Paulo Kliass: O fracasso do governo Dilma nas políticas de comunicações

Tempo de leitura: 5 min

Colunistas| 14/03/2013 | Copyleft

Recuos nas políticas públicas de comunicações

Se ocorreu alguma diferença com o governo Dilma na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações. Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao mundo empresarial.

Paulo Kliass, na Carta Maior

Passados mais de 10 anos de uma grande expectativa criada quanto a mudanças efetivas na condução da política e da economia em nosso país, algumas áreas de foco de ação governamental são mais evidentes por não apresentarem as transformações necessárias e esperadas.

Dentre elas, o setor de comunicações talvez seja um dos que mais concentram as energias da frustração e da desesperança.

Parcela significativa das matérias sob jurisdição do Ministério das Comunicações é composta de temas e processos associados ao conceito de “bens e serviços públicos”, a serem explorados diretamente pelo Estado ou transferidos, sob a forma de concessão, ao setor privado.

As emissoras de rádio e televisão só podem funcionar se obtiverem a autorização oficial do Estado brasileiro para fazê-lo. As empresas de telefonia também operam uma modalidade específica de serviço público e só podem funcionar se forem portadoras de concessão para esse fim. A operação dos serviços de internet e banda larga também exigem autorização, regulamentação e fiscalização da administração pública federal.

Perspectiva de mudanças e frustração

Para quem imaginava que 2003 significaria um momento de reversão da tendência anterior de consolidação das práticas neoliberais no setor, os anos que se seguiram foram bastante desanimadores. A partir de meados do primeiro mandato de Lula, a opção política foi feita e o recado foi transmitido com todas as cores, para que não pairassem dúvidas a respeito da verdadeira intenção política do governo dirigido pelo Partido dos Trabalhadores.

Assim como a condução da política econômica foi entregue ao ex presidente internacional do Bank of Boston, a política de comunicações foi entregue a um fiel servidor dos interesses das Organizações Globo e das grandes corporações do setor.

Depois da nomeação de Henrique Meirelles para a Presidência do Banco Central em 2003, Lula nomeia o Senador Helio Costa para o Ministério das Comunicações em 2005. Enquanto o império de Meirelles durou os exatos 8 anos dos dois mandatos de Lula, Helio Costa ficou “apenas” 5 anos no cargo.

Se ocorreu alguma diferença com a chegada da presidenta Dilma na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica com tinturas heterodoxas, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações.

Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao atendimento dos pleitos do mundo empresarial. A nomeação de Paulo Bernardo para o Ministério antes ocupado por Helio Costa não significou nenhuma mudança expressiva em relação à estratégia anterior para o setor.

Telefonia e internet: empresas intocáveis

A agenda da telefonia não representou grandes avanços em termos de melhoria da qualidade dos serviços ou de redução das tarifas elevadas, mesmo para padrões de comparação internacional. As autorizações concedidas para a fusão das grandes empresas do setor não foi revertida.

Muito pelo contrário, houve a continuidade dos níveis de concentração e centralização entre os conglomerados que operavam a telefonia convencional e a telefonia celular. A configuração de práticas de oligopólio não recebeu tratamento mais efetivo por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e tampouco do Ministério.

Para se ter uma ideia, as empresas de telefonia fixa e celular sempre estiveram impunemente à frente do desrespeito às regras e direitos dos usuários. Confirmando a tradição, foram as campeãs de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor em 2012, registrando o dobro das notificações de bancos ou cartões de crédito. No quesito da reivindicação histórica pela revogação da assinatura básica, tampouco o governo se movimentou para viabilizar a aprovação de algum dentre os Projetos de Lei que tramitam no interior do Congresso Nacional há vários anos sobre o tema.

Os processos envolvendo a ampliação e o aprofundamento da inclusão digital também foram sendo tocados a um ritmo bastante abaixo do desejável. A conivência dos órgãos reguladores com o desleixo a que os usuários dos sistemas de acesso à internet são tratados pelas empresas do setor chega a ser escandalosa.

Um dos exemplos mais gritantes é o direito assistido às empresas para que não cumpram nem mesmo o contratado quanto à velocidade e capacidade de transmissão na rede de banda larga. Por outro lado, pouco se exige em termos de contrapartida das empresas operadoras, no sentido de ampliar a rede de acesso à internet e tornar o sinal acessível em municípios e localidades distantes dos centros urbanos mais adensados.

Já se foram mais de dez anos e o potencial de uso do estoque de fibra ótica da Telebrás permaneceu inutilizado. Isso porque o governo federal tinha condições jurídicas de fazer valer sua condição de acionista majoritário para ampliar a rede física por todo o território nacional. Mas a opção foi pela postura passiva da espera e de não contrariar os interesses dos grandes grupos privados atuantes no setor.

Como a maioria dos grupos privatizados pertence a conglomerados americanos e europeus, as diretrizes empresariais determinam a redução drástica de recursos aplicados em reinvestimentos e o aumento da remessa de lucros para ajudar as matrizes a resolveram a falta de perspectiva pela crise internacional. E os órgãos reguladores do Estado brasileiro assistem calados a tal movimento, que na prática tem o sentido de um lento e silencioso sucateamento desse novo e estratégico setor da economia.

Lei do Marco Regulatório: recuo patético

A outra área de comunicações, também essencial para um governo que se pretenda transformador, não está exatamente sob o domínio de Paulo Bernardo. Trata-se das decisões do Estado relativas à sua própria política e estrutura de comunicação.

Essa vasta agenda inclui temas tão diversos e essenciais quanto: i) as emissoras públicas de rádio e TV; ii) a descentralização e a democratização das vultosas despesas com publicidade do governo e das empresas estatais; iii) a proibição de formação de conglomerados típicos das oligarquias, cruzando imprensa escrita, falada e televisionada; iv) a responsabilização por abusos de poder, seja na área política, econômico-financeira ou outras; entre tantos assuntos similares.

A sensibilidade e a importância da matéria remetem à necessidade da Casa Civil, junto com a Presidenta, se envolver diretamente com a matéria. A Ministra Gleisi Hoffmann, esposa de Paulo Bernardo, não pareceu se entusiasmar muito com o projeto elaborado ainda na gestão de Franklin Martins.

Tampouco a atual titular da Secretaria de Comunicação, Helena Chagas, deu mostras de batalhar pela aprovação do novo marco regulador da imprensa e das comunicações em geral. O resultado foi a declaração patética, onde a equipe governamental oficialmente joga a toalha e lava as mãos: não mais se compromete com a regulamentação do setor

Em sentido inverso ao processo levado a cabo na Argentina, Uruguai, Equador e Venezuela, o governo brasileiro resolveu recuar e não mais se envolver com o projeto em tramitação no Congresso Nacional. Pressionada pelos grandes grupos empresariais do amplo setor de comunicação, Dilma voltou atrás na estratégia ainda definida no governo Lula e deixou essa área estratégica da economia e da sociedade sem qualquer tipo de controle ou regulamentação.

Em nome da hipocrisia da defesa da “liberdade de imprensa e de opinião”, os empresários recusam qualquer tipo de normativa ou ação do poder público para coibir abusos e para fazer valer a vontade da maioria da população.

Na União Européia, vários países dispõem de instrumentos para viabilizar esse tipo de ação regulamentadora. Ao contrário da acusação irresponsável de “lei da mordaça”, trata-se de mecanismo de defesa da democracia da sociedade contra os abusos do chamado “quarto poder”.

Estão aí inúmeros exemplos como o de Rupert Murdoch na Inglaterra, onde fica evidente a necessidade da ação do poder público. O caso do “News of the World” e os excessos cometidos só reforçam a justeza dos dispositivos da Lei de Meios, por impedir a centralização do poder econômico em diversos segmentos das comunicações.

Infelizmente, o receio de avançar pelo caminho da transformação social mais efetiva é marca também do setor de comunicações. Não bastassem os recuos em termos de aspectos da política econômica, na questão agrária, na questão ambiental, nas benesses concedidas aos conglomerados da infraestrutura, entre outros, o governo perde mais uma oportunidade de se legitimar junto a amplos setores da sociedade.

Para isso, bastaria se empenhar pela aprovação do Projeto de Lei no Congresso Nacional, como faz sistematicamente com outros textos de seu interesse.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Leia também:

Jorge Viana aponta contradições nos ataques do PSDB à Petrobras


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Lenine Braga

Fora Dilma. Volta, Lula!

Bernardo dá R$ 6 bi de isenção à teles, apesar de lucrarem como bancos « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Paulo Kliass: O fracasso do governo Dilma nas políticas de comunicações […]

José Ricardo Romero

Devemos reagir de forma forte contra aqueles que tentam, como o Sr. Matos, calar aqueles que criticam o PT e o governo. O articulista tem sim razão em tudo o que disse e disse pouco. Têm muito mais críticas a serem levantadas e todos têm o direito de se recusar a enfiar a cabeça no chão como fazem os avestruzes. Por exêmplo: o PT fez um carnaval dizendo que iria recolher assinaturas para entrar com uma lei das comunicações no congresso. Onde está? Onde assino? O Lula se jactou que iria sair às ruas em fevereiro para percorrer o Brasil. De que ano? Porque até agora nada! É só encenação, enganação, jogo para a platéia. O argumento, único digno de um mínimo de consideração, de que o congresso está nas mãos do PMDB e que a maioria dos congressistas têm interesses midiáticos, fica prejudicado pelo namoro ostensivo do Lula, da Dilma e do PT com o mesmo PMDB. Porque não tentar aumentar a bancada e ganhar musculatura própria ao invez de ficar bajulando esses políticos fisiológicos do PMDB, que só jogam a favor de seus interesses particulares e contra o Brasil, contra o povo?

Alice N. Arantes (ENSA)

“As emissoras de rádio e televisão só podem funcionar se obtiverem a autorização oficial do Estado brasileiro para fazê-lo”, e a cada dia mais os cidadãos brasileiros se perguntam, onde está a liberdade de expressão? A verdade é que estamos vivendo em um país onde estamos sendo cada vez mais controlados pelo poder do Estado. Foi nomeado um novo senador para o Minitério das Comunicações, mas nós não vemos nehuma mudança favorável para o setor. As empresas de Comunicação via celular deveriam melhorar seus serviços, pois é direito do consumidor ter acesso a esse tipo de comunicação.

Arlene

Quero novas! O PT conseguiu o governo, mas não o PODER. Vergonhoso.

Félix Gomes da Silva

Muito bem Marcelo Matos, com poucos palavras vc disse tudo sobre o Sr. Kliass.É um discurso pífio e inconsistente. Dá até pra advinhar o perfil desse fulano: é daqueles que só joga bosta na Geni. O Azenha deveria barra-lo. É simplesmente criticar o PT, sim.

Urbano

Uma coisa é criar meios para incentivar empresários sérios e decentes a desenvolverem mais e melhores serviços e produtos. Uma outra coisa é fornecer base para bandidos enganarem, da forma mais vil, o país e o povo brasileiro. Um caso bem típico, até como exemplo, é uma determinada entidade brasileira a financiar alguns tubarões vorazes. E no tocante ao setor de comunicação, aí o bicho pega. Só nos senões de serviços, escoam-se pelo ralo bilhões e bilhões de reais, em sua maior parte expatriados.

Marcelo de Matos

O senhor Kliass não palpita só na área de comunicações. O homem é eclético e bota a boca no trombone em todas as áreas:
http://www.advivo.com.br/categoria/autor/paulo-kliass Apresenta-se como especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, mas, tem se dedicado apenas a criticar os governos petistas. Suas críticas, porém, são genéricas e superficiais. Lendo tudinho a gente não entende onde está o erro do governo.

    assalariado.

    Caro Marcelo de Matos, fui até o link por você sugerido e, muito espanta sua falta de consciência autocritica, quanto aos descaminhos sobre politicas de comunicação do governo da governabilidade. Sua critica aos artigos do Sr. Kliass não foi nada além do que desqualificar o oponente, sem se preocupar em mostrar as “criticas superficiais”, a qual tu escreves.

    Você já escreveu muitos comentários, mais, e melhores, analisados sem se deixar levar pela paixão de uma sigla partidária e, na governabilidade de um governo, amarrado na coleira ideológica de um complexado vira latas. Acho que quem pensa horizontal, deve, sempre, fazer analise sob a ótica do rumo ao socialismo. Além do mais acho que quando você leu o link não percebeu a profundidade da critica politica e tecnológica do Sr. Kliass, no texto linkado, quando o próprio Lula diz;

    “Quero agradecer a todos os que defendem o software livre e lutam pelo aprofundamento e ampliação dos direitos de cidadania em todo o mundo. As potencialidades e os desafios das novas tecnologias da informação têm cada vez mais importância para o efetivo exercício desses direitos. Em nosso ponto de vista, o acesso a esses avanços tecnológicos deve ser direito de todos e não privilégio de poucos. Por isso, o governo federal tem intensificado o diálogo democrático com a sociedade e tratado o software livre e a inclusão digital como política pública prioritária. Entre os resultados desse diálogo estão programas importantes em curso no País.” (grifo nosso)

    Atenção internautas, leiam este texto do Sr. Kliass, entendam a profundidade e a importância de dominarmos esse tipo de tecnologia, para não sermos governados, dominados e explorados pelos donos da mídia e as tecnologias de ponta. Isso para mim, é questão de Estado, não de governo, entendeu?

    Endereço; http://www.advivo.com.br/blog/marcelosoaressouza/quem-se-esqueceu-do-software-livre

    Abraços Fraternos.

Mardones

Desejo que o Brasil livre-se do complexo do “fizemos muito, mas ainda temos muito por fazer”, típico do PT pós 2003.

Esse comportamento aceita todo tipo de coligação em nome da vitória eleitoral com comprometimento fraco com as reformas mais urgentes e que ainda esperam um governo para defendê-las como prioritárias.

Julio Silveira

Que politica de comunicação? O que o governo tem é um rascunho das normas criadas pelo PIG, e de vez em quando investem discursalmente contra um item para logo depois do HUUU, somos contra, seguir caladinho apoiando. Afinal são parceiros do Sarney e de outros tantos parecidos, possuidores das luzes, das cores, e do som, nas comunicações oligarquicas corporativas brasileiras. E só mesmo aqueles fanáticos torcedores acreditam em alguma construção nessa área. O PT, na carta aos brasileiros, já disse que respeita os contratos, e o recado foi principalmente para essa cosa nostra brasileira. Ruim mesmo para a cidadania foi saber que alguns aderiram por grana e passaram a operar por dentro, como a justiça contestada já mostrou, e a imprensa progressista antes de ter crise de afetividade, quando foi isenta. Ou como fiquei sabendo do assunto BROi, hoje esse assunto de bilhões ficou tão, digamos, morto?

Moacir Moreira

Olá, Azenha e demais colaboradores deste magnífico blog,

Não se pode servir a dois senhores, como diziam os antigos profetas.

A Dona Dilma precisa decidir se serve ao povo, mesmo correndo o risco de “ingovernabilidade” ou se serve aos banqueiros do crime organizado internacional, os quais, em última análise, são os patrocinadores tanto da corrupção quanto do golpismo, as nossas 2 pragas do Egito.

A tese da conciliação de classes que o PT defende é tentar conciliar o bode com a horta, a raposa com as galinhas.

Lugar de bandido banqueiro é o mesmo que de bandido pé-de-chinelo: – Colônia Penal Agrícola onde aprendam a trabalhar com uma enxada e plantem sua própria comida.

Os que criticam os tais “gulags” de Stalin deveriam procurar conhecer como realmente funcionavam aqueles verdadeiros centros de reabilitação para a classe média.

As pessoas precisam aprender a ser mais solidárias e entender que a liberdade coletiva prevalece sobre a liberdade individual.

Vamos lá, Dona Dilma.

Deixe a Polícia Federal fazer o seu trabalho.

Que a Justiça e a Verdade prosperem neste país ora entregue aos ratos de igreja.

Abraços

lulipe

Primeiro a “Ley de Medios”, depois a imprensa única, como Cuba e China.Nunca terão!!!

Santi

Prezado amigo Paulo concordo com seu artigo só discordo em um pequeno detalhe, LULA e DILMA são espertos e realistas, num congresso onde mais de 80% são proprietários de concessões de radios e TVs, você acredita que o PT sozinho aprova a lei. Se quizermos realmente uma lei regulamentando as Comunicações, não basta belos artigos ou discursos, teremos que partir para uma Emenda popular, sabendo que teremos que acampar em frente ao Congresso para pressionar.

J Souza

A esperança do povo venceu o medo e elegeu o Lula.
O medo do PT venceu a esperança e afunda o governo Dilma no mar de lama do neoliberalismo…

Fabio Passos

E desanimador saber que o governo nao quer avancar conforme definido pela sociedade na Confecom.

Ainda estamos muito longe de ser uma democracia e um dos principais problemas e a concentracao das comunicacoes nas maos de meis duzia de oligarquias decrepitas: Promotoras de um golpe de Estado e filhotes da ditadura.

O PiG e uma das principais barreiras para superar nosso atraso, injustica social e subdesenvolvimento.
Lutar para derrubar as oligarquias do PiG e obrigacao de um governo popular e de todo brasileiro que deseja um pais prospero e justo

Deixe seu comentário

Leia também