Breno Altman: Mídia, o prato do restaurante canibal

Tempo de leitura: 2 min

7/08/2010 – 09:14 | Breno Altman | São Paulo

por Breno Altman, em Opera Mundi

O trabalho eficaz de dois jornalistas, Pedro Aguiar e Laisa Beatris, profissionais da redação de Opera Mundi, trouxe ontem (26/08) a público caso vergonhoso de colonialismo cultural e abuso da boa-fé dos leitores. A história, que pode ser lida no artigo Mídia internacional ignora indícios de fraude e publica notícia sobre restaurante canibal”, revela o estado de indigência que afeta parte da imprensa mundial.

Tudo começou quando um político alemão denunciou, ao diário sensacionalista Bild, a existência de restaurante brasileiro, chamado Flimé, no estado de Rondônia, que oferecia carne humana e estaria planejando abrir filial em Berlim. O vereador Michael Braun, dirigente local da União Cristão-Democrática, alegando ter recebido informação de eleitores, protestou contra as intenções do famigerado estabelecimento.

A origem primária das denúncias, logo se soube, estaria em vídeo e página divulgados pela internet. Os autores, provavelmente de nacionalidade portuguesa, talvez na intenção de se vingar das piadas contra seus patrícios, resolveram armar pegadinha contra os brasileiros. No jargão da rede, chama-se essa informação forjada de hoax.

O mais incrível é que a existência do restaurante canibal imediatamente se espalhou entre diversas agências e veículos do planeta. O inglês The Guardian, a espanhola Efe, a italiana Ansa, a alemã Der Spiegel e o português Expresso estão entre as publicações que caíram no engodo. Também comprou gato por lebre a brasileira Folha.com. A reportagem de Opera Mundi provou que não há canibalismo nem restaurante algum.

Aparentemente nenhuma das redações enroladas pelo conto dos portugueses se deu ao trabalho de apurar história tão escabrosa. O restaurante não foi checado. Não se analisou com rigor a gravação que circulou no You Tube. A página web que anunciava as estranhas iguarias tampouco recebeu o devido escrutínio.

Não é a primeira vez que importantes meios de comunicação metem o pé na jaca. A revista Veja, em abril de 1983, publicou matéria anunciando a fusão da carne de boi com o tomate, depois de cair em uma brincadeira da revista inglesa New Science, preparada para celebrar o dia da mentira. O caso Boimate, como é conhecido, entrou para a mitologia jornalística como a maior “barriga” (notícia inverídica) de todos os tempos. O affair Flimé tem grandes chances de roubar-lhe o lugar no pódio.

O problema não é apenas a preguiça dos jornalistas que deram ares de verdade à denúncia fajuta. A substituição da informação pelo espetáculo, de fato, tem poder tóxico sobre a inteligência da imprensa e contamina sua disposição de pegar no batente. Mas, é evidente, nesta situação também jogou peso decisivo a arrogância colonial dos brancos de olhos azuis. Canibalismo no Brasil? Terceiro Mundo? Terra de índios, negros e mulatos? Pau na máquina, que se não for verdadeiro, ao menos está bem contado.

A barrigada, que deveria provocar indignação da mídia brasileira e resposta à altura do governo, porque difama a imagem internacional do país, diz muito a respeito de como funcionam os monopólios mundiais da comunicação. Seus donos e operadores, de tão imbuídos do papel de vanguarda cultural do colonialismo, não perdem sequer uma história da carochinha para demonstrar a suposta primazia civilizatória das nações ricas sobre os povos do sul.

*Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi


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Comentários

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Leider_Lincoln

Veja "Boimate", Folha "Restaurante Canibal" de São Paulo ou Globo "Teste de Hipóteses"? Está dureza aguentar os amigos do candidato Serra…

BloGDoRiLDo

Eu já escrevi um artigo sobre a diferença entre Jornalismo e jornalismo. Foi a respeito daquele imbróglio sobre a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão Jornalista. Num determinado momento eu digo:

Jornalista que assenta a bunda numa cadeira almofadada e liga o computador, entra na internet, abre o e-mail e fica filtrando informações produzidas por assessores de imprensa sem investigá-la, é parte dos milhares de homens e mulheres que fazem comunicação e informação sem a cientificidade construída na academia. Para estes não é necessário o diploma da academia. Aliás, minha ousadia diz que se o papel dos veículos de comunicação é garimpar informações produzidas por assessores de imprensa para publicá-las, ou editá-las e reproduzi-las; garimpagem que privilegia um texto bem escrito, dentro das formalidades exigidas pela editoria, talvez fosse melhor um professor de lingüística ou da Língua Portuguesa a fazer isso a um jornalista que pena pra burro pra dar conta de um texto enxuto, corretamente elaborado (Ferreira, 2008).

Será que é uma questão de Currículo? As academias estão falhando na formação dos profissionais de jornalismo? Que diabos está acontecendo com o jornalismo no mundo?

O_Brasileiro

Esse post e o outro sobre a informação incorreta dada pela Hildegard Angel sobre a Manuela D'Avila mostram que a mídia ainda não tem responsabilidade suficiente!
A mídia pode até criticar, fazer humor ou se indignar com uma notícia. Mas é fundamental que a notícia seja correta!
Querem usar o argumento da censura para encobrir irresponsabilidade.
A verdade é o princípio da justiça!

    Ed.

    Bras, não sei se vc leu a Hildegard, mas pode ver que não é incorreta a informação, pois fala na lei de 97 e na minireforma da mesma. Apenas seria conveniente fazer um esclarecimento sobre a Manuela, pois não foi intenção deixá-la mal, mas esclarecer a origem. Desfazer "fogo amigo'…
    Temos que tomar cuidade para não deixar nem uma nem outra como "incorretas", cometendo um mesmo erro…

    O_Brasileiro

    Caro Ed, concordo com você.

O_Brasileiro

Se nós, dos países em desenvolvimento, matássemos para comer, seria trágico!
Mas eles, dos países ricos, matam milhões de seres humanos em suas guerras, e os deixam apodrecendo ao ar livre ou em valas comuns! Isso é muito mais trágico!

Gerson Carneiro

Não estava sabendo que a revista Veja tinha sentado no tomate.

rezende

Acho que esse restaurante é do Serra.
afinal, ele tem um vice índio.
e alem disso deu pra comer todo mundo agora.

dukrai

tem essa mesmo de preconceito, mas é engraçada a "barriga". pior, os caras não desmentem e dão espaço pra gente ficar zoando deles. obrigado, fôia rs

    Gerson Carneiro

    É por aí… E eu estava pensando sobre esse negócio de veto ao humor sobre os políticos e fiquei imaginando a gente vendo um político na tv, falando ou fazendo alguma bobagem, e alí, diante da tv, nós, que quase não temos imaginação, começaremos a sorrir. A pessoa que está ao lado pergunta:

    – O que foi? De que você está sorrindo tanto?
    – Nada. Não posso falar.

CC.Brega.mim

A notícia da Folha.com:
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/789278-anuncio

    Ramon

    Todos precisam ler esta matéria na Fôia de SumPaulo. A informação não poderia ser desmentida nem confirmada? Somou-se o preconceito dos jornalistas do hemisfério Norte ao preconceito dos "jornalistas" de São Paulo, só podia resultar em barrigada feia. Umas pitadas de complexo de vira-latas também entraram na receita. Eles não acharam necessário checar, se os gringos disseram, devia ser verdade… Caí na risada aquí! Quem compra folha deve se considerar bem informado.

    Vanessa Peres

    Ha de se acrescentar então as aspas no "jornalistas" do hemisferio norte, assim como vc fez com os "jornalistas" de São Paulo.

Ed.

Há quem justifique a mídia corporativa sobre a blogosfera pelo "profissionalismo que só eles podem ter"…
É o que se tem visto nas principais midias do país: navio inacabado, terceiro mandato de Lula, acarajé …

Klaus

Se foram portugueses que fizeram esta brincadeira com nós brasileiros é bem merecido, para pararmos com esta mania de ridicularizar os irmãos d'além mar. Eu, da minha parte, há tempos parei de contar piadas de português, só conto piada de sueco. Por falar nisto ouvi uma ótima de dois suecos, o Joakinsson e Manuelhonson,mas não dá pra contar aqui.

    Ed.

    Toma cuidado pra não incluir o Henderson…

    Exilado

    Estive recentemente em Portugal, e vou te contar uma coisa: ANTES eu não reproduzia tanto piadas sobre portugueses, mas de agora em diante, até ajudarei a criar algumas…..

    Paulo Fernandes

    Eu acho que os portugueses só foram usados como atores da armação, por causa da lingua. A produção e a idéia têm pinta de ser coisa de gringo (talvez alemães, já que usaram Berlim). Basta dar uma lida no site do "restaurante" e nos textos que aparecem no video fake pra perceber que quem redigiu os textos em português não tem intimidade com o idioma. O mistério deve ser desvendado no dia 8 de setembro, data anunciada da inauguração do "restaurante" na Alemanha. Seguramente a coisa não tem nada a ver com restaurantes ou comidas.

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