mas é para ela que temos de caminhar.

Nesse universo de controle oligopólico da informação por parte dos meios comerciais — seis famílias ou grupos controlam tudo que vemos, lemos e escutamos —  estamos nós, os chamados meios alternativos, populares ou comunitários. E a pergunta que se faz necessária é: disputamos, de fato a hegemonia?

Uma rádio comunitária, como é o nosso caso do Campeche, que poder tem diante do oligopólio? Como constituir uma audiência que de fato dispute com o Jornal do Almoço ou o RBS Notícias? Podemos fazer isso ou apenas atuamos na resistência?.

A Rádio Campeche se diferencia de muitas rádios comunitárias porque foi criada desde a luta mesma. Nasceu da articulação orgânica de vários movimentos que já atuavam no bairro do Campeche na luta pelo plano diretor, pelo saneamento, pela qualidade de vida. Esses movimentos foram os que decidiram criar a Associação Radio Campeche. Então, ela é fruto legítimo da organização comunitária. Está no ar, 24 horas, desde 2004, embora tenha iniciado sua programação ao vivo só em  2006. Tenho o privilégio de fazer parte do grupo que instituiu o primeiro programa ao vivo, o Campo de Peixe, no ar até hoje.

Nossos programas abrem os microfones para a comunidade e tudo que acontece no sul da ilha passa por ali, embora não tenhamos um programa específico de jornalismo diário. Ainda assim, todos os programas ao vivo tem o compromisso de trazer a voz da comunidade. Alguns conseguem mais outros menos.

Tivemos momentos importantes no bairro que mostram a força da rádio, como no caso do “Bar do Chico”, espaço histórico da comunidade que foi derrubado pela prefeitura.

Nos dias em que vinham as máquinas, havia uma chamada à população pelos microfones da rádio, as gentes acorriam ao bar, protegendo-o, e isso impediu muitas vezes que a prefeitura o colocasse no chão. Tanto que só conseguiram fazê-lo porque trouxeram as máquinas de madrugada, quando a comunidade dormia.

Também quando ocorrem grandes chuvas e alagamentos, os líderes comunitários aportam na rádio para informar e organizar a comunidade. São coisas que definem o nosso trabalho. Mas, sabemos que 30 segundo no RBS Notícias podem por abaixo todas as informações que divulgamos durante os programas. Um exemplo disso foi a luta que travamos contra a destruição de parte da mata atlântica para a realização de um show do cantor estadunidense Ben Harper.

Durante semanas fizemos campanha contra a derrubada das árvores, pela segurança das gentes e tivemos o apoio da comunidade. Mas, a entrada da RBS no tema fez com que muita gente se voltasse contra nós, acusando-nos de “contra o progresso”. Conseguimos barrar a derrubada das árvores, mas o show aconteceu.

Nesse sentido é importante ressaltar que os meios de comunicação comunitários são importantes, é fato, mas, sozinhos, não conseguem competir com eficácia diante da alienação e confusão provocadas pela grande mídia.

Nossa única chance como meios alternativos e comunitários é unir as forças e potencializá-las. Essa outra informação, que forma, que contextualiza, que esclarece, precisa estar em rede. Temos de reproduzir uns aos outros, formar grupos, replicar as notícias de cada um. Isso funciona em alguma medida, mas não é suficiente. A verdadeira saída é controlar os meios massivos. E, para isso, o desafio maior é o de mudar o estado, avançar para uma democracia participativa. Vai daí que essa é uma luta gigante a ser travada.

Agora estamos aí discutindo a lei de meios. Essa novidade começou com a Venezuela em 2004 , quando criou uma lei específica da comunicação que foi uma revolução no setor. Mas a Venezuela estava em processo de transformação, com o povo organizado e nas ruas, querendo mudança. Tanto que levaram dois anos discutindo, com ampla participação das gentes, o que resultou numa lei extremamente completa e democrática.

Depois vieram leis similares na Argentina, na Bolívia, no Equador. Todos esses países estão em processo de transformação da forma de ser estado, com ampla participação popular nos debates, com movimentos sociais muito fortes, gente com poder de decisão.

No Brasil estamos tentando dar foco nessa questão, mas qual é a nossa chance? Temos uma Federação de Jornalistas extremamente formalista, sem perfil popular, que não encaminha lutas no chão da vida.

Temos o fórum de democratização da comunicação e o Intervozes que estão nesses debate, mas são financiados por fundações estrangeiras, do tipo Ford. Isso é problemático, uma vez que sabemos muito bem qual é o papel dessas fundações estadunidenses no mundo: desmobilizar, desfazer, desestruturar.

Temos um Congresso Nacional dos mais conservadores, com ampla bancada de proprietários de meios de comunicação. Assim, como vamos avançar para uma lei de meios se não tivermos uma sociedade em ebulição como é o caso dos países já citados? Se esse debate não se encarnar na vida real, nos movimentos sociais, nos sindicatos, corremos o risco de construir uma lei de meios minotáurica, disforme, formal, não revolucionária.

Então, o papel dos trabalhadores e imprensa sindical é bem mais importante do que apenas compreender como fazer as notícias das lutas saírem nos jornais.

Enquanto esses jornais, rádios e TVs estiverem na mão da classe dominante nada vai mudar. É preciso dar combate para construir uma outra forma de ser estado, com verdadeira participação popular. O Vito Gianotte tem falado aí há anos sobre isso, sobre os sindicatos se unirem e construírem veículos massivos de comunicação, mas a gente vê que a coisa não avança. Poucos usam dos seus meios de comunicação para tratar de assuntos fora do mundo do trabalho. Preferem apostar em proselitismo, em discursos vazios.

Os trabalhadores precisam de informação de qualidade, de análise sobre o que acontece no mundo, na aldeia. Eles não são otários. E temos de dar a eles uma “fina iguaria”, como dizia o grande repórter Marcos Faermann. Mas, fundamentalmente temos de dar batalha a esse estado, fomentar a rebeldia, a desconstrução, a transformação. Sem isso, só faremos remendos…

*Elaine Tavares é jornalista.

PS do Viomundo: Talvez Elaine Tavares não tenha ouvido o diálogo de Carlos Sardenberg e Merval Pereira na rádio CBN, em que um deles faz distinção entre “trabalhador” (que fracassou nas manifestações de rua) e “povo”. Hilário. Sugerido por Aldo Della Monica, no Facebook.


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Comentários

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abolicionista

Acho que o primeiro passo já foi dado. Mobilizar os sindicatos é válido, mas não basta. Algumas pessoas não perceberam que grande parte dos trabalhadores hoje não possuem um sindicato que os represente. São o imenso precariado brasileiro, na definição de Ruy Braga. É preciso, antes de tudo, construir um movimento. E isso está sendo feito pelo centros de mídia independente e outros. O MPL funcionou assim, foi a escolas, promoveu debates, apostou na juventude. É preciso fazer o mesmo em relação ao movimento de democratização da mídia. Só que ninguém gosta de fazer papel de ovelhinha de presépio para Paulinho da força. Democratizemos também os carros de som. E acabemos de vez com a ideia de estratégia, ela é entreguista por excelência: utilizemos, em seu lugar, a imaginação. O que está faltando é imaginação política.

louana

CARA, ESSE MARCO É O BICHO, ELE VAI FUNDO E ATIRA NA MOSCA…. ACHO QUE AINDA SOU FILHA DA DITADURA, TODA VEZ QUE FALA EM REVOLUÇÃO ME TREMO TODA, VENDO O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM O EX-GAROTO DA CIA FICO ACREDITANDO QUE DEMOCRACIA É SÓ UMA PALAVRA DE “RETÓRICA” USADA PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NOS DIAS DE HOJE QUANTO LHES CONVÉM……

    Luiz Carlos Azenha

    Pode ser em minúsculas? Obrigado.

Mardones

União dos sindicatos seria uma boa, mas, infelizmente, há gente como o Paulinho da Força – conhecido como o Pauzinho do Dantas – que pode ser qualquer coisa menos representante de trabalhador.
Então, acho que a luta das organizações precisa mesmo de um meio de comunicação mais efetivo. Nesse ponto, o governo federal também dificulta a organização dos trabalhadores, pois não tem interesse numa empresa de telecomunicações pública de alcance nacional.
Aliás, o ministro das comunicações tem o papel de proteger os interesses das privadas. E o governo vai cara de paisagem. Uma internete pública de qualidade e acessível ao trabalhador assalariado seria muito importante aliado a linha de crédito para financiar tv sindicais e comunitárias pela web. Mas isso seria sonho demais para o Brasil da governabilidade liderado pelo PT-PMDB.

Jose Mario HRP

O radinho dela travou na CBN?

Marat

Pensando bem, “Papo de boteco” seria um nome muito bom para o programa, pois nos papos de boteco saem coisas boas… o nome ideal para o programa da rádio que troca notícia seria: “Seu ouvido é um penico”… o slogan seria assim: “Seu ouvido é um penico, na CBN”.

abrantes

O coroné Odorico foi bem claro.

Nós não protegemos trabalhadores,só protegemos vagabundos.

Quanto ao medieval e o sardemberg eles são dois peixes que vivem boiando no rio TIETÊ,no trecho da região metropolitana de São Paulo.

Marat

Azenha, por acaso o tal programa se chama “Papo de boteco”?

Acássia

1) Quem está na berlinda é o Congresso.Dilma ofereceu o que tinha em mãos: plebiscito. O Congresso se fez de morto. Os prefeitos – que são políticos de oposição ao governo federal vaiou Dilma. E agora?

2) O Congresso avaliou mal o povão. Pois o povão só está dando um tempinho. E mesmo essa espera está sendo muita. Que o congresso comece a trabalhar logo esse plebiscito. Pra ontem.

    Acássia

    Já se for referendo….. não deve o Congresso se aproveitar da folga de tempo e enrolar. Se fizer isto estará ferrado irremediavelmente.

    louana

    Amei, tanto o n. 1, quanto o n. 2.
    Vamos nos organizar e partir para a cobrança…..

Ednaldo Vieira osta

Só grande mobilização popular repetitiva e focada no assunto. Isso só pra começar.

    Acássia

    O Horóscopo chinês fala de “focar’ este ano….

    louana

    TÔ DENTRO…..

ma.rosa

“Aos grandes meios não há que pedir melhorias, há que tomá-los!” Nooossa isto é um grito de guerra, até “arrepia”. Mas acho que estamos caminhando para lá sim. O fato de cada vez mais termos acesso a estas informações pela mídia que a blogosfera disponibiliza e que cada vez mais eventos como o aqui citado questionar e embarrar a “mídia convencional”, já é o começo. Atentamente é preciso fazer mais e mais até que se chegue ao objetivo que é tenho certeza uma mídia inclusiva e democrática. Parabéns ao povo do Campeche, por sua luta e determinação.Nem tudo nesta “Ilha formosa e fagueira”, está perdido.

marco

Sra.Elaine Tavares.Li e gostei.Cabe porém,sem entrar em grandes análizes,comentar o seguinte.A democracia até hoje,não passou dos limites do regime da sociedade de classes.N]ao vejo outra alternativa para mudar isso que não seja a revolução.Revolução socialista.Como?Lembra do Que Fazer?O que incumbe agora é como fazer o Que Fazer!Atravez do voto,duvido!Parabéns pela bela matéria!

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