Beto Almeida: O fim do JB e o papel do jornalismo público

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O fim do Jornal do Brasil impresso e o papel do jornalismo público

por Beto Almeida, na Carta Maior

O jornalismo de mercado, com o fim do JB impresso, revela, uma vez mais, sua incapacidade de dar solução para o problema da dívida informativo-cultural e para permitir, finalmente, que o povo brasileiro tenha acesso a uma tecnologia do século XVI, a imprensa de Guttemberg. Se estamos a caminho de superar a miséria absoluta, também é chegada a hora – sem confrontar com as modalidades de informação na internet, mas complementando-as – de também superarmos a indigência na leitura de jornal, a miséria informativo-cultural. O artigo é de Beto Almeida.

“A minha cama é uma folha de jornal”
Noel Rosa

Primeiro foi o fechamento da Tribuna da Imprensa, logo seguido pelo fechamento da Gazeta Mercantil. Agora, o curso de agonia da imprensa comercial anuncia o fim do Jornal do Brasil em sua versão impressa. Junto dele está a vertiginosa queda de tiragem dos jornais que resistem, evidentemente acompanhada da clamorosa queda de sua credibilidade. Este talvez seja mais um alerta e mais uma oportunidade para discutir os limites quase que intransponíveis para o jornalismo no modelo comercial e a necessidade de insistir e estimular a conscientização e as iniciativas para a construção de um jornalismo público.. Indo direto ao tema: é bem provável que o presidente Lula tenha um papel histórico também para romper os tabus e preconceitos que impedem os brasileiros de ter um jornal de missão pública, nacionalista, popular.

Um jornal centenário, sonho de uma geração de jornalistas, inovador em forma e conteúdo, o Jornal do Brasil, que já vinha definhando, como muitos outros diários, agora anuncia que deixará as bancas. Não estará mais nas praias, nos botequins, nos escritórios, nos ônibus, nas universidades, nem mesmo nas feiras para embrulhar peixe.

Durante anos registrou dificuldades financeiras. Arrastou-se endividado em bancos públicos, muito embora sua linha editorial, como de resto de toda a mídia, hostil ao papel do estado na economia. Mas, não quando os recursos públicos salvam a crise.

A dívida informativo-cultural

Até quando vamos assistir este definhamento sem abrir um grande debate nacional sobre o futuro da imprensa no Brasil, sobre a dívida informativo-cultural acumulada, sobre a proibição, na prática, da leitura de jornal no Brasil pelo o povo? Até quando os jornalistas vão superar a discussão estreita que vem fazendo acerca da titularidade e diploma desvinculada da extinção concreta e incontornável de postos de trabalho e da proibição da leitura de jornal pelo povo? Multiplicaram-se as faculdades de jornalismo e reduzem-se os jornais e os postos de trabalho. Paradoxo! Tínhamos um exército de desempregados diplomados. Mesmo que o diploma volte a ser obrigatório, teremos ainda mais desempregados e menos lugar para trabalhar. E o povo sem ler jornal!

Enquanto a Argentina tem o jornal Página 12, o México tem o La Jornada, a Bolívia tem o jornal Cambio – criado há apenas 8 meses e já é líder de vendas – a Venezuela tem o Correio do Orenoco, todos fazendo o contraponto da linha editorial da imprensa oligárquica, teleguiada pelos interesses estrangeiros, no Brasil temos o domínio completo de uma imprensa anti-nacionalista e anti-popular. Não por acaso, com hostilidade unânime à candidata de Lula. São estes jornais e revistas contra a nacionalização do petróleo, criticam a reconstrução da indústria naval, exasperam-se com a valorização do salário mínimo, insistem na tese conservadora da disciplina fiscal, da austeridade, do corte de gastos, quando, evidentemente, o país precisa aumentar decididamente os investimentos públicos para dar sustentação ao crescimento econômico, que lhe permita reduzir as disparidades internas e as vulnerabilidades externas. Esta imprensa chega ao ponto de publicar documentação falsificada sobre uma candidata à presidência, a colocá-la em uma charge como personagem da prostituição (nenhuma ofensa deste escriba às trabalhadoras do sexo), mas, no seu discurso de falsa ética e moral, esta imprensa esquece que em suas páginas de classificados divulga, portanto associa-se comercialmente, deprimente atividade do comércio de sexo.

Última Hora e Le Monde

É hora de recorrer mais uma vez à história para repararmos como nascem e como morrem os jornais. Aqui vemos o JB definhar depois de passar a ser controlado por empresários favorecidos pela privatização. Estão perdendo leitores, mesmo quando há avidez para a leitura. Na França, o Le Monde nasceu após a Segunda Guerra estimulado por De Gaule, como parte de uma visão nacional.. Aqui no Brasil, percebendo a hostilidade unânime de uma imprensa movida por uma cruzada anti-nacional, o Presidente Getúlio Vargas também estimulou o nascimento do jornal Última Hora, popular, nacionalista, que informava sobre os temas de interesse da classe trabalhadora, criando um paradigma jornalístico.

Como praticamente todos os órgãos de imprensa, o Última Hora também recebeu créditos de bancos públicos. Por acaso o Jornal do Brasil nunca os recebeu? Ou O Globo? Ou a TV Globo, que nasceu de modo irregular, a partir de operação ilegal denunciada vastamente na CPI do Grupo Time-Life, também não recebeu? Por quantos anos a TV Globo foi favorecida por taxa subsidiada da Embratel para uso de satélites????

Deixemos de hipocrisia: os grandes grupos de mídia só se transformaram em gigantescos conglomerados em razão de inescrupuloso favorecimento creditício estatal e não em função de sua competência empresarial. Para monopolizar audiência a TV Globo chegou a atrasar em 9 anos a introdução do aparelho de controle remoto no Brasil, conforme denúncia do ex-Ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira.

Fundação para o Jornalismo Público

Sustentamos que é chegada a hora para que seja levada ao presidente Lula – esta é afinal uma discussão estratégica de nação, não de mercado – numa proposta de criação de uma Fundação para o Jornalismo Público, destinada a tornar a leitura de jornal no Brasil um hábito democrático, popular, acessível, viabilizando a pluralidade e a diversidade informativas, cada vez mais ameaçadas quanto mais se fecham jornais. E para sustentá-la muitas alternativas podem ser discutidas, entre elas aquela mais utilizada pelos grupos de mídia que são sustentados em boa medida pelas verbas publicitárias do Estado ao qual tanto agridem. Ou contando com a participação de Fundos de empresas públicas, muitos deles com altíssima rentabilidade, que bem poderiam ter uma participação ativa nesta Fundação de natureza pública, destinada a cumprir aquilo que embora expresso na Constituição, está muito longe de tornar-se realidade no Brasil: a informação é um direito de todos os cidadãos.

O fim do JB no papel e o papel de Lula

O presidente Lula já criou a Empresa Brasil de Comunicação, cumprindo com disposto constitucional que, no seu artigo 223, estabelece que a comunicação deve ser complementar entre os sistemas público, estatal e privado. A TV Brasil vem fazendo esforços importantes para adquirir visibilidade nacional, audiência e qualidade informativo-cultural. E tem surpreendido positivamente, muito embora haja muito por fazer ainda.

Mas, na área do jornalismo, o que se nota é redução assustadora do número de jornais, da tiragem de jornais, de sua credibilidade, ao lado de uma incompreensível multiplicação de faculdades de jornalismo, uma verdadeira indústria de canudos, sem que se possa garantir aos formados, algum dia, a oportunidade de trabalhar naquilo em que estudaram. Propaganda enganosa?

O jornalismo de mercado, com o fim do JB impresso, revela, uma vez mais, sua incapacidade de dar solução para o problema da dívida informativo-cultural e para permitir, finalmente, que o povo brasileiro tenha acesso a uma tecnologia do século XVI, a imprensa de Guttemberg. Se estamos a caminho de superar a miséria absoluta, também é chegada a hora – sem confrontar com as modalidades de informação na internet, mas complementando-as – de também superarmos a indigência na leitura de jornal, a miséria informativo-cultural.

E o presidente Lula, por sua trajetória, pelas tantas chicotadas que tomou das mais maledicentes formas de preconceitos desta imprensa oligárquica, é o mais credenciado para encorajar e estimular, não uma revanche, mas uma solução democrática para que os brasileiros possam, finalmente, não apenas alimentar-se com regularidade, como crescentemente ocorre, mas também ter acesso a jornal para a leitura cidadã e não apenas para forrar o chão, como na música de Noel .

(*) Beto Almeida é Diretor da Telesur


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Comentários

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Ed.

O JB e sua tradição quase unânime de jornal de qualidade, não é muito conhecido pelos mais novos. Pena, pois saberiam melhor que a imprensa pode ser diversificada, com veiculos mais à direita, mais neutros (JB) e mais à esquerda. Todos de porte e disseminação relevantes.
Diferentemente de hoje, quase um monopólio conservador, a divisão entre esquerda e direita, à época, era ferrenha, muito mais equilibrada.
Triste. Mas pelo menos temos esta Internet, que nos permite até sermos um pouco jornalistas!…
Tá bom, vai! … comentaristas…

O Brasileiro

Se o governo lançasse um jornal público, gratuito, logo, logo os oligarcas da mídia entrariam com ações judiciais contra um jornal público. E o mesmo provavelmente seria suspenso durante o período eleitoral se simplesmente noticiasse a inauguração de uma obra pública!
Mas a NBR e o blog do planalto são opções. O que lhes falta é propaganda, mas ai cairíamos no mesmo problema: argumentariam uso de dinheiro público para propaganda eleitoral.
Ainda acho que a melhor solução é educação para o povo, de todas as classes, até para as elites ignorantes!

Leonardo

Esse aí ta querendo uma boquinha…

Jairo_Beraldo

Por sorte estes senhores desviaram grandes fortunas para o exterior. Assim darão um calote memorável em seus fornecedores. Porque em nós já vem dando há muito tempo.

Nelba

continuando…
Além da reativação da Telebras e a PNBL, não podemos permitir que a Voz do Brasil seja flexibilizada, pois hoje é o único meio de informação que a grande maioria tem e que democraticamente chega em todos os lugares deste país.

Quem são os que desejam esta flexibilização e por qual razão? Como se posicionam os movimentos que defendem a "democratização da midia" e o "direito à comunicação"?

Nelba

À Roberto Locatelli

Mas são de extrema importância estas iniciativas. Mesmo sendo a internet um sistema bem mais democrático, no Brasil há 50% de pobres que não tem acesso à internet e é neles que temos que pensar, quando da razão do artigo, Lula criar um Jornal Público ,possa ser distribuído gratuitamente a este povo excluído da informação. Um jornal não somente dá informaçòes políticas mas também pode instruir, orientar sobre saúde, educaçào e direitos. Nem sempre as pessoas buscam ou sabem buscar na internet estas informações, principalmente, os novatos. Já um jornal de qualidade, dirigido à população de fato, com o desejo de educar e informar poderá, a cada edição, conduzir o leitor por este conhecimento, inclusive, regionalmente, respeitando estas diferenças.

    O Brasileiro

    É uma alternativa provisória até que ocorra a inclusão digital.
    Lula está certo quando quer a banda larga pública (que com certeza não vai ser de graça!), pois os recursos da internet são avassaladoramente maiores do que os dos jornais, além do que há como haver interatividade entre os leitores e os editores!

beattrice

Excelente artigo.
Em tempo, neste contexto, grande parte do problema da SUPREMACIA TUCANA em SP deve-se ao controle que o PiG exerce sobre corações e mentes no estado.
A democratização da informação é condição sine qua non para formar um eleitorado crítico e progressista, preocupado com os reais interesses e soluções para o país.

anesio

A Folha, Estadão e Veja ainda vive graças a ajuda financeira do poder público onde governa PSDB/DEM, através de propaganda publicitária e aquisição de assinaturas. Se dependessem de venda…

Pedro Parinollut

Ontem aqui em Uberlândia MG tinha edição de um Jornal que já foi muito conceituado no Estado de Minas e adjacentes sendo vendido a preço de banana (isto é como oferta) em um Supermercado. Mas, isto se deve a função precípua de que eles (imprensa escrita) deixaram de ter uma linha conduta que os ligassem aos anseios da população. Isto é:
de uns tempos para cá usaram e abusaram do direito de mentirem. Então será mais um,
no rastro da Gazeta Mercantil, Estadão e outros que virão na esteira da derrocada eminente.

Adriana Souza

Escrevo para elogiar o artigo. Sensacional.
Que essa triste realidade mude. Sou formada em jornalismo (com muito orgulho) e não trabalho na área. Mais uma com canudo e sem emprego na área…

Marat

Os jornalistas atuais (sempre há algumas exceções honrosas) são pessoas com formação deficiente e parca cultura geral. Escrevem aquilo que os patrões ditam em troco de algum din din…
Quem nos defende da Folha e assemelhados? Apenas a inteligência…

    Jairo_Beraldo

    Na grande midia, leia-se PIG, existem mais mercenários, que jornalistas…salvo raríssimas exceções.

Roberto Locatelli

Uma das grandes falhas do Governo Lula (e também dos Governos Chávez, Evo Morales, Correa e outros) é não estabelecer um plano efetivo de comunicação direta com a população, sem a mídia burguesa como intermediária.

Sim, Chávez criou uma tv estatal, assim como Lula. E Evo criou um jornal em papel. São passos na direção certa, mas ainda tímidos. Na verdade, a única saída é organizar a classe trabalhadora e a população, para que essas organizações tenham, também, esse papel de levar as informações ao cidadão.

Aqui no Brasil, uma das coisas mais importantes é a reativação da Telebras e a efetivação do PNBL – Plano Nacional de Banda Larga. A internet é um veículo bem mais democrático, no qual não há monopólio de informação.

    Marcelo Fraga

    Mas Chávez não tem aquele programa onde alguns representantes de certos grupos da sociedade vão no estúdio e fazem perguntas ou pedidos para o presidente? Me parece que é diário.

    Ed.

    O aspecto que me parece mais complicado não é apenas ter o veículo, mas alcançar a audiência.
    O governo tem a Radiobrás, a TV Brasil, mas quem assiste? Nós?
    A própria TV Cultura, que já é mais conhecida, tem baixa audiência.
    O fato é que a mídia tem que trazer entretenimento, esporte, serviços, etc.
    Felzmente, a Internet está preenchendo este espaço.
    Penso que o grande desafo é ter parte da mída empresarial mesmo, com informação honesta e diversificação política.
    E acredito que é possível. Mas toma tempo e dá trabalho. E com a rede, talvez até venha a não ser tão necessário.

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