Adilson Filho: Um clima de insanidade geral

Tempo de leitura: 3 min

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por Adilson Filho

Que boa parte da classe média se tornou reacionária nos últimos anos acredito que, a essa altura, ninguém mais discorde. Mas quando Paulo Freire, um dos educadores mais importantes da nossa história, é esculhambado nas ruas, acho que a coisa precisa ser investigada com mais profundidade.

Acho que se aquelas pessoas soubessem quem foi esse homem, a dimensão de sua pedagogia, a importância de suas ideias para a educação brasileira — naquilo que talvez seus próprios filhos hoje estejam se beneficiando para no futuro não repetir gestos lamentáveis como esses — jamais fariam isso.

Um fato como esse é muito preocupante, pois sinaliza (ainda que simbolicamente) para aniquilação do último bastião do maior dos valores civilizatórios, creio eu, que podem redimir essa nação: a educação crítica e humanista, proposta por Freire.

Nesse sentido, eu acho que se quisermos compreender com mais clareza o que está acontecendo com a nossa sociedade, acredito ser fundamental, nesse momento, recorrer a um velho clássico da Sociologia brasileira: “Casa Grande & Senzala”, do também pernambucano Gilberto Freyre.

Certamente encontraremos ali boas explicações sobre como construímos a nossa socialização, como olhamos e subjugamos os negros, os desfavorecidos sociais, ao mesmo tempo em que conseguímos, com criatividade ímpar, estabelecer uma maneira de nos relacionar baseada numa ‘cordialidade’ completamente falsa.

Um tipo de socialização na base do “tamo junto e misturado” que, jamais teve o sentido de inclusão, mas sim de diluir eventuais conflitos que poderiam emergir da violência absurda que se escondia nessas relações.

A partir da última década, um “pequeno” arranhão foi dado na estrutura social — mesmo sem alterar as suas bases — e isso já foi motivo para enorme desconforto e instabilidade. Dividir aeroporto ou filas de exposição no MAM com o porteiro, ver a empregada doméstica se empoderando em seus direitos trabalhistas, o gari se organizando e deixando de recolher o lixo, tudo isso é algo muito novo, totalmente inusitado que deu um sacolejo nessas relações baseadas no mandonismo, no tapinha nas costas e alegria geral — “o pobre é muito gente boa, divertido pra caramba, a gente se dá muito bem; eu, uma pessoa muito caridosa, inclusive ajudo a sua filha com material escolar todos os anos, desde que ela fique lá, e não venha querer dividir agora a universidade com os meus filhos, aí já é demais”.

Ainda assim, o nosso caso é tão complexo, tão singular, que analisar o que está acontecendo só observando a estrutura é pouco. E é aí que entra o segundo fator, acredito, decisivo: A influência nefasta e corrosiva da mídia hegemônica com seus valores e métodos de persuasão.

Durante quase uma década os principais veículos de comunicação se encarregaram de pegar o cidadão já assustado com essa “pequena revolução” e entupir-lhes as veias, artérias e até a sua alma de programas de péssima qualidade, bastante violência (que vai de um tapa no Big Brother até a forma como falam da inflação do tomate) e um pensamento único ultra-liberal, sempre o mais superficial possível, baseado em muita desinformação.

O resultado disso é o medo, o pânico, a confusão ideológica, tudo isso que foi penetrando em sua subjetividade até chegar a esse assustador estado de desespero que temos testemunhado por aí.

E não menosprezemos o que está acontecendo. Há um clima de insanidade geral tomando conta da nação. São pessoas agredindo as outras de todas as maneiras, gente chorando em videos, pedindo socorro aos militares, gente escrevendo carta pra embaixada americana intervir em nosso país, batendo panela e xingando palavrões sexistas ao lado dos filhos, tem relatos de mordida nas ruas, gente surtando em posto de gasolina, etc. Há muito sofrimento envolvido, as pessoas não estão teatralizando, essa dor existe, é da alma, é coletiva; talvez até sejam gritos de dor que carregam o peso da ancestralidade, a nossa história triste de dominação – um pouco do sofrimento e da morte dos índios, da escravidão do negro, das torturas, todos esses ‘demônios’ voltando agora e explodindo no inconsciente coletivo de uma parcela da população.

Enfim, vale a pena voltar a “Casa Grande & Senzala”. Um clássico obrigatório da nossa Sociologia e que certamente ajudará numa compreensão maior sobre o atual momento brasileiro que, mais a frente, quando tudo isso passar ( e vai passar) será também objeto de estudo, assim como são hoje essas outras páginas infelizes da nossa História.

Prefiro olhar pra esses gritos e ver neles a certeza de que o nosso corpo social está se renovando. O futuro do país finalmente começou a ser construído de uma outra maneira; alguns vícios ainda persistem e vamos combatê-los com pressão nas ruas pelas mudanças necessárias; mas com todos os problemas que ainda temos, essa reação de parte da sociedade sinaliza que estamos no caminho certo. Acho isso que nos dá força pra seguir.

Leia também:

Caio Castor: Protesto contra Dilma na Paulista foi muito além da classe média


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Comentários

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FrancoAtirador

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Por trás da Insanidade da Manada de Muares
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há muita Premeditação, Organização e Logística
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dos Articuladores desse Movimento Fascista:
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Gene Sharp explica claramente o que significa
a expressão “sangrar até a última gota de sangue”,
utilizada pelo Senador do PSDB Aloysio300Mil:
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“Não é exatamente derrubar o governo, mas drenar
de tal forma a confiança e o apoio do governante
que ele não tenha mais a quê poder renunciar.
Que sua queda seja natural…”
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(http://abre.ai/psdb-quer-sangrar_dilma)
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antonio bezerra

Como sao ingratos!menos prezar paulo freire!

Marcos

Excelente texto do Adilson e os 3 comentários acima.
A saída para o Governo está à esquerda,ponto.
Combater a mais valia,valorizar o trabalho e atuar na superestrutura ,na hegemonia no campo das ideias e cultura.
Chega de governar por administração,isso aqui é uma Guerra !É Política !

Eunice

O esgoto da Paulista se abriu.

Lukas

A insanidade é só daqueles que divergem do articulista.

Morvan

Boa tarde.

Publico, por ocasião deste texto, o qual teve o mesmo estalo que pareço ter tido, com relação ao grande educador Paulo Freire. Observe-se que, no blogue do Tio Hari, via de regra, utilizamos linguagem jocosamente cifrada para falarmos de coisas bem sérias:

Vi muita coisa no mínimo esdrúxulas, nestas faixas, hariovaldian@s, mão podemos esquecer aquela faixa ‘felicíssima’, que diz “Basta de Paulo Freire“. Minha dúvida se quem exibe tal faixa, onde se lê, igualmente: “Chega de Doutrinação Marxista“, saiba exatamente:
Quem foi, de fato, Paulo Freire;
que este fora cassado pelos algozes, por sua visão libertária;
o que é o “Método Paulo Freire”. Talvez, a partir daí, tenha uma visão mais clara da sua cassação.
Bom, talvez eles não saibam. Quem ‘idealizou’ a faixa, sabe…“

Saudações “Dilma, Vamos De Coração Valente; Enfrentar Os Golpistas E Defender A Petrobrás“,
Morvan, Usuário GNU-Linux #433640. Seja Legal; seja Livre. Use GNU-Linux.

    Nanopico

    Admirador de Kernell’s, de onde saiu a massa sueca que protestou em Salvador?

    Morvan

    Bom dia.

    Nanopico (16/03/2015 – 19:16):

    Admirador de Kernell’s, de onde saiu a massa sueca que protestou em Salvador?

    Caro Nanopico, quem pode nos dar uma luz, mesmo sem ser da COELCe, é a CIA das Indústrias. De qualquer modo, importação de ‘coscignas’ é inédito, acho.

    Saudações “Dilma, Vamos De Coração Valente; Enfrentar Os Golpistas E Defender A Petrobrás“,
    Morvan, Usuário GNU-Linux #433640. Seja Legal; seja Livre. Use GNU-Linux.

Bacellar

Peguem a publicidade, da campanha mais sofisticada ao bannerzinho de rodapé de site; individualismo, individualismo e individualismo. 20 milhões de indivíduos individualistas faz de SP esse troço que é hoje.

Olhem para o netflix… A coisa é selecionada a dedo. Histórias de superação individual, desmoralização da política, naturalização da lei do mais forte e da suposta implacabilidade da natureza.

Se a escola não politiza, a família não politiza e a comunidade não politiza, a mídia hegemônica assume o vácuo.

Com um olhar crítico na entrelinha fica nítido como atualmente uma enorme parte da produção róliúdiana tem como mensagem central idéias fascistas.

    Nanopico

    Bacellar de forma implacável, contínua – 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano -, onde a vida humana e valores éticos pouco valem, que resultado dá? Me refiro aos filmes de produção roliúdiana.

    É exatamente o que você fala. Na guerra do Vietnam os americanos utilizavam a expressão “aldeia pacificada”, para designar locais que não lhes eram ostis. Parece que nosso país está pacificado…não é necessário uma intervenção militar para conseguir se apropriar de nossas riquezas.

    Especialmente o petróleo!

FrancoAtirador

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20 Anos tomando a “SOMA”
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de Olavo e Reinaldo na Veia.
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Hora de reler Aldous Huxley.
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