Cebes: Há tempo de evitarmos a barbárie?

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Editorial do Cebes, Revista Saúde em Debate

O mundo ainda tropeça para superar a atual crise financeira que eclodiu nos Estados Unidos em 2008. Por toda a parte ouve-se dizer que é preciso retomar o crescimento econômico dos países desenvolvidos para que a catástrofe não atinja proporções insuperáveis. Grécia, Portugal e Espanha entram em depressão com elevadas taxas de desemprego e cortam programas sociais construídos penosamente após a segunda guerra mundial.

Entre as elites dirigentes e econômicas mundiais avançam as posições conservadoras protecionistas e espalha-se condenação do estado de bem estar social como um dos focos da crise. Medidas de contenção da escalada financeira não conseguem ser implementadas. Os paraísos fiscais e a circulação sem restrições dos capitais continuam desregulados. Os mais ricos conseguem em meio à crise tornarem-se mais ricos. As vozes que discutem e buscam soluções radicais para a crise são abafadas. Ocorre que já se consome hoje o equivalente a uma Terra e meia por ano. A retomada do crescimento nos moldes anteriores manterá o planeta aceleradamente na direção do exaurimento de suas capacidades. Já somos sete bilhões de pessoas e mantido o modelo anterior, duas Terras já serão necessárias em 2030, cinco em 2050.

A concentração de riqueza e poder no mundo e os atuais padrões de consumo que a sustentam é incompatível com o desideratum da sustentabilidade de garantir padrões de “desenvolvimento que atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades”. Vinte por cento da população mundial se apropria de três quartos da riqueza produzida no mundo. Oitenta por cento da população mundial vive com menos de 10 dólares por dia. Metade da “pegada ecológica”, indicador do consumo de biocapacidades planetárias, é impressa por apenas 10 países. As “necessidades presentes” guardam relação direta com esses padrões de consumo. Se fôssemos satisfazer essas “necessidades presentes” igualando o mundo aos padrões dos Estados Unidos, precisaríamos, HOJE, da capacidade de quatro Terras e meia.

Como ainda há 5,6 bilhões de pessoas vivendo em situação de pobreza no mundo é impossível pensar que seremos capazes de atender suas necessidades sem uma mudança radical dos padrões de consumo dos países ricos e das elites dos outros países. Caso isso não ocorra e o crescimento dos países centrais retome o esquema atual vigente caminharemos para uma situação de terrível aumento da iniquidade e para a condenação de contingentes populacionais crescentes à indigência pelo esgotamento da capacidade produtiva de nosso planeta. Às crescentes restrições de livre circulação das pessoas entre os países, cujo exemplo mais ilustrativo é o vergonhoso muro que separa os Estados Unidos do México, corresponderá um aumento radical da segregação das populações pobres e dos conflitos armados no mundo.

A Rio + 20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que se aproxima poderá ser uma grande oportunidade de trazermos à tona essas preocupações. Se ela ficar restrita à agenda dos Estados Unidos em torno de uma “Economia Verde” de iniciativas locais de alcance local, que apesar de importantes não tocam no coração dos dilemas atuais de sustentabilidade planetária, estaremos assistindo seu fracasso. É importante dotar às Nações Unidas poderes reais de implementar decisões e cobrar compromissos. O Brasil também deve rever de maneira profunda os padrões de consumo de suas elites que modelam e emulam os padrões de seus novos segmentos sociais em ascensão. Devemos reafirmar nossos compromissos com a saúde e a qualidade de vida equitativa dos povos de todo o mundo. O Brasil, nos dias que correm, tem um protagonismo internacional relevante e deve ocupar a liderança deste processo de mudança. Esperemos que haja tempo de evitar a barbárie.

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Comentários

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Rudá Ricci

Azenha,
Veja a “conclusão” do caso de censura de minha coluna na Band News BH: http://rudaricci.blogspot.com.br/2012/05/caso-band.html
Rudá Ricci

strupicio

sustentabilidade é a maior de todas as mentiras.. não existe isso.
é apenas um rotulo tolo que publicitários vigaristas (perdão pelo pleonasmo) VENDEM a empresas predadoras e seus asseclas.
Cada pessoa que nasce tem uma cota predeterminada de devastação, produção de lixo e poluição que não serão campanhazinhas toscas de separar lixo que vai afetar minimamente. Acho que no fundo todos sabem disso.. só fingem que não sabem pq não tem coragem de encarar o único problema real: superpopulação.

José Ivan Mayer de Aquino

Sociobiodiversidade universalmente sustentável: paradigma atualizado para o renascimento da luta que levou ao SUS. Acabaram-se as fronteiras para o fluxo dos gases do efeito estufa, para a disseminação dos princípios ativos abióticos dos agrotóxicos. É passada a hora de questionarmos o uso dos recursos comuns: água, terra, ar, energia; para o lucro de poucos e sem a tributação que equaliza a utilidade social igualmente entre os habitantes do nosso único planeta. Pelo fim da lógica capitalista selvagem e desregulada dos parâmetros de coexistência. Nos marcos do SUS vamos avançar na retomada dos meios vitais em defesa de uma SOCIOBIODIVERSIDADE equilibrada.
José Ivan Mayer de Aquino-Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida-Aluno do curso de Gestão em Saúde Coletiva-UnB-Coordenador da Campanha do Bilhão de Árvores no DF

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