Alexandre Pereira: “Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém”

Tempo de leitura: 3 min

por Luiz Carlos Azenha e Padu Palmério

“A grande mídia não está de olho na periferia”, diz o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira, professor da Unifesp, a Universidade Federal de São Paulo.

É uma das explicações para a surpresa com que a sociedade brasileira recebeu os chamados “rolezinhos”, atividades de jovens organizadas através das redes sociais em shoppings de São Paulo.

Segundo o jornalista Padu Palmério (autor, aliás, das imagens da entrevista que você vê neste post), há pelo menos outros cinco previstos para os próximos dias, agora também em espaços públicos:

Shopping Aricanduva, sexta-feira —  https://www.facebook.com/events/431525700309637/?fref=ts

Anália Franco, sexta-feira — https://www.facebook.com/events/1374307016164841/

Iguatemi JK, sábado  — https://www.facebook.com/events/259849900839491/?fref=ts

Parque Ibirapuera, sábado — https://www.facebook.com/events/1419046201666791/

Parque Ibirapuera II, sábado — https://www.facebook.com/events/446465818788867/

Os eventos, que tiveram início no período do Natal, chegaram a ser violentamente reprimidos pela Polícia Militar, a pedido de lojistas. Shoppings recorreram à Justiça para proibir a atividade, com multas individuais que poderiam chegar a 10 mil reais.

Alexandre Barbosa Pereira é do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, o NAU.

O antropólogo vê os rolezinhos em um contexto mais amplo. Ele fez mestrado estudando pichação em São Paulo. Depois, ampliou o foco e fez doutorado pesquisando em escolas da periferia, um espaço de socialização dos jovens que muitas vezes não é compreendido assim por professores.

Para o antropólogo, é óbvio que os rolezinhos não são organizados para fazer propaganda de uma bandeira política. São a extensão de algo que é comum entre jovens nas escolas, “causar” ou “zoar” em busca de reconhecimento, visibilidade.

Como toda atividade humana é política, não deixam de ser, também, uma forma de mexer com a “ordem estabelecida”, ordem esta estabelecida sem diálogo com os jovens.

Alexandre rejeita o corte simplista das classes sociais. Diz que os espaços das metrópoles brasileiras foram organizados sem dar ouvido às necessidades da molecada, independentemente de classe social.

Só que enquanto os filhos de ricos ou da classe média são, desde cedo, reconhecidos na escola, quem está por baixo na periferia não tem voz, é discriminado desde sempre no espaço essencial de socialização.

Antes da entrevista o antropólogo, que mora na Zona Sul de São Paulo, apontou para a janela aberta de seu apartamento. Passamos a procurar espaços públicos no bairro.

É um exercício que eu, Azenha, como repórter, sempre faço nas incursões pela periferia da Grande São Paulo: as praças e os parques públicos são raros, não há centros culturais nem quadras esportivas, nem museus, cinemas ou bibliotecas; pistas de skate e espaços para música também inexistem. Os equipamentos, quando existem, foram colocados lá sem consulta aos jovens.

A escola é, mesmo, “o” espaço. A escola e, crescentemente, o shopping. Espaço privado, este último, mas visto como público pelos adolescentes.

Na opinião de Alexandre, os jovens envolvidos com os rolezinhos não estão em busca de revolução, mas de se afirmar num espaço que a própria sociedade brasileira propôs a eles como central: o do consumo.

Consumo, portanto existo.

“Se fossem jovens brancos se encontrando seria um flash mob”, afirma Alexandre, lembrando de atividades similares organizadas pela internet em várias partes do mundo — muitas delas, inclusive, em shopping centers.

Porém, como no primeiro grande rolezinho de repercussão no Brasil havia muitos jovens negros e pardos, parte da mídia chamou de “arrastão”.

Alexandre foi a dois eventos. Diz que é impossível explicá-los com uma atitude binária.

A garotada quer, acima de tudo, zoar. Escolhe um local de prestígio. Um lugar que tenha centralidade em sua vida.

Quem vê de fora se coloca no papel de “interpretar”: dependendo do ponto-de-vista, faz a rotulagem.

Para alguns, heróis contra a desigualdade; para outros, vítimas do apartheid social; ou, vilões que perturbam o sossego alheio.

Alexandre se diverte com a rotulagem lembrando que em Itaquera muitos frequentadores do shopping, adultos, condenaram a zoeira. Independentemente de classe social.

O antropólogo não deixa de notar, no entanto, a ironia: antes das manifestações de junho passado, era considerado tabu em São Paulo organizar manifestações que paralisassem o trânsito na avenida Paulista, em nome do direito de ir e vir; agora, para reprimir os rolezinhos, as autoridades consideram solapar o direito de ir e vir.

Alexandre Barbosa Pereira termina a entrevista dizendo que, se há uma reivindicação embutida nos rolezinhos, é o do “direito de se divertir na cidade”.

Cita Da ponte pra cá, dos Racionais:

Quem não quer brilhar, quem não? Mostra quem

Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém

[Os vídeos com entrevistas do Viomundo são bancados pelos assinantes do site. Ajude-nos a produzir conteúdo de forma independente. Aqui, a entrevista com o jurista Fábio Konder Comparato]

A charge é de Vitor Teixeira, via Facebook:


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Comentários

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Gerson Carneiro

Exceto o Indio da Costa que foi coadjuvante do Zé Ninguém.

ricardo

Os jovens dos rolezinhos não querem revolução? Nem me diga. Eis uma descoberta revolucionária!

    renato

    Eu dou rolé desde pia!!!
    É que nem ficar na esquina até amanhecer…
    Mas agora não tá podendo porque estão matando..
    Tenho pena desta piazada…principalmente da
    piazada das grandes cidades…dá dó.
    Mas de alguma maneira, estão se divertindo…
    só não pode barbarizar…
    E multidão em movimento sempre assusta…
    Só tem corpo, não tem cabeça….até que aparece
    uma…

francisco pereira neto

A turminha da periferia que estão organizando esses rolezinhos, tem a plena consciência que serão discriminados quando marcam o ponto de encontro nos shopping. E isso é o motivo principal porque sabem que a criminalização dará visibilidade aos seus encontros, principalmente porque sabem que haverá repressão da polícia.
Por outro lado, o que ocorre dentro dos shopping, até onde pude ver através dos vídeos, a “baderna” é motivada primeiro: pelos seguranças dos shopping, cercando-os e acompanhando-os como se fossem potenciais criminosos e da própria PM hostilizando os grupos e empurrando-os para fora. Isso eu assisti. E é exatamente isso que eles querem. Ter visibilidade. Quem está errado? Quem está certo?
De minha parte, tenho a certeza que quem erra, são os administradores dos shopping e a PM.
Até ontem esse pessoal não se organizavam em grupos, todos da mesma classe social para dizer: olhem, nós estamos aqui. Nós existimos sim. E vocês terão que conviver conosco, porque a cidade também é nossa.
Não vejo como movimento político, mas sim social, e que a classe média alta não consegue entender e não aceitam.
Vejo isso como uma transformação social positiva, pois os outrora excluídos, estão marcando presença. E o dado positivo é que o movimento vem de baixo para cima e sem orquestração político partidária.
Se a política não conseguem fazer as transformações que a sociedade como um todo, exige, os próprios atores estão encenando essas transformações.
Justiça seja feita. Coincidentemente isso vem a ocorrer após doze anos de inclusão social e reajustes, principalmente do SM, acima da inflação.
Parece pouco que os governos Lula/Dilma estão fazendo, mas esses movimentos tem a ver com as políticas de inclusão social adotadas.
Posso dizer isso porque faço muitas críticas sobre a falta de ousadia, mais de Dilma do que de Lula na condução das políticas, principalmente na área econômica.

Luís Carlos

Creio que essa resposta era no outro post.

Mário SF Alves

Pense bem. Você está comparando entidades completamente distintas. Uma coisa é o troll, uma entidade imaterial, virtual, muitas vezes comportando-se como um bot e avessa a qualquer norma de convivência. Outra coisa é gente, de carne e osso, identidade e cpf, consumidor ou frequentador de shoppings.

E isso faz toda a diferença, não?

Mardones

O shopping foi o espaço que sobrou para o brasileiro que tem sido criado – assim como fazem como os outros animais – para servirem aos interesses do ‘mercado’. Mais especificamente como mão-de-obra e ‘consumidor’ – com toda limitação que se possa imaginar, dado o ‘poder de compra’ dos salários.

Não há tempo para outras atividades como ir ao cinema, museus, teatro, zoológico e praças, pois são atividades típicas de cidadãos.

Na verdade, em muitas cidades, estes espaços sequer existem.

O público – em sentido amplo – tem sido dispensável.

Marcos Marques de Sousa Trindade

Um trecho da música Capítulo 4 Versículo 3, dos Racionais MC’s, do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, de 1997, parece profetizar bem esse momento que estamos passando:

“Você vai terminar, tipo o outro Mano lá, que era preto tipo “A”, ninguém entrava numas, maior estilo, de calça Calvin Klein, tênis Puma; um jeito humilde de ser, no trampo e no rolé; curtia um funk, jogava uma bola, buscava a preta dele no portão da escola; um exemplo pra nós, maior moral, maior IBOPE; mas começou colar com uns branquinhos do shopping….. aí já era”.

Volnei João

A classe dominante brasileira é escravocata, despreparada para o evento de uma sociedade de massas consumidoras. Em São Paulo se apresentam para o restante do Brasil, como o centro irradiador da cultura do Século 19.

FrancoAtirador

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Etnografia do “rolezinho”

O ato de ir ao shopping é político:
porque esses jovens estão se apropriando de coisas e espaços
que a sociedade lhes nega dia a dia

Por Rosana Pinheiro-Machado*, na Carta Capital

Em 2009, eu e minha colega e amiga, Lucia Scalco, começamos a estudar o fenômeno dos bondes de marca.
Como?
A gente reunia a rapaziada, descíamos o morro e íamos juntos dar um rolezinho pelo shopping – o lugar preferido desses jovens da periferia de Porto Alegre.
Eles nos mostravam as marcas e lojas preferidas.
Contavam como faziam de tudo para adquirir esses bens (descrevemos todas as possibilidades em nossos papers).
Havia um prazer e empoderamento nesse ato de descer até o shopping.
Eles não queriam assustar, porque nem imaginavam que a discriminação fosse tão grande que eles pudessem assustar.
Muito pelo contrário: eles faziam um ritual de se vestir, de usar as melhores marcas e estar digno a transitar pelo shopping.

Uma vez um menino disse que usava as melhores roupas e marcas para ir ao shopping para ser visto como gente.
Ou seja, a roupa tentava resolver uma profunda tensão da visibilidade de sua existência.
Mas, noutro canto, os donos da loja se assustavam e cuidavam para ver se eles não roubavam nada.
Um funcionário disse à Lucia a mais honesta frase de todas (uma honestidade que corta a alma):
“não adianta eles se vestirem com marca e virem pagar com dinheiro. Pobre só usa dinheiro vivo. Eles chegam aqui e a gente na hora vê que é pobre”.
Eles, no entanto, acreditavam que eram os mais adorados e empoderados clientes das lojas.

Um funcionário da Nike uma vez declarou para a pesquisa:
“nós nos envergonhamos desse fenômeno de apropriação da nossa marca por esses marginais”.
Mas eles nos diziam:
“as marcas deveriam nos pagar para fazer propaganda, porque nos as amamos. Sem marca, você é um lixo”.

Quando mostrei o Funk dos Bens Materiais em aula, uma aluna de camadas altas comentou:
“quando a gente vê a figura toda montada, marca estampada, já vê que é negão favelado”.
Infelizmente não me surpreendeu o fato de toda a aula ter caído na risada.

Esse mesmo tipo de pessoa é aquela que ainda diz que é um absurdo comprar televisão, “pobre deveria alimentar a prole” e ponto final.

No programa Papai Noel dos Correios, que eu e Lúcia analisamos, uma menina desafiava o seu destino:
“kirido papai noel: eu me comportei, eu passei de ano, eu cuido da minha vó, meu pai sumiu de casa. Eu só quero uma calça da Adidas!”.

Mas vocês podem concluir que cartas como essas são relegadas por meio de uma moralidade escrota:
todos os pedidos de meninas e meninos de roupas de marca eram vistos como um desaforo. ‘Que absurdo! Afinal, pobre deve pedir material escolar e bicicleta!’

Tenho ficado quieta nesse caso do “rolezinho” porque este talvez seja o assunto que mais seja caro à minha sensibilidade acadêmica e política.
Esse tema é justamente o que me faz me afastar de uma certa antropologia vulgar com suas interpretações do tipo “que lindo essas pessoas se apropriam das marcas e dão novos significados e agência e bla blá blá prá boi dormir”.
Mas também é este tema que me aproxima ao que a antropologia tem de melhor: ouvir as pessoas.
Não há uma grande diferença do “rolezinho” organizado e ritualizado das idas aos shoppings mais ordinárias (ainda que a ida ao shopping pelas classes populares nunca tenha sido um ato ordinário), mas vejo uma continuidade que culmina num fenômeno político que nos revela o óbvio:
a segregação de classes brasileiras que grita e sangra.

O ato de ir ao shopping é um ato político: porque esses jovens estão se apropriando de coisas e espaços que a sociedade lhes nega dia a dia.

Quando eu vejo aquele medo das camadas médias, lembro daquelas pessoas que se referiram “aos negões favelados”.
E há certa ironia nisso.
Há contestação política nesse evento, mas também há camadas muito mais profundas por trás disso.

Estou acompanhando os “rolezinhos” e sinto certo prazer em ver aquela apropriação.
Mas entre apropriação e resistência há um abismo significativo.
Adorar os símbolos de poder – no caso, as marcas – dificilmente remete à ideia de resistência que tanta gente procura encontrar nesse ato.

O tema é complexo, não apenas porque desvela a segregação de classe brasileira, mas porque descortina a tensão da desigualdade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre o Norte e o Sul.

E enquanto esses símbolos globais forem venerados entre os mais fracos, a liberdade nunca será plena e a pior das dependências será eterna:
a ideológica.
Por isso, para entender a relação que as periferias globais têm com as marcas e os shoppings, é preciso voltar para os estudos colonialistas e pós-colonialistas.

A apropriação de espaços símbolos hegemônicos, desde Mitchell até Newell, passando por Bhabha, Rouch e Ferguson, nos mostra uma permanente tensão na apropriação que tenta resolver a brutal violência que esta por trás desse ato.
O meu lado otimista não nega o que esses jovens nos disseram: do prazer que sentem em se vestir bem e circular pelo shopping para SEREM VISTOS. Meu lado pessimista tende a concordar com Ferguson de que há menos subversão política e mais um apelo desesperador para pertencer à ordem global. É preciso entender o “rolezinho” dentro de uma perceptiva do Sul Global de séculos de violência praticada na tentativa de produzir corpos padronizados, desejáveis e disciplinados.

O pobre no shopping repete a mimeses de Bhabha.
A classe média disciplinada vê os jovens vestindo as marcas do mercado hegemônico para a qual ela serve.
A classe média vê os sujeitos vestindo as mesmas marcas que ela veste (ou ainda mais caras), mas não se reconhece nos jovens cujos corpos parecem precisar ser domados.
A classe média não se reconhece no Outro e sente um distúrbio profundo e perturbador por isso.
Não adianta não gostar de ver a periferia no shopping.
Se há poesia da política do “rolezinho” é que ela é um ato fruto da violência estrutural (aquela que é fruto da negação dos direitos humanos e fundamentais): ela bate e volta.
Toda essa violência cotidiana produzida em deboches e recusa do Outro e, claro também por meio de cacetes da polícia, voltará a assombrar quando menos se esperar.

*Rosana Pinheiro-Machado é cientista social e antropóloga.
Professora de Antropologia do Desenvolvimento da Universidade de Oxford.

(http://www.cartacapital.com.br/sociedade/etnografia-do-201crolezinho201d-8104.html)
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Tereza Nogueira

Marchinha para o carnaval 2014

O Baile do Pó Royal !!!

https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=e02a7rhga1U

Ah é sim !!!
Ah é sim !!!
Ah é sim !!!

    Julio Brito

    A PF encerrou a investigação em 22 dias e inocentou o Senador.

    A ALMG não abriu investigação contra o deputado estadual.

    Se a justiça brasileira perdoa…a população, ao contrário, é implacável !!!

    A marchinha é muito boa !!!

    Essa história do helicóptero ainda vai render muito pano para a manga…

Obelix

Os despertencidos da cidade.

É irresistível uma abordagem sociológica ou a sociologização de determinados fenômenos sociais, e de certa forma, a Sociologia oferece um instrumental teórico que satisfaz boa parte de minhas expectativas, mas não todas.

Acho complicado dar uma dimensão exata dos chamados “rolezinhos”, um tipo específico de “flashmob” juvenil (como disse entrevistado), possibilitada pela fluidez de informação das redes sociais e das traquitanas eletrônicas.

De certa forma, esta mobilização em torno de temas específicos (torcidas de futebol são outro exemplo) é próprio da juventude, e que pode se estender até a débeis mentais considerados adolescentes tardios, que não correspondem idade biológica com mental (outro traço muito comum na sociedade da obsolescência).

Mas não é um fenômeno inédito ou adstrito a Idade Virtual.

O cinema hollywwodiano explorou estas manifestações à larga, seja na saga James Jean, seja com a contracultura hyppie, e outras comunidades.

O principal mito ocidental, ou melhor, os principais mitos ocidentais cultuados desde muito tempo são: reunião por afinidade, mediação de violência, contestação do estamento e rito de passagem. O outro é a guerra, outro tipo de manifestação institucionalizada de violência juvenil e pós-adolescência, mixado ao mito do heroísmo com propósito.

Dito isto, vamos a nossa opinião:

Há um pequeno erro conceitual no texto. Ele remete a posição paranoica e classista da elite paulistana e comercial de SP e de outros estados, e dos “bondes” (no RJ) e “rolezinhos”(em SP). Tivemos caso semelhante em um shopping em Vitória, ES, com repercussão parecida: de um lado a paranoia, de outro a sociologização do tema.

Até aí tudo bem. Mas a reação não se dirige a enfrentar legiões de consumidores que optaram por expressar sua adesão ao consumo de forma de forma heterodoxa.

A reação é bem mais complexa, e pode ser que nem todos os atores estejam cientes disto, até porque parecem que todos reproduzem gestos e reações típicas que nos iludem a acreditar que tudo passa por um contexto economicista-sociológico.

Não há, ou pelo menos não há pesquisa e estudo que comprove esta tese, que os “truta e as mina” de SP estejam a reivindicar apenas o direito de subverter a pequena ordem privada capitalista que está confinada nos espaços-templo de consumo e seu entorno.

Ou que estejam inconscientemente escolhendo ocupar shoppings ao invés de reivindicar bibliotecas, parques e outras facilidades públicas de lazer e cultura. Não é só isto, embora estes sejam componentes plausíveis.

É mais que isto.

É o direito à cidade que está sendo reivindicado, ainda que de forma caótica, e manifestada com a linguagem simbólica de violência para quem só teve este tipo de interlocução com as formas simbólicas E REAIS de violência da cidade sobre si mesmos, e que podem ser geograficamente, fisicamente demonstradas.

O que estes jovens estão à dizer é: “nenhum espaço está à salvo, todos os lugares nos pertencem”.

Mas por que estas manifestações se dirigem especificamente a shoppings e não há outros espaços de alto consumo ou de convivência da elite, como restaurantes, ruas como Oscar Freire, etc?

Porque os shoppings centers são, justamente, os espaços privados que tomam a cidade (privatizam) sob a fantasia de se constituírem em locais de civilidade pública possível, ou seja, a do consumo.

Esta é a falácia (da sociabilidade higienizada pelo consumo) que devora enormes faixas das cidades e seus recursos (água, áreas verdes, etc), complicações do ir e vir, segurança, etc.

Neste sentido, na minha modesta opinião, o texto erra ao identificar nestes jovens uma tendência a querer manifestar sua forma de entendimento da inclusão pelo consumo.

Não…é o contrário: a invasão destes espaços é um grito, ainda que alienado e sem noção ideológica de si mesmo, de enfrentamento do consumo como única possibilidade de sociabilidade possível.

É precioso o momento. É preciso entendê-lo.

Eles querem estar ali “por estar”, ainda que de forma ruidosa. Mas na cidade dos shoppings e dos ricos contra os pobres, ninguém pode estar em nenhum lugar apenas por estar.

Tudo tem que ter um motivo e um objetivo, sempre dentro da lógica econômica.

Hoje, a cidade nos “despertence”.

(publicado originalmente no blog do Nassif, republicado aqui com alterações)

Mário SF Alves

Sobre o “rolezinho”.

É típico. É nosso. Tupiniquim até a medula. Um desafio para as cabeças coroadas de toda ordem e gênero, de esquerda e de direita.

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Veja só. E é nisso que dá. A garotada vem a décadas e décadas sendo bombardeada pela mídia num processo alucinado e alucinante de indução ao consumo.

De repente, assim, do nada, da noite para o dia, surgem os shoppings. Brotam como cogumelos. Magníficos. Verdadeiros templos de consumo.

E não demora muito, aquilo que era pra ser apenas população de guetos vai se aproximando. Aos poucos a periferia urbana, de início arredia, vai se familiarizando. Aos poucos vai entendendo os meandros, as artimanhas e a cultura reinante na coisa magnífica.

E não demora muito começa-se a entender que está ali, diante dos olhos, o exemplo vivo de tudo o que lhe fora verdadeira e indiscutivelmente ensinado.

Estava ali a materialização e exemplo vivo da única escola verdadeiramente plural a que tivera acesso.

Intuição e realidade misturam-se, avassaladora e deslumbradamente. Aos poucos moem-se as consciências. Moem-se tanto e tanto até que um dia que o que era apenas intuição revela-se em aparentemente insuperável e doída contradição. Percebe-se claramente que o direito de estar ali é também seu e que contraditoriamente também não é seu.

E é justamente aí que a coisa pega!

E pega tanto e tanto que a contradição se dialetiza. Surge a síntese. Fenomenal. É a invenção do rolezinho. Com ele se põe à vista de todos mais um pouquinho de tudo aquilo que o apartheid social no Brasil produziu.

Creio que o rolezinho seja isso: um fenômeno social. Algo nosso. Só nosso. Um produto genuinamente nacional. Um produto do sui generis. Um produto do captalismo subdesenvolvimentista naZional. Um produto do regime Casa-Grande-Brasil-Eterna-Senzala.

O rolezinho, enfim, já devidamente enquadrado, medido, pesado e rotulado, mostra a gana, a valentia e a cultura de um povo injusta e injustificavelmente condenado ao gueto; e mostra, sobretudo, aquilo que a vida vivida à margem e sob condicionamento ideológico do consumismo midiático permite mostrar.

Luís Carlos

Interessante a biblioteca atrás do entrevistado. Entre títulos de Marx, Max Webber (Economia e Sociedade), Gramsci (Cadernos do Cárcere) e Engels (A Origem da Família, Propriedade Privada e do Estado, edição um tanto antiga), seria possível esperar entendimento um tanto diferente dele. Talvez o relativismo do fim da entrevista aponte motivos para. Levi-Strauss e o estrutruturalismo fazem falta à antropologia.

    Luís Carlos

    Disse: aponte motivos para esse entendimento. Levi-Strauss e o estruturalismo fazem falta à antropologia.

FrancoAtirador

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Trechos da entrevista concedida pelo antropólogo e pesquisador Alexandre Barbosa Pereira à escritora, repórter e documentarista Eliane Brum, no El País Brasil:

Os rolezinhos não parecem ter uma pauta tão clara,
mas também estão, ainda que indiretamente, dizendo:
“Vocês não disseram que era bom consumir?
Pois bem, nós também queremos!”

O que me assustou de verdade nessa história toda foram as reações, de mídia e de polícia, condenando e mandando prender, mesmo em casos em que disseram que não houve arrastões, mas correrias.
Fico questionando quem provocou a correria: os jovens ou a ação dos seguranças e da polícia?

Eventos como estes revelam também uma faceta complicada e extremamente preconceituosa da classe média brasileira.

Dei uma entrevista curta para o site de um grande grupo de comunicação e fiquei assustado ao ler os comentários dos leitores, de um ódio terrível contras os meninos e meninas que foram aos shoppings, contra os pobres, contra mim, que tive uma fala dissonante na entrevista, ressaltando a forma preconceituosa com que tal tema vinha sendo tratado.
Ao falarem do evento, algumas palavras utilizadas como categorias de acusação contra os jovens e as jovens foram bastante reveladoras do preconceito, e mesmo do racismo, deste segmento social: “favelados”, “maloqueiros”, “bandidos”, “prostitutas” e “negros”.
Nesse último caso, inclusive, fica evidente o racismo que aparece em muitos comentários dessa notícia, mas também nas comunidades dos rolezinhos que os jovens criaram nas redes sociais.
Um dos comentários pede para que os jovens voltem para a África.
Isso é muito grave.
Revela esse profundo racismo entranhado em parcela considerável da população.
Como se tal sociedade dissesse, por meio dos representantes dos shoppings, da mídia e da polícia, brincando um pouco com a questão das manifestações de junho:
“Vocês, pobres, podem consumir, mas ir ao shopping em grandes grupos, só para zoar e cantar funk, aí já é vandalismo”.

A questão do consumo também me parece problemática.
O desejo pelo consumo sempre existiu.
Bem antes do governo Lula, o processo de urbanização induz a esse apego maior ao consumo.
Porém, não dá para se negar que houve, nos últimos anos, também uma melhora econômica para segmentos que antes estavam bastante afastados do mercado.
Porém, acho que reduzir o sucesso do funk da ostentação a isso é simplificar demais o movimento e esquecer que ocorreram e ocorrem movimentos juvenis parecidos em outras partes do mundo, como o próprio ‘gangsta rap’ (http://pt.wikipedia.org/wiki/Gangsta_rap), nos Estados Unidos, no qual os videoclipes se inspiram.

Devemos questionar não a ação dos meninos, mas as relações sociais fomentadas na contemporaneidade.
É preciso conceder aos jovens, e não apenas aos pobres, mas aos de classe média e alta também, outros espaços de reconhecimento e de estabelecimento de relações sociais que não sejam pautados pela afirmação por meio da posse e do consumo de bens.
Porque, afinal, como dizem os Racionais, mais uma vez:
“Quem não quer brilhar, quem não? Mostra quem.
Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém”.
De repente, para alguns, ter um tênis caro, um smartphone de última geração ou ir ao shopping para zoar, pode ser uma forma encontrada para tentar brilhar.

O importante é entender como o crime e o consumo são pautas constantes nas relações de sociabilidade dos jovens da periferia.
Os mais pobres também querem que ipads, iphones e automóveis potentes façam parte de seu mundo social.
Ainda preciso observar e refletir mais sobre isso, mas acho que tanto no caso do crime, como no do consumo temos que atentar mais para o modo como se dão as relações entre pessoas e coisas.
Fico pensando que a busca de realização apenas pelo consumo envolve sentimentos e posturas extremas de um egoísmo hedonista e de um profundo desprezo pelos outros humanos.

As mercadorias, ou as coisas almejadas, de certa forma têm conformado as subjetividades contemporâneas.
E nessas novas subjetividades, pautadas pelo instantâneo e o instável, parece não haver muito espaço para a solidariedade.
Há uma nova tendência na discussão antropológica afirmando que não podemos entender as coisas apenas como representação ou resultado do social.
Precisamos pensar também em como as coisas fazem as pessoas e mesmo o social, como as coisas, ou as mercadorias mais desejadas hoje, motivam tanto um consumismo desenfreado, irracional e egoísta, quanto o ingresso de jovens na criminalidade.
Sempre fico espantado quando vejo as imagens, em outros países, das pessoas correndo desesperadas para comprar um novo lançamento de smartphone, videogame ou tablet.
Mas não só isso, tais coisas também motivam e determinam formas de estar, pensar, relacionar-se e sentir no mundo contemporâneo.

Penso muito nisso quando parte da classe média critica o consumo desses jovens, dizendo que apenas eles – da classe média que, supostamente, pagaria os impostos – têm direito a consumir, ou se relacionar com certos produtos.
Será que, desse modo, a classe média entende que os jovens estão roubando o direito exclusivo de eles consumirem ou de se relacionarem com esses objetos de prestígio?
Direito que, por sua vez, vinha sendo roubado desses jovens pobres há muito tempo?
Essa crítica pode vir inclusive de certa classe média mais intelectualizada e mesmo com ideias políticas progressistas, mas que acha que sabe o que é melhor para os pobres.
Aí fazem a crítica, a partir dos seus ipads e iphones, ao que entendem como um consumo irracional dos mais pobres, que deveriam poupar ao invés de gastar com produtos que não seriam para o nível econômico deles.
Enfim, tem aí um jogo de perde e ganha e também de busca de satisfações individuais que envolve o roubo do direito de alguns ao consumo, que é preciso aprofundar para entendermos melhor essas dinâmicas contemporâneas.

Todos têm o direito a consumir o que quiserem hoje?
E seria viável, hoje, todos consumirem em um alto padrão?
Que implicações ambientais teríamos?
E se não é sustentável ou viável que todos consumam em tamanha intensidade, por que incentivamos tal consumismo?

Com isso, o que quero dizer é que não se pode pensar a relação entre crime e consumo apenas entre os pobres, mas creio que precisamos também olhar para as classes médias e altas e para os crimes que, historicamente, têm sido cometidos contra os mais pobres e o meio ambiente para proteger o consumo dos ricos.

Íntegra em:

(http://brasil.elpais.com/brasil/2013/12/23/opinion/1387799473_348730.html)
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    FrancoAtirador

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    Adivinhem qual terá sido o “site de um grande grupo de comunicação”

    ao qual o professor Alexandre Pereira concedeu uma “curta entrevista”

    e ficou perplexo e “assustado ao ler os comentários dos leitores”:

    (http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/12/rolezinhos-em-shoppings-sao-grito-por-lazer-e-consumo-dizem-funkeiros.html)

    FrancoAtirador

    .
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    “Depois que cortaram os rabos e aprenderam a falar,
    agora querem passear nos shoppings?
    Bando de macacos imprestáveis,
    bons tempos em que a polícia batia com vontade
    nesse tipo de ‘gente’. FUNKEIRO BOM, É FUNKEIRO MORTO!!!!!”

    Cara, isso é crime inafiançável e imprescritível!!!

    Ninguém vai denunciar?!?

    Eu já registrei denúncia no Safernet,
    por ‘Racismo’ e ‘Apologia e Incitação a crimes contra a Vida’.

    Faça sua parte:

    (http://www.safernet.org.br/site/denunciar)
    .
    .

J Souza

É estranho querer se tornar aquilo de que não se gosta…
Se tornar-se, será diferente e deixará de gostar do que se tornou?
Ou tornar-se-á igual e deixará de gostar de si mesmo?

Francisco

Pior (para a burguesia) será quando esse pessoal todo terminar de cursar os cursos universitários e tecnicos do Brasil de Lula.

Vão entrar nos shoppings e restaurantes com o talão de cheque na mão.

E ai? O amor ao dinheiro será maior que o ódio à senzala?

Joca de Ipanema

Brilhante! Mais um intelectual alienado na teoria. O fim de seus comentários é desconcertante. De tanto ver os outros consumirem produtos de griffe e caros, eles, os desassistidos da periferias, vão querer também consumir esses produtos. Tá bom, vou juntar uma turma para fazer um rolezinho no showroom da Ferrari.

    Fabio Passos

    Bem vindo a sociedade de consumo e a modernização conservadora.
    Não é pouco. Imagine que ainda há imbecis preconceituosos, adestrados pelo PiG, tão reacionários, que nem isso aceitam. rsrs

Fabio Passos

A periferia vai ao shopping… e a “elite” branca e rica espuma de ódio.
Tá cheio de racista e preconceituoso criticando os rolezinhos.

Os privilegiados não se conformam com a ascensão social da massa trabalhadora.
Azar o deles!

    Joca de Ipanema

    A massa trabalhadora não faz rolezinho. Os pobres e marginalizados não devem ser desassistidos, e é o que tem-se tentado nesses últimos governos populares. Na medida do possível. A revolta é justa? É. Mas é também muita incompreensão. Não sabem que com atitudes assim, que sempre são surfadas por interesses políticos inconfessáveis, podem ajudar trazer de volta os governos que sempre os desprezaram. E com eles no poder, já sabem, se sair fora da linha, é na porrada.

    Fabio Passos

    Como assim? Quem faz rolezinho então? Grã-fino? rsrs
    O preconceito da classe média te pegou…

    Mário SF Alves

    “…E com eles no poder, já sabem, se sair fora da linha, é na porrada.”

    ____________________________
    Vamos pegar por aí. Com eles, quem?

    Joca de Ipanema

    Eles Mário, é a elite preconceituosa e racista. São os pescadores de águas turvas. Não são definitivamente os do governo atual. E não insinue que eu estou entre os que apoiam a repressão. E nem sou também bacana da zona sul. Moro onde sempre morei. Com relação aos roles, sou sim privilegiado, como você e quase todos que aqui escrevem.

    Mário SF Alves

    Entendi, Joca.

    De fato, pensei que talvez fosse oportuno ir um pouco adiante nessa questão. Mas, está bem assim. Grato.

    Att.,
    Mário.

Lukas

Enquanto os rolezinhos estiverem restritos a São Paulo e constrangerem apenas o governo paulista, texto sociologicamente corretos como este aparecerão na blogosfera. A partir do momento que o problema se alastrar por outros estados e virar responsabilidade do governo federal, as acusações da manipulação por parte da mídia, tucanos e etc. surgirão. Ainda mais em ano eleitoral.

    Bonifa

    A partir de quê, a partir de quando? Você sabe? E o que mesmo significa “sociologicamente correto”, no seu vocabulário? E quando aparecerem os tais fenômenos em outros estados, o que na verdade já aconteceu muitas vezes, os tais textos “sociologicamente corretos” não vão mais ser publicados neste blog? Você está confundindo isto aqui com o Reinaldo? Ou em qualquer outro da blogosfera? Vão ser substituídos por ódio gratuito aos pobres tucanos? Se você quer confundir, vá se aperfeiçoar. Está engatinhando.

    lukas

    Vai ter rolezinho na Copa?

    Luís Carlos

    É o que Marina, Veja e tucanada desesperada quer. Porém essa turma não quer rolezinho, quer classe média na rua dizendo ” enfia os R$ 0,20 no SUS”, não quer periferia na rua ou shoppings “atrapalhando” passeio deles, só a Copa.

tiao

Ele foi ontem ao jornal da Gazeta e deixou a tucana Maria Lidia meio desnorteada.Falou exatamente sobre este tema.Muito bom!!!

nelton

A nova versão do “nós vamos invadir sua praia”.
O que mais teme a burguesada que ocupa os halls dos shoppings é a “gente feia” da periferia, calçando tênis adidas, nike, mizuno, etc, todos na faixa dos R$ 1000, e vestindo suas indumentárias espalhafatosas.
Personagens comuns na periferia e que via de regra servem pro achincalhe dos escroques como o Caco Antibes que tão amplamente inundam as redes sociais.
Esse pessoal quer visibilidade, incomodar mesmo, ocupar cada um o seu espaço.

Felipe

Perfeita análise sobre os rolezinhos. Muito boa a do Flash Mob, com certeza seria isso se fossem jovens brancos de classe média ou alta. Ontem na GloboNews era patética a tentiva de explicarem o ocorrido, que não tem nada de sobrenatural. Tentaram até politizar o tema. Lamentável. Agora virou moda rico fingindo que se importa com a periferia. Falar é fácil, quero ver alguém ter iniciativa de ir até a periferia colaborar de alguma forma.

Luiz Fernando

As pessoas pobres, os marginalizados e aqueles destituídos de igualdade são tão humanos quanto qualquer um e são vítimas da cultura e dos valores que são amplamente divulgados pelos meios de comunicação que valorizam os consumidores, ou seja, valorizam aqueles que possuem a capacidade de ir nos lugares e consumir aquilo vendido. Sendo iguais em desejos e ambição, os consumidores falhos bombardeados pelas propagandas feitas nos meios de comunicação não se vêem fazendo outra coisa, do que reivindicando o direito de ir aonde querem ir.

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